26.7.19

Vieira da Silva, o homem que duas vezes viu a necessidade de dar prioridade ao salário mínimo nacional

Uma  das grandes rupturas da revolução de abril foi sem dúvida a criação do salário mínimo nacional.
Foi criado logo em maio de 1974 para os trabalhadores da indústria e serviços, depois alargado em 1977 aos trabalhadores da agricultura, silvicultura e pecuaria e, em 1978, aos trabalhadores do  serviço doméstico.
Como em muitos países, a evolução do salário mínimo em Portugal conta a história da relação de forças entre direita e esquerda. Os governos de direita tenderam a enfraquecê-lo, conter o seu valor e os de esquerda a revalorizá-lo.
Mas essa revalorização era contida, durante muito tempo, por o salário mínimo ter sido o indexante de várias despesas públicas, das prestações sociais aos subsídios aos partidos políticos. O seu aumento acarretava não apenas melhoria de bem-estar e garantia de um mínimo de dignidade para os trabalhadores mas também um aumento de despesa pública que incentivava os governos a serem tímidos na sua variação.
A história do salário mínimo em Portugal, neste século,  teve um ponto decisivo de viragem, que é o momento de sublinhar, porque se deve inteiramente à chegada à pasta do trabalho e segurança social e à sua visão estratégica do problema, do homem que agora anunciou a sua saída da política activa, José António Vieira da Silva.
Em 2006 conseguiu um acordo histórico com todos os parceiros sociais para o aumento sustentado do salário mínimo nacional. Sublinhe-se que, dos poucos acordos que a CGTP alguma vez assinou, este continua a ser o único que regula especificamente uma matéria laboral (os outros foram sobre política de emprego, higiene e segurança e segurança social). Nesse acordo definiu-se um objetivo de aumento do salário mínimo nacional de 30% em cinco anos e removeu-se o espartilho que o ligava à despesa pública, passando esta a estar ligada a uma nova medida, a que se chamou indexante de apoios sociais.
Não faltaram na época os críticos de tão acentuada revalorização, nomeadamente nos setores mais ortodoxos da economia e mais conservadores da política - que aumentaria o desemprego, que não teria efeitos positivos nas desigualdades salariais, etc. Mas o caminho prosseguiu.
Depois veio a crise. É certo que, sob a influência da viragem para a austeridade que a adopção dos PEC implicava já não foi possível ao ministro e ao governo cumprir completamente o acordo e o aumento para 2011 em vez de chegar aos prometidos 500 euros, quedou-se pelos 485 euros.
Com a troika, o salário mínimo estaria necessariamente sob os holofotes das chamadas reformas estruturais, mas os negociadores (ainda a equipa de Vieira da Silva)  conseguiram  manter no texto uma porta semiaberta. Diz o memorando que os aumentos do salário mínimo só poderiam ocorrer se justificados pela evolução da economia e do mercado de trabalho e acordados nas revisões do programa. Certamente, com o governo que queria ir além da troika, o salário mínimo ficou congelado por todo o tempo do programa. Note-se, em abono da verdade, que em outubro de 2014, após 4 anos de congelamento, o governo PSD-CDS aprovou ainda um aumento do salário mínimo.
Mas foi Vieira da Silva quem, regressando ao governo, retomou a estratégia de revalorização do salário mínimo,  levou o tema à concertação social e, de novo, de lá saiu com um acordo com os parceiros sociais, embora desta vez sem a CGTP,  para a sua revalorização, agora para atingir os 600 euros em 2019 o que desta vez, pôde cumprir. É certo que nesta negociação se embrulhou numa compensação aos patrões em descontos para a segurança social que teria sido contraproducente. Mas aqui a geringonça revelou o seu potencial de contrpeso a cedências excessivas à direita, anulando no parlamento a possibilidade de concretização dessa "indemnização"desnecessária na prática, embora provavelmente inevitável na negociação.
Nada, contudo, pode retirar a Vieira da Silva o mérito de ter sido duas vezes o obreiro de uma revalorização essencial do salário mínimo nacional, uma peça basilar das políticas da defesa da dignidade dos trabalhadores.
Quem acompanhe estas questões de longe achará que o salário mínimo é uma pequena medida na política de emprego, mas engana-se. Pelos últimos dados disponíveis é ele que define o salário que recebe mais de um quinto de todos os trabalhadores. É por isso, hoje, a mais importante garantia de proteção contra o fenómeno dos trabalhadores pobres.
Na minha visão, a persistência de Vieira da Silva na valorização do salário mínimo nacional fica como uma das marcas sociais mais profundas do governo que agora termina e ofereço, em defesa desta tese, este gráfico à vossa análise. Nele podem ver os efeitos das políticas e como os governos e os políticos não são todos iguais. Ainda não há dados para 2018 e 2019, mas em 2017 o valor do salário mínimo em Portugal já ultrapassou pela primeira vez em décadas 60% do rendimento mediano. Acreditem que não é efeito pouco positivo nem sinal irrelevante de empenho nas políticas sociais.










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