(artigo publicado no Diário Económico de 5 de Maio de 2006)
B
O governo de José Sócrates retomou a linha de reforma responsável e solidária da segurança social iniciada por António Guterres e Ferro Rodrigues. Mas fá-lo após cinco anos de desempenho negativo da economia portuguesa. Os efeitos da conjuntura repercutem-se, ainda, nas perspectivas futuras. A mais recente projecção da UE torna-nos no país mais pobre da UE 25 em 2050. Também as projecções demográficas revistas em 2004 agravam a pressão sobre a segurança social entre 2025 e 2050.
Creio que o maior dever da minha geração de políticos é o de agir para que as actuais projecções de um desempenho medíocre da economia portuguesa durante meio século não se concretizem. Mas isso não isenta o Governo de agir com precaução, tomando as medidas que seriam necessárias se tal acontecesse. É neste quadro que vejo a racionalidade das iniciativas anunciadas.
As medidas do governo têm uma dimensão adaptativa à evolução demográfica expectável. Respondem ao aumento da esperança de vida com uma fórmula que visa neutralizar o seu efeito financeiro. Poderia ter-se optado, transparente mas rigidamente, pelo aumento da idade de reforma. Quis-se, bem, com o “factor de sustentabilidade” abrir possibilidades de escolha plural que garantem o mesmo efeito financeiro através de diferentes vias escolhidas pelo trabalhador. Esta solução tem, sobre a anterior, o mérito de aumentar a liberdade dos indivíduos.
Á queda dos índices de natalidade procura-se responder com a mesma lógica de modulação do esforço contributivo, mas de modo bastante menos feliz, pelo menos na forma como foi apresentada no Parlamento a possibilidade de uma sobretaxa por incumprimento de objectivos de produtividade demográfica.
Portugal tem uma elevada taxa de emprego a tempo inteiro de homens e mulheres, com salários relativamente baixos e escassos equipamentos sociais de apoio à infância. Como sabemos, há duas respostas possíveis à baixa da natalidade que funcionam em diferentes países: redução dos níveis de emprego das mulheres acompanhada por aumento das prestações sociais derivadas, que é contrária à igualdade de género; expansão drástica da rede de equipamentos sociais de apoio à família e à infância, que facilita a liberdade de escolha das famílias e aumenta, simultaneamente, as oportunidades de emprego. Prefiro a segunda.
O governo aproveita também a necessidade de resposta à conjuntura económica para aperfeiçoar o sistema. É o que fez na convergência de regimes de protecção social, na revisão das reformas antecipadas e do subsídio de desemprego, dos ajustamentos agora propostos nas fontes de financiamento e dos aperfeiçoamentos no combate à fraude e à evasão contributiva. Será também o caso da nova arbitragem entre direitos adquiridos e em formação e o calendário de transição para a nova fórmula de cálculo das pensões.
Mais tarde ou mais cedo teremos que discutir formas mais ambiciosas de diversificação do financiamento da segurança social, mas compreendo que ainda não tenha chegado o momento, se bem que pense que se deveriam lançar já os estudos técnicos para que um dia se possam tomar decisões informadas.
O governo apresenta ainda iniciativas que aperfeiçoam o sistema de protecção. É o que fez com o complemento solidário para idosos e o que se propõe fazer na área da deficiência e da invalidez. Passos importantes, correctos e decisivos.
Terá que se continuar também no caminho de correcção das desigualdades sociais, sabendo que somos um dos países europeus com maiores taxas de pobreza e mais elevados indicadores de desigualdade.
Numa perspectiva ofensiva de reforma da segurança social, o debate ganha em alargar-se a formas de intervenção transversal que melhorem o efeito redistributivo da segurança social portuguesa.
As propostas apresentadas, no seu núcleo fundamental, visam, genericamente, adaptações com realismo aos constrangimentos, o que tem que ser feito, sem perder de vista os princípios orientadores da promoção da inclusão e da redução das desigualdades.
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