25.7.19

Antes de atravessar certas estradas, pare, escute e olhe

O fascismo deixou-nos a memória dos tribunais plenários, destinados a julgar um tipo especifico de crimes, então os políticos. Ninguém acreditava na imparcialidade desses tribunais.
Os pais fundadores da nossa democracia, preocupados com o que viram, ouviram e viveram, quiseram deixar uma marca clara na constituição sobre este tipo de tribunais destinados a julgar um único tipo de crime, e foi simples - nunca mais.
É certo que temos tribunais de competência especializada, no trabalho, na família, por exemplo, mas são tribunais sobre uma área social definida e não sobre um crime específico.
Mas quando leio que há quem pondere tribunais especiais para um tipo único de crime - por mais hediondo que seja - temo que se esteja a enfraquecer a exigência que é necessária a que um sistema de garantia de direitos civis permaneça completamente fiel ao espírito fundador das democracias desde o século XVIII.
Seja quando o PAN propõe tribunais específicos para crimes de corrupção ou quando o PS pondera tribunais específicos para crimes de violência doméstica, eu não consigo sair do quadro das atuais garantias constitucionais - tribunais para domínios especializados de competência sim, tribunais para crimes específicos não. Porque na era do pânico moral, o risco de enfraquecer a justiça e entregar o seu exercício a agentes incapazes de garantir o principal dever de se manterem capazes de julgamentos imparciais, com respeito profundo pelas vítimas, mas também pelos direitos dos arguidos, é uma fronteira que se revela fácil de transpor, com evidentes riscos de produzir injustiça. E a injustiça é uma ameaça basilar à democracia.


Adenda. Em comentário no Facebook, Isabel Moreira escreveu “ penso que no calor do momento António Costa disse isto : como jurista entendo que não é inconstitucional. E bem, digo eu. Depois acrescentou sem necessidade: mas se fosse necessário rever a constituição, que motivo mais forte que não a violência doméstica? Entendes ? A frase saiu ali assim , mas ficou claro que não há inconstitucionalidade”
Se assim for,  posso estar a ler, em relação ao PS, algo que foi apenas dito “no calor do momento” e, o que seria excelente, o que escrevi não se aplica a nada que passe pelo que este partido está a ponderar.

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