31.8.19

Cavalheiros

A entrevista de Jerónimo de Sousa ao Expresso, depois das declarações que António Costa tinha feito sobre o PCP nada avança sobre propostas concretas para depois de outubro, mas reforça um dos elementos centrais da ligação entre a liderança do PS e a do PCP.  Nestes dois partidos, ao mais alto nível, a relação é definida pelos gestos de cavalheirismo e a troca de palavras de honra.
Não é fácil atingir esse nível de confiança e perceber como se lá chegou será obra de historiadores, provavelmente trabalhando sobre materiais que virão pelo menos desde a segunda metade dos anos oitenta e ainda sob a liderança de Cunhal.
O PCP e o PS foram historicamente antagonistas, estiveram de diferentes lados da barricada em praticamente todas as grandes decisões estratégicas do país desde a defesa da democracia liberal à adesão à União Europeia, passando pela privatização dos setores estratégicos e o desmantelamentos da reforma agrária no Alentejo e Ribatejo. Mas também governaram juntos a Câmara de Lisboa e cooperaram estreitamente para eleger Jorge Sampaio contra Cavaco Silva. Talvez tivessem, ainda antes disso, apalavrado uma solução de governo parecida com a geringonça - de novo a honra e não o papel - quando Soares se recusou a indigitar Constâncio para Primeiro-Ministro, convocando as eleições que abriram em 1987 o caminho à maioria absoluta do PSD.
Mas, voltando ao presente, é claro que a estratégia do PCP, vista pela entrevista de Jerónimo de Sousa ao Expresso se define por três vetores: demarcação do PS nas questões laborais e na Uniam Europeia, prudência quanto às ambições eleitorais e cavalheirismo face a António Costa, calibrando as reivindicações futuras possíveis pelo pessimismo quanto à capacidade de conter eleitoralmente o PS ou capitalizar a geringonça.
Se estou a ver bem, o debate Costa-Jerónimo será uma cordata conversa de cavalheiros da qual nenhum de nós retirará nenhum sinal concreto sobre o que cada um deles fará a seguir, mesmo que  os próprios já saibam o que seja e os seus partidos já o estejam a ponderar  em qualquer cenário eleitoral.

Sem comentários: