30.4.20

A ler.

Não gostamos dos sem-abrigo, porque temos vergonha da verdade que dizem sobre NÓS. Cada vez me convenço mais de que o discurso da força de vontade para reabilitação pessoal é apenas banha da cobra, se não houver uma mão amiga pronta a puxar-nos e a criar laços verdadeiramente humanos. Nesta cidade, às vezes o único lugar onde encontro uma pessoa corajosa e honesta é na rua.”

Porque um testemunho pode valer por cem análises. Os sem-abrigo antes de o serem já eram sem-amigos, sem-cuidadores, sem-solidariedade ou, como preferiria, indo à designação original dos defensores da liberdade, sem-fraternidade. E quem pense os sem-abrigo e a sua inclusão como simples superação de défices individuais não percebe o que está a fazer.
A exclusão social tem sempre um braço de uma sociedade organizada para excluir ou, se quiserem que o diga de modo mais prudente, não organizada para incluir. E há razões para pessimismo, porque algures nos últimos vinte anos o país fechou de novo os olhos à exclusão social profunda, por uma misteriosa indiferença que levou consigo o fim de programas nacionais de luta contra a pobreza, o desaparecimento de uma política de emprego direcionada para as pessoas em maior vulnerabilidade, a aniquilação do potencial de inserção social do RSI, o retrocesso de iniciativas de desenvolvimento social, o fim do mercado social de emprego. E não culpem a direita por isso, que esse esquecimento foi obra de todos os governos e a perda de prioridade do tema nas agendas atingiu todas as oposições. Disto nem sequer temos o conforto de poder eleger Passos Coelho como bode expiatório.
Oxalá a sensação de que somos todos frágeis que a pandemia nos trouxe ajude a inverter esta tendência para “deixá-los ir” e mesmo culpabilizá-los, aos que são vítimas de uma sociedade que exclui, claro.

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