29.9.19

Assim se estraga uma campanha eleitoral

1. A justiça volta a ocupar o palco central numa campanha eleitoral. É um mau hábito, este de os tempos da justiça pretenderem ser tão independentes da política que tropeçam sempre nela. Mas pode ser só o velho hábito português de fazer tudo no último dia e o Ministério Público, tendo um prazo máximo que terminaria em tempo de campanha para não exceder o prazo de prisões preventivas, pode não ter percebido que era do interesse nacional, portanto também da justiça, que não gastasse todo o prazo de que dispunha.
2. Rui Rio atirou para o lixo todo o discurso que fazia dele um político diferente nas questões de justiça. Não tanto porque tentou ter ganhos eleitorais com o caso, isso faz parte da fria realidade da política, mas porque toma uma acusação do Ministério Público como ponto de partida para o estabelecimento da verdade. Infelizmente em Portugal o Ministério Público há muito que deixou de merecer esse estatuto. Funciona excessivamente como parte e demasiado pouco como magistratura que busca a verdade acima da sua posição específica. Num processo em que houve tanta violação seletiva do segredo de justiça, tanta semiologia amadora de escutas telefónicas e até a divulgação prévia num dos jornais do costume da proximidade  da acusação, tudo o que diga antes de validado por uma pronúncia em sede de instrução não merece particular confiança.
3. Mais grave ainda, Rui Rio ultrapassou inesperadamente uma fronteira de lisura no debate político ao juntar a uma confiança cega numa acusação a sua própria acusação, a que se dispensou de juntar qualquer prova, indício ou razão de suspeita que não a mera insinuação, de que alguém teria tentado envolver o Presidente da República para criar  uma cortina de fumo.
4. Assim se estraga uma campanha eleitoral e, de repente, Rui Rio passa de um defensor comprometido de uma justiça mais justa para um banal demagogo sobre justiça. Mas também António Costa e o PS não podem reagir apenas como se não houvesse uma dimensão política nesta questão. No ponto em que, caso o Ministro Azeredo Lopes soubesse da inventona, tanto é mau que o Primeiro-Ministro António Costa soubesse como que não soubesse há um fundo razoável, ainda que seja feita uma equivalência desproporcionada. Teria Costa andado mal se escolhesse um ministro que lhe ocultasse tão grave facto e muito pior se ele não lho tivesse ocultado e não tivesse reagido. Afasto por completo, porque conheço António Costa, a segunda hipótese. Mas a consideração da primeira implica não acreditar na palavra de Azeredo Lopes, o que é prematuro estabelecer sem violar a presunção de inocência. O primeiro-ministro tem apenas que solenemente garantir que nada teve a ver com a inventona e esperar que Azeredo Lopes mereça a confiança que nele depositou, como desejo e espero que mereça.
5. Mais uma vez se confirma que o Ministério Público não se preocupa com questões que são de bom-senso. O que o impediu de concluir esta acusação fora de um período de campanha que não a confusão entre independência e indiferença face à defesa da democracia? O que fez com que não se deduzisse esta acusação fora de uma campanha eleitoral? A separação de poderes é uma coisa, linda aliás, a gestão de cada um deles de modo que permita minar a credibilidade de outro é bem diferente e bem feia.

Más notícias para África da fronteira Nigéria-Benin

A criação de uma grande zona de comércio livre em África poderá trazer novas oportunidades ao continente, muito para além do que é possível antecipar, não apenas económicas. Mas é um processo que vai ser difícil, gradual e lento e, sobretudo, depende da adesão e sentido de responsabilidade das maiores economias africanas.
Neste quadro é má a notícia de que a Nigéria tenha fechado a sua fronteira ao Benin, invocando - possivelmente com fundamento - o contrabando de arroz.
Uma zona de comércio livre não se constrói só com discurso e numa África com instituições ainda em processo de construção em muitos domínios e, seguramente no que se refere à regulação do comércio internacional, vai demorar a passar das palavras aos actos.
Mas, no fim de contas, para além das vantagens para a população de uma maior fluidez das trocas comerciais intra-Africanas, serão as suas potências económicas as que mais beneficiarão com o sucesso do projeto.

Se é certo que há muito trabalho jurídico, institucional, de afirmação de capacidade no terreno por fazer, não é menos certo que a Nigéria é um dos grandes países que podem ajudar a redesenhar as oportunidades de África, que não está condenada por nenhuma maldição à pobreza, à dependência de recursos naturais e a ser uma zona-problema no mundo do futuro.

11.9.19

As alterações climáticas desafiam a ajuda humanitária - uma visão pessoal sobre o papel do Banco Mundial na mudança

As alterações climáticas estão a afetar profundamente as nossas sociedades. Moçambique foi este ano
uma testemunha desse facto ao ser afetado por dois ciclones na mesma época chuvosa, com efeitos devastadores sobre a população e a região. O Banco Mundial encontra-se entre as instituições mobilizadas pela ação climática, assumindo a preocupação com a gestão dos impactos das alterações climáticas na pobreza global, na agricultura e na saúde. Uma realidade que tornou premente uma nova abordagem à ajuda humanitária, a que o Banco Mundial aderiu e tem vindo a intensificar. A reconstrução após o ciclone Idai é exemplo do novo modo de agir da ação humanitária, procurando promover a ligação entre esta e o desenvolvimento.

O meu artigo no diretório da Câmara de Comércio Portugal-Moçambiquede 2019 pretende abordar esta questão, no seguimento da reflexão que já havia feito na conferência que dei no ISCTE-IUL sobre o mesmo tema, no âmbito do ciclo de conferências sobre ação humanitária. Pode ler o artigo aqui.