20.7.19

sobre uma legislatura do diabo

Todos os partidos aquecem os motores para a campanha eleitoral que se aproxima. Se as sondagens, que em eleições legislativas costumam ser fiáveis, não forem contrariadas pelos resultados eleitorais, não vai estar em causa agora quem vence as eleições nem quem será o próximo Primeiro-Ministro.
Mas vai decidir-se ainda com que relação de forças se formará o próximo governo.
Se o PS chegasse à maioria absoluta, o que neste momento se configura como improvável mas não impossível, o centro de gravidade da próxima legislatura transferir-se-ia de novo para a relação entre o Governo e o Presidente, tendo este último o papel de moderador e àrbitro, como lhe gostava de chamar Mário Soares. De algum modo seria uma vitória clara da dupla Costa-Marcelo sobre a direita e a esquerda.
Se a geringonça se repetisse nos moldes atuais, o que parece ser o que resultaria de uma certa inércia eleitoral e da sobrevivência do PCP com resultados eleitorais acima do que as sondagens lhe atribuem, o centro de gravidade continuaria nos acordos parlamentares, o Parlamento ganharia em duas eleições consecutivas uma preponderância política rara no nosso sistema e, quem sabe, estaríamos perante uma evolução duradoura que pode configurar novas soluções políticas, à esquerda como à direita, em que o Parlamento se não limita a chancelar um governo sob a força do rolo compressor de um grupo de deputados maioritário, que obedece a orientações de um partido ou coligação de governo com direções partidárias centralizadas.
Se, como começa a parecer que o BE e alguns setores do PS desejariam, se evoluísse agora para uma coligação pós-eleitoral com participação no governo de bloquistas, para além de um profunda derrota estratégica do PCP que poderia precipitar o seu declínio, a inorganicidade de alguns protestos sociais e o regresso de uma ativa oposição de esquerda nas ruas a um governo de esquerda, voltaríamos a ter Costa e Marcelo no centro de gravidade do sistema, mas bastante condicionados pela agenda do BE e pela possível luta fratricida à sua esquerda. E não se deve subvalorizar o papel que a influência do PCP e a contenção da CGTP tiveram na governabilidade neste legislatura.
Em qualquer destes cenários internos,  a evolução do ciclo económico determina que o próximo governo enfrentará uma desaceleração económica mundial, com reflexo negativo nos nossos parceiros comerciais e, portanto, nas nossas exportações e no nosso PIB, mesmo que sejamos otimistas face a Trump, à evolução das relações EUA-China ou aos efeitos das tensões com o Irão e seus reflexos no golfo e no preço do petróleo.
A próxima legislatura será, ainda, aquela em que se torna difícil conter a evolução das expetativas, após mais de uma década sem progressão significativa do nível de vida da população, com reduzido investimento público a tornar obsoletos sistemas de apoio ao desempenho de várias funções do Estado. Todos quererão o seu quinhão na recuperação prometida que começou nesta legislatura. Muitos quererão agora melhor desempenho dos serviços públicos e a situação e ansiedades dos portugueses em volta da saúde estão aí como sinal avançado dessa tendência.
O PS, pelo que se sabe e pelo que provavelmente se verá hoje na sua convenção nacional preparou para este novo quadro um programa típico de segundo mandato, responsável, sólido, com melhorias incrementais, uma agenda de desafios, sem grandes ousadias, mas também sem aventuras que pudessem revelar-se perigosas ou de concretização difícil.
Mas a execução da estratégia que vingou, para muitos inesperadamente, nesta legislatura, criando um governo de condomínio Costa-Centeno viabilizado por uma enorme contenção dos aprtidos de esquerda, com o primeiro a conduzir magistralmente a estratégia e o segundo com os pés firmes nos travões de quaisquer aventuras, pode contar ainda com dificuldades acrescidas, se tiver sucesso a candidatura de Centeno ao FMI de que a imprensa internacional fala e que muito orgulharia Portugal.
Finalmente, convém ter em conta que os portugueses são tradicionalmente severos com os governos em segunda legislatura. Tanto que desde o 25 de abril apenas uma vez o mesmo primeiro-ministro e o mesmo partido ganhou três eleições legislativas consecutivas. Foi assim com Cavaco Silva, em 1985, 1987 e 1991 mas, mesmo esse teve uma primeira legislatura curta, devido a uma moção de censura e não sobreviveu a uma desaceleração económica séria no seu último mandato.
Por tudo isto, António Costa, hoje o grande ativo político com que o PS prepara a sua vitória eleitoral e esmaga o cada vez mais fraco segundo maior partido do país,  terá que fazer história para chegar forte ao fim desta verdadeira legislatura do diabo. Nada que, se contar com uma colaboração estratégica de Marcelo lhe seja impossível, mesmo com as adversidades previsíveis, sobretudo se tiver que enfrentar essencialmente desafios que requeiram dele domínio da tática, de análise da relação de forças, arbitragem de pressões contraditórias e sentido de oportunidade nas decisões que possa atempadamente e racionalmente preparar. Já demonstrou ser um político com a visão típica de general ou de grande mestre de xadrez. 
Diferente seria se o diabo juntasse a todos estes ingredientes alguma situação que forçasse a necessidade de competências emocionais, reação em cimda hora em contexto de tensão afetiva, de empatia com pessoas e grupos vulneráveis em situações de adversidade. Para esse lado da construção de um novo sucesso político, que faria dele o primeiro político português e do PS sob sua liderança o primeiro partido a poder governar não apenas os oito anos que agora está a lançar, mas doze. Costa terá, no desenho deste ciclo político, que inovar algo.
E resta uma pergunta que teremos que fazer a nós próprios. Com o caminho que seguimos chegaremos ao fim desse ciclo com uma sociedade mais próspera, produtiva, menos desigual e mais ambientalmente sustentável? Para que a estratégia que o PS propõe ao país é necessário acrescentar ainda muita ambição de mudança ao inequívoco triunfo já conseguido sobre a conjuntura.




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