26.1.16

Apontamento em contracorrente sobre o Presidente do meu país

A República Portuguesa tem um novo Presidente eleito. Esse Presidente tem, mais do que a maior parte dos seus antecessores, um mandato conferido com pouquíssima intermediação política, numa relação sobretudo directa entre ele e o povo.
A mais forte intermediação de Marcelo com o povo é a dos media. Não é queixa ou lamento, é constatação.
Marcelo tem uma fortíssima legitimidade política, que não contesto e lhe dá a enorme responsabilidade de ser um chefe de Estado sem outros limites que não sejam a sua interpretação da força e do sentido do mandato que lhe concederam.
Por isso mesmo, ainda que em total contracorrente com o politicamente correcto, incluindo o tão elogiado discurso de derrota de Sampaio da Nóvoa, parece-me ser o momento de dizer que Marcelo é o Presidente do meu país, com direito a todo o respeito institucional, mas também que, como em qualquer democracia avançada, nenhuma pessoa representa o país todo.  O totalitarismo representativo da fórmula "Presidente de todos os portugueses"  configura uma identificação do povo com o soberano que me parece longe de ser muito democrática. 
Dir-me-ão que foi Mário Soares quem mais cultivou a expressão. E depois, porque havia eu de me reconhecer nisso mais do que o seu próprio autor se reconheceu na presidência de Eanes?
Marcelo é o Presidente do meu país, nem mais nem menos que isso..

21.1.16

Para saír do menosprezo dos direitos sociais na UE em crise

E se forçássemos a União Europeia a levar a sério os seus compromissos com os direitos fundamentais?  ajudam a pensar como a Europa podia ser diferente na crise. Indispensável ler por quem quer estar na UE e não quer que a UE seja o que está a ser. Na sua proposta, bastaria voltar aos compromissos fundamentais e, como faz o Conselho da Europa com a Carta Social Europeia, levar a sério os compromissos sociais:
Our paper suggests that a constitutional basis for a rebalancing towards more social goals already exists in the EU, in the form of the EU’s stated commitment to fundamental rights, including social rights. The EU has a Charter of Fundamental Rights (EUCFR) that includes social rights and the European Commission has said that it wishes to be an ‘exemplary actor’ when it comes to rights. While the EU itself (including the case law of the European Court of Justice) has not established clear or substantive standards on social rights, another European institution has done so: namely, the European Committee of Social Rights (EC R), which operates under the auspices of the Council of Europe and provides oversight of the implementation of the European Social Charter (ESC) (established in 1961). The ESC is not alien to the EU: it is referred to in the EU treaties, it has been drawn upon by the ECJ, and it has inspired many of the social rights in the EUCFR.

Ou seja, um dos caminhos a percorrer é fazer com que não haja uma União Europeia assente só no seu pé direito, o dos mercados, mas consciente dos seus dois pés. Infelizmente, nos dias que correm, o outro pé tem muito pouca força. Mas a acção política pode mudar as coisas.


19.1.16

Segundo intervalo

A seguir ao consulado Barroso-Santana, Paulo Portas abandonou irrevogavelmente pela primeira vez a política. Voltou quando o tempo estava maduro para regressar, destronando a liderança do partido com a mesma elegância com que tinha apertado em tempos a mão a Manuel Monteiro. Parece que agora vai outra vez recolher medalhas, fazer conferências e sair de cena. 
Há uma velha frase de Marx sobre a repetição de actos trágicos que espero lhe venha a assentar. Mas só tenho uma certeza. Se Paulo Portas sentir que pode voltar, cá o voltaremos a ver, para mais um acto.

8.1.16

O Parlamento em Dezembro: Uma nova maioria a desfazer a velha, um assomo do arco da governação e o isolamento do PS quando o clima político aquece








Desde a reabertura do Parlamento até ao fim do ano, os deputados votaram  111 vezes e o bimestre foi marcado pela emergência de dois blocos, tendo de um lado toda a esquerda parlamentar e o PAN e do outro o PSD e o CDS. Foi assim que os votos se distribuíram em 52 votações (28 em Dezembro e 24 em Novembro).

A nova maioria apresenta-se unida em causas como a revogação das medidas de austeridade, a revogação de medidas polémicas do governo anterior e o aperfeiçoamento dos direitos civis. Em linha com o que se havia identificado já em Novembro, a nova maioria parlamentar convergiu em Dezembro em votações sobre:

  • fim dos exames do 1º ciclo do ensino básico
  • revogação do regime de acesso à profissão de professor e da prova de avaliação
  • fim da possibilidade de processos sumários para crimes graves
  • preferência de produtos alimentares locais em cantinas e refeitórios públicos
  • construção do IC 35
  • anulação da subconcessão dos transportes urbanos de Lisboa e Porto
  • reposição aos ferroviários das concessões dos transportes
  • extinção da sobretaxa do IRS
  • extinção da contribuição extraordinária de solidariedade
  • revogação das restrições à IVG
  • eliminação da impossibilidade de adopção por casais do mesmo sexo
O arco da governação, que António Costa declarara extinto ressurgiu, alargado ao PAN,  como na extinção faseada da contribuição extraordinária de solidariedade.

E já se assistiu a uma votação do PS isolado, com iniciativa viabilizada pelas abstenções à direita, na alteração ao Orçamento de Estado para acomodar os efeitos da resolução do BANIF.

Mas nem tudo são confrontos. A segunda linha mais saliente no bimestre, a seguir ao confronto esquera-direita ainda é a das votações por unanimidade, onde se incluiram os votos de congratulação, iniciativas das assembleias regionais e actos processuais.

Em síntese, no seu primeiro bimestre o actual Parlamento teve uma nova maioria a desfazer a velha, o arco da governação a espreitar quando o governo sentiu que não podia pôr o pé no acelerador tanto quanto a esquerda desejaria e o regresso do isolamento do PS quando foi necessário tomar uma medida que se afigura como tendo algum risco político.