O impossível aconteceu. Hoje mudou-se de ciclo na vida política portuguesa, com a esquerda junta a impor um rumo de governo.
Mudou-se também porque há uma nova forma de entender a relação entre governo e Parlamento. O governo nem tem o rolo compressor da maioria pré-definida nem a posição de mendigo do tempo dos orçamentos limianos ou dependentes de uma abstenção desresponsabilizadora. O Governo vai negociar no Parlamento e vai ter, no que tiver, a maioria que resulta da partilha de responsabilidades.
Mudou-se ainda porque a tensão entre obedecer à vontade do eleitorado e corresponder à orientação das políticas na zona euro está a ser resolvida sem complexos de bom aluno nem "superioridade morais" varoufakianas, concordando em discordar e negociando sem pôr em causa a orientação geral de política.
Passos Coelho percebeu - e disse-o - que é a sua acção que une a actual maioria. Mas percebeu mal um ponto importante. Não é o que diz agora que une as esquerdas. É o que fez antes que tornou claro que as diferenças na esquerda, sendo grandes, são muito mais pequenas que a distância que separa a estratégia deste governo da orientação do governo anterior.
E António Costa já pode reclamar da história o mérito de por a esquerda a construir convergências pela positiva em questões tão fundamentais como a política orçamental. A seguir terá que ser capaz de manter essas convergências quando a inevitável (e tão desejada pelo PSD) pressão da direita europeia (alguns socialistas incluídos) voltar a fazer-se sentir. E será mais cedo que tarde.
Nessa altura voltará a ser testada a sua capacidade de liderar uma esquerda que, ao contrário do que ele próprio dizia há uns anos, já não é a esquerda do não, embora ninguém saiba ainda em que é que isso a muda e muda o PS.
Mas confortável é a posição de um político que já está a ser questionado pela capacidade de vencer o desafio seguinte.