29.3.16

Zygmunt Bauman sobre a Europa e o terrorismo

Zygmunt Bauman sobre a Europa e o terrorismo . A Few Comments On The Mis-Imagined War On Terrorism.
(...) In direct opposition to Victor Orban’s infamous oracle, “All terrorists are immigrants”, almost all terrorists operating on the European stage are home grown. The most crafty, shrewd and malevolent schemers, who concoct and command or solicit the successive terrorist acts from the safety of their far-away homes, may live in foreign countries – but their foot soldiers are recruited from among the deprived, discriminated against, humiliated, embittered and vengeful local youth facing – again with our direct or indirect, deliberate or flowing from neglect help – their prospectless future. Keeping them in that state of deprivation is how social problems yearning for social action are transmogrified into security problems calling for military responses; this is perhaps the principal way in which our authorities cooperate with terrorists: by following the eye-for-eye rule instead of taking a higher moral ground combined with a radical as much as a long-term perspective, we continue to widen the recruiting area which the terrorist commanders are all too eager to deploy in full.
Most wars segregate combatants into winners and losers, triumphant and defeated. For that one reason our battle with terrorism cannot be classified into the category of wars. From this battle none of the sides (except perhaps the producers, sellers and smugglers of murderous weapons) may emerge victorious. The global arms trade – given in practice, if not in theory, a free ride, and guided by the lucre-greed of weapons merchants in cahoots with governments greedy for rising rates of GDP – has by now transformed the planet into a minefield, of which we know that explosions must happen there in a first awkward move but we can’t predict where and when an explosion will happen. Weapons ready for criminal uses are abundantly available (and as Anton Chekhov instructed budding realist play writers – “if there is a rifle hanging on the wall in the first act of a play, it must be discharged in the third”). Selection of targets is, after all, determined by the firing appliance at hand.

18.3.16

A ver as barbas dos brasileiros a arder

O Brasil traz duas novidades a uma tendência de perda de sentido das instituições que já conhecíamos. Lá, por um lado, o sentimento de auto-defesa do PT sobrepôs-se ao mais elementar bom-senso e a manipulação do poder político para efeitos de protecção dos protagonistas foi a um ponto que demonstra a falta de percepção de que o poder político tem que se auto-limitar quando se sente injustiçado. E, por outro, o conluio entre as instâncias judiciais não têm as vestes pudicas com que, por exemplo, cá se disfarçam. A divulgação de informação para a pré-condenação mediática e a desestabilização política não acontece a coberto de violação do segredo de justiça, mas pelos gestos abertamente desafiantes assumidos e assinados por juízes que não escondem a sua opção pessoal pelo derrube do PT.
A mutação do vírus que corrói a democracia tornou-o particularmente violento no Brasil. Mas é o mesmo vírus que ataca em vários pontos do Globo:  a combinação de um descrédito colectivo (merecido ou não) dos políticos com um activismo político de uma classe profissional de magistrados que não reconhece a separação de poderes e  ambiciona tutelar o poder político corrigindo os resultados de que não gosta.
No Brasil já não há respeito pelos princípios democráticos nem por parte dos políticos nem por parte dos juízes. Falta os militares juntarem-se à festa para que a guerra incivil, como bem lhe chama Fernanda Câncio, degenere numa ditadura aberta. Oxalá os antagonistas democráticos do vírus ditatorial interrompam no Brasil o terrível processo a que assistimos e que, como escreveu Tarso Genro fazem em tudo lembrar o fim da República de Weimar.
Mas, se não reforçarmos as instituições e o sentido rigoroso da especialização de papéis e responsabilidades que subjaz à separação de poderes em que a democracia assenta, a doença brasileira, em formas mais ou menos violentas, atacará em mais pontos do Ocidente em crise. E não é preciso muita imaginação para prever que os portugueses devam pôr as barbas de molho.

16.3.16

Eu, beneficiário da ADSE

Eu, beneficiário da ADSE e contente pelo que dela recebo, disponível para continuar a pagar para ter um sistema complementar de saúde, também acho que esta, tal qual existe, é uma reminiscência do tempo em que não havia serviço nacional de saúde e cada grupo profissional tinha direitos diferentes à saúde.
Não defendo a sua extinção, mas também não acho que os funcionários públicos devam ter um direito à saúde separado do resto da sociedade.
Como quero - pagando para isso - um benefício complementar em saúde, concordo com a proposta que o meu amigo Alexandre Rosa há muito defende: vamos transformar a ADSE numa mutualidade, assumir que é o fruto da auto-gestao de uma parte dos seus recursos por um grupo profissional e acabar com a actual ambiguidade.
Serviço público de saúde deve haver só um. Para benefícios complementares, prefiro os associativos, mas a competirem com os seguros privados, separados do Orçamento de Estado e não a distorcer o princípio do serviço nacional de saúde. Por isso não vejo porque há-de o Estado administrar o que devia ser a mutualidade dos funcionários públicos. Quero o Estado fora da ADSE e a ADSE fora do Estad. 

11.3.16

Marcelo, festa e simbolismo? Tem que haver mais.

Marcelo investiu em marcar toda a sua primeira semana como Presidente de simbolismo e festa.
No simbolismo, temos a posse tão frugal nos convites a entidades estrangeiras, desvalorizando a "velha aliança" e a aliança atlântica, trocadas por uma cerimónia ibérica e uma evocação da infância em Moçambique. E temos ainda a interconfessionalidade da cerimónia na mesquita a substituir o laicismo clássico da função.
Na festa temos tudo o resto, desde a jornada tão diligentemente organizada pela Câmara de Lisboa ao rap portuense.
Esta primeira semana fez-me lembrar uma velhinha canção de José Cid ("no dia em que o rei fez anos"). Mas não acredito que seja ela a definir o mandato presidencial.
Já escrevi que me parece de destacar as referências à Constituição no discurso de posse. E não paro de pensar que o Presidente tem encenado recorrentemente o seu papel de Professor de Direito. Primeiro falou do aluno Antonio Costa. Depois fez campanha na despedida da faculdade. A seguir foi do seu átrio que discursou como Presidente eleito. No discurso de posse referiu a sua especial responsabilidade de professor perante a Constituição.
Há por aí quem desconfie de uma agenda reaccionária de Marcelo. Há quem acredite que ele quer apenas popularidade, muita popularidade. Mas eu acho que ele é mais inteligente que isso é vai usar a sua inédita relação com o eleitorado sem qualquer mediação nunca vista (com excepção talvez de Eanes) para algo mais.
Não vai ser como o bonacheirão segundo (sendo Soares o primeiro e o paradigma) que Marcelo encontra o lugar na história que lhe escapou, quer como Presidente da Câmara de Lisboa, quer como Primeiro-Ministro. 
O Professor tem que ambicionar mais. Já não vai saltar para a Europa nem para o Mundo. Não acredito que se mantenha ao nível de fazer mais manchetes para os jornais (isso fazia há mais de trinta anos).
O mestre dos factos políticos tem que se despedir em grande. 
Pode ser que a história não lhe dê essa hipótese, mas o meu palpite é o de que veremos o que Marcelo quer da Presidência quando (ou se) a tensão entre cumprir os compromissos com Bruxelas e manter de pé a coligação que governa Portugal evoluir para explosão. E nessa altura voltará a complicar a vida quer ao PSD quer ao PS.

10.3.16

A Constituição, a economia, Cavaco e Marcelo

Na posse, um presidente deve focar-se na Constituição ou na economia? Se preferir a economia, reconhecer-se-á  no discurso da última tomada de posse de Cavaco Silva. Se der mais importância à Constituição gostará claramente mais da (primeira) posse de Marcelo Rebelo de Sousa.
Há cinco anos, Cavaco disse dezasseis vezes a palavra economia. Agora, Marcelo, apenas duas. Agora, Marcelo disse nove vezes a palavra Constituição. Há cinco anos, Cavaco pronunciou-a apenas uma.
A preocupação com a Constituição é o elemento diferenciador dos dois últimos discursos de posse e é, então, a principal novidade trazida ou pelo menos o elemento devolvido ao debate político pelo novo Presidente.
Se Marcelo conseguir ser o guardião da Constituição, conseguirá unir melhor o que Cavaco fez tudo para cindir e desencorajará os governos borderline no desrespeito da Constituição. Com isso, mudará o centro gravitacional da política portuguesa de novo para dentro do consenso constitucional de 1976, retirando-o de onde o Presidente Cavaco o deixou pôr, na tensão entre cumprir a constituição e governar o país. E foi essa deslocação do centro político para a fronteira da Constituição  que originou o aumento a que assistimos da centralidade do Tribunal Constitucional como ponto de veto no sistema político, em particular em resposta a iniciativas de deputados.
Se Marcelo fizer o caminho que o discurso de posse anuncia, ouviremos falar mais do Presidente e menos do Tribunal Constitucional nos próximos anos, teremos menos fiscalização da constitucionalidade por iniciativa dos deputados e mais por iniciativa do Presidente ou menos interpretações ousadas da Constituição pelos governos e menos fiscalizações da constitucionalidade.
Há, claro, ainda a hipótese alternativa de Marcelo querer fazer cumprir a Constituição, mas uma Constituição modificada e o pacto que propõe, a nova união, ser uma renovação do arco da governabilidade em torno de uma constituição revista profundamente. Mas, se essa ambição não contradiria o seu discurso, nada nele a anunciou e nada na atual dinâmica do sistema partidário faz prever que tivesse sucesso.

9.3.16

Refugiados: integrar é difícil, mas as alternativas são piores.

A ler, a reflexão de Claus Offe.
"Prender" os refugiados no Médio Oriente não vai evitar que as pessoas que possam fujam de vidas insuportáveis.
 Receber sem acolher não vai impedir os populismos e extremismos de todos os tipos de corroer a coesão social.
Acolher implica atenção, recursos e aposta na absorção ao máximo pela comunidade nacional do potencial dos refugiados acolhidos.
Os caminhos mais fáceis no curto prazo são os que conduzem a maiores riscos no futuro. Cá, para as democracias. E lá, para a sobrevivência em segurança. No fim de tudo, para a segurança coletiva.
Sobre tudo isto, os portugueses podem orgulhar-se de que Governo, autarquias locais e sociedade civil estão para já a fazer e a querer fazer o que deve ser feito.

2.3.16

Subsídios nos transportes para jovens não voltam. É pena.

Ontem na Assembleia da República, o governo afirmou não ter nem perspectivar vir a ter 20 milhões para repor o desconto de 50% no passe social para crianças e jovens que o governo de Passos Coelho retirou.
Acontece que as famílias com filhos, mesmo quando não vivem abaixo dos limiares de pobreza ,merecem apoios pelos encargos acrescidos com esses filhos. Repare-se que já não recebem na sua maior parte abono de família e que a educação superior já deixou de ter custos meramente simbólicos.
Acresce que investir no transporte público também passa por formar hábitos de uso desse meio e o passe a preços reduzidos para crianças e jovens é decerto um forte incentivo à sua frequência.
Bem sei que me dirão que os descontos existem para as famílias mais pobres. Mas não esqueçam que um Estado social que se confine a apoiar os pobres não passará de um pobre Estado social, aliás, com um nome dentro das famílias do Estado social: liberal.
A política de juventude não é uma mera extensão da política de luta contra a pobreza e a promoção da miblidade sustentável não passa de um slogan se não tem incentivos adequados. As prioridades têm que ser arbitradas. Aqui, a meu ver, foram-no de modo errado.
Ou seja, o problema dos recursos para o desconto nos passes sociais para jovens não é de impedimento orçamental absoluto. É de escolha. E  num país em que a natalidade é baixa, em que os custos para as famílias de ter e criar filhos são elevados, em que as classes médias estão esmagadas, o governo dee squerda não encontrou despesa onde cortar para achar os vinte milhões de euros que a promoção do uso do transporte público por crianças e jovens necessitava. É pena. Eu era capaz de imaginar despesas que posdiam ser cortadas noutras políticas repor estes subsídios. E o governo também. Mas a escolha foi esta.