23.5.20

Ampliar os cuidados a idosos é uma necessidade social urgente

O sistema português de cuidados a idosos está sob grande pressão, como mostra esta reportagem do DN. Há muito tempo que as técnicas e os técnicos de serviço social nos hospitais são confrontados com o problema da existência de doentes que têm alta clínica mas permanecem internados por ausência de respostas para onde ir e de condições familiares para os acolher.
O nosso sistema, no papel, é bastante avançado, Temos acesso a ele com base na proteção social de cidadania, com comparticipação do Estado e comparticipações dos utentes razoáveis e proporcionais aos seus rendimentos. Mas, por escassez de lugares na rede, é bastante inadequado. Se casos como os mencionados pelo jornal, referenciados pelo serviço nacional de saúde, acabam por ter uma resposta ainda que ineficiente, muitos outros, que impliquem a procura das famílias ou de quem na sociedade civil ou nas autarquias siga os casos, não têm. Nesses casos sobram três alternativas - a rede de respostas não co-financiadas que pratica preços de mercado, proibitivos para a generalidade das famílias e que leva mesmo as classes médias com meios de vida confortáveis à beira da ruína, o internamento em equipamentos ilegais, que combinam baixo preço com cuidados e condições desadequadas, para não usar linguagem chocante, ou os cuidadores informais, que em muitas famílias não há condições para que existam e muitas vezes terminam sendo uma sobrecarga sobre as mulheres.
Quem me lê já pensou porque abadamos há mais de duas décadas a fechar centenas de lares ilegais todos os anos e eles continuam a existir? O fator que empurra as famílias para essa resposta de paupérrima qualidade não se extinguiu e todos os anos o setor dos cuidados ilegais se renova, perpetuando o jogo do gato e do rato com o Estado.
Com o tempo, o problema só pode agravar-se. Vamos viver mais anos e mais anos  com dependência de cuidados. Chegaremos a uma idade em que os potenciais cuidadores serão também eles idosos e a carecer de cuidados. As famílias terão redes de solidariedade menos alargadas e fenómenos vários, incluindo as migrações e a pressão sobre os membros em idade ativa torná-las-ão ainda menos capazes de organizar informalmente as respostas necessárias.
É urgente pensar uma rede com dimensão adequada às necessidades, financiável de modo sustentável, acessível a quem dela necessita a custos comportáveis. Alguns países - como a Alemanha - introduziram a necessidade de cuidados nas eventualidades de segurança social. Mesmo que não se vá por aí temos que criar dispositivos de mutualização de riscos que criem condições para que possamos pagar ao longo da vida para que não necessitemos de pagar preços que não nos serão comportáveis quando já for demasiado tarde.
O desafio às políticas públicas e às entidades do setor social para criar uma rede alternativa à rede mercantil capaz, porque suficientemente extensa, de cobrir as necessidades de cuidados de idosos é evidente. Sabemos que temos uma rede insuficiente e um modelo de financiamento que tem conduzido o Estado a conter o seu crescimento. A criação de modalidades de financiamento dos cuidados ao longo do ciclo de vida e não no momento de que deles necessitamos é prioritária. Estado e sociedade civil não podem fechar os olhos a esta necessidade social urgente.


https://www.dn.pt/edicao-do-dia/23-mai-2020/manuela-no-hospital-a-espera-de-um-lar-manuel-saiu-mas-ja-demente-12227410.html?target=conteudo_fechado

Sem comentários: