29.7.19

Elogio dos burocratas

“Não sejas burocrata”, disseram-me muitas vezes quando exercia funções públicas e levantava questões a colegas que queriam ver problemas resolvidos, em tempos curtos, com aquela ideia voluntarista de que a bondade dos resultados a atingir se sobrepunha ao rigor dos procedimentos.
A desvalorização dos burocratas foi também um processo que vivi na minha curta carreira política. Muitas vezes desvalorizava-se os serviços da administração publica - e as suas objecções “burocráticas” - a concepção que havia nos gabinetes governamentais de que tudo o que se achava necessário fazer tinha que acontecer, e já, queimando etapas, correndo sempre contra o tempo porque nada podia esperar pelos “burocratas”.
Desde então os serviços da administração publica ficaram mais envelhecidos, menos bem apetrechado e perderam ainda mais importância no governo do pais. OS gabinetes dos membros do Governo habituaram-se a apropriar-se de, diria mesmo, usurpar funções que devem ser dos “burocratas”. E isso permite-lhes terem resultados. Permite-lhes corrigir o efeito de fragilidades dos serviços com que trabalham. Mas também faz com que pessoas que devem exercer funções de confiança assumam funções que devem ser de pessoas que tem carreiras precisamente para as saber fazer.
O peso excessivo dos gabinetes é  uma doença da governabilidade em Portugal e como se tornou também  numa grande fonte de recrutamento de membros do Governo, é também uma má escola para a definição a longo prazo da fronteira certa entre ser o principal responsável político de um setor e o executor direto das medidas que acha necessárias.
Como gostam de dizer os “burocratas” do Banco Mundial, em que tenho tido o privilégio de trabalhar, o papel do Conselho de Administração é  o de tomar as grandes decisões, supervisionar o desempenho, definir e orientar a estratégia, mas não é  na cozinha onde se concebem e desenvolvem os projectos e intervenções em concreto.
Não escrevo este texto para participar na crucificação de nenhum assessor de um gabinete em concreto, ou para comentar qualquer membro do governo. Tenho presente no esp’irito muitos e diversos casos da doença de desvalorização dos burocratas que atravessa Portugal.
E acho que é  a hora de defender que Portugal precisa de uma nova burocracia, que limite o voluntarismo, corrija a tendência para o erro de quem acha que a sua vontade torna todos os resultados possíveis.
A democracia portuguesa precisa de dar mais poder aos seus burocratas e menos aos que participam na corte que rodeia quem chega ao governo.





1 comentário:

avitorino disse...

Com 40 anos de vida em empresas, partilho, tambem aqui o rigor na
gestão e as boas práticas, que não tem a simpatia dos ditos anti-burocratas