Há muitos anos, vivia-se a perestroika, um sociólogo soviético, Abel Agambegyan, veio ao ISCTE e fez uma conferência que muito me impressionou. Talvez a que mais me impressionou em toda a minha vida, conjuntamente com uma outra, a que Eric Hobsbawm deu, também no iSCTE, mas que não é agora para aqui convocada.
Agambegyan tinha uma tese sobre o declínio do poder soviético em que incluía uma floresta jurídica e regulamentar em que nunca ninguém podia ter a certeza de estar a cumprir a lei e ficava vulnerável a poderes perversos.. Havia leis contraditórias, mal feitas, acumuladas ao longo de gerações, que chegavam a contradizer-se materialmente ou que tinham um espírito que deixara de corresponder à prática social ou à realidade do país. Paradoxalmente, o excesso de produção legislativa bloqueava a possibilidade de um estado de direito, porque dava, no caso, ao partido e a tribunais não independentes ou à polícia um poder enorme de perseguir ad hominem
Claro que qualquer paralelismo entre a URSS e Portugal é forçado e anacrónico, mas vendo o que se passa no debate político com a consideração das leis não consegui evitar recordar Agambegyan - um estado de direito tem que ser simples, previsível, claro e quando evolui por ondas, aos serviço do líder de ocasião e das suas angústias, reagindo à manchete do dia, cria uma floresta que pode ser ridícula, incumprivel, mas sobretudo perigosa, porque já ninguém sabe quando está a a cumprir ou não a legislação em vigor.
Um dos domínios em que se age assim é o da auto-regulação dos políticos. Sempre que um escândalo surge, se alguém diz mata,logo alguém diz esfola e facilmente se perde a noção dos principios, da proporcionalidade , do bom senso. E se há normas que considero absurdas, ridículas, completamente fora da experiência do cidadão normal, há algo que não posso deixar de dizer - foram os legisladores que as criaram. Podem agora os intérpretes salvar o país de alguns disparates que os legisladores criaram por via de interpretações inteligentes e adequadas.. Mas há armadilhas ao bom nome dos políticos que, por muito absurdas que pareçam, foram eles que criaram (e continuam a criar). Não há forma de sacudirem essa água dos seus capotes.
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