A entrevista de Jerónimo de Sousa ao Expresso, depois das declarações que António Costa tinha feito sobre o PCP nada avança sobre propostas concretas para depois de outubro, mas reforça um dos elementos centrais da ligação entre a liderança do PS e a do PCP. Nestes dois partidos, ao mais alto nível, a relação é definida pelos gestos de cavalheirismo e a troca de palavras de honra.
Não é fácil atingir esse nível de confiança e perceber como se lá chegou será obra de historiadores, provavelmente trabalhando sobre materiais que virão pelo menos desde a segunda metade dos anos oitenta e ainda sob a liderança de Cunhal.
O PCP e o PS foram historicamente antagonistas, estiveram de diferentes lados da barricada em praticamente todas as grandes decisões estratégicas do país desde a defesa da democracia liberal à adesão à União Europeia, passando pela privatização dos setores estratégicos e o desmantelamentos da reforma agrária no Alentejo e Ribatejo. Mas também governaram juntos a Câmara de Lisboa e cooperaram estreitamente para eleger Jorge Sampaio contra Cavaco Silva. Talvez tivessem, ainda antes disso, apalavrado uma solução de governo parecida com a geringonça - de novo a honra e não o papel - quando Soares se recusou a indigitar Constâncio para Primeiro-Ministro, convocando as eleições que abriram em 1987 o caminho à maioria absoluta do PSD.
Mas, voltando ao presente, é claro que a estratégia do PCP, vista pela entrevista de Jerónimo de Sousa ao Expresso se define por três vetores: demarcação do PS nas questões laborais e na Uniam Europeia, prudência quanto às ambições eleitorais e cavalheirismo face a António Costa, calibrando as reivindicações futuras possíveis pelo pessimismo quanto à capacidade de conter eleitoralmente o PS ou capitalizar a geringonça.
Se estou a ver bem, o debate Costa-Jerónimo será uma cordata conversa de cavalheiros da qual nenhum de nós retirará nenhum sinal concreto sobre o que cada um deles fará a seguir, mesmo que os próprios já saibam o que seja e os seus partidos já o estejam a ponderar em qualquer cenário eleitoral.
31.8.19
30.8.19
O BE já subiu a parada
A pergunta de ontem já tem uma resposta.
Se o PS disse o suficiente para se perceber que tentará governar com o mínimo de condicionamento possível dos parceiros de geringonça, desejavelmente remetidos (como aconteceu no segundo mandato de Costa em Lisboa) à condição de parceiros voluntários, por força de uma maioria absoluta tão menos provável nos resultados quanto mais pareça possível nas previsões; agora foi o BE a deixar claro por diversas vias e protagonistas o que pretende.
A ambição do BE quanto ao modo como influencia o próximo governo não está auto-limitada pelo seu posicionamento programático, nem pela divergência com o PS em assuntos de cosmovisão ou política internacional, mas pela relação de forças. O BE já não é nem um partido de protesto, nem um partido de causas, agora é também um partido de poder (no mesmo sentido em que se CDS o é na direita).
Agora o BE quer ter no próximo governo uma posição tão forte quanto o seu resultado eleitoral lhe permita. Para o BE, o centro da discussão nestas eleições legislativas é se crescerá o suficiente não apenas para impedir pela esquerda uma maioria absoluta do PS mas também para garantir, no mínimo, uma geringonça II em que possa fazer mais exigências e, no máximo, reivindicar uma participação no governo.
Ao contrário de há quatro anos, o BE não parte para estas eleições só com ambições de agenda. E, tal como o PS, tem um objetivo que acha tão mais possível quanto menos se falar dele, o de ter uma votação suficientemente forte para chegar ao Conselho de Ministros, isto é, bastante acima dos 10% e a aproximar-se do seu dobro.
Problemas desta estratégia? Uma parte dos eleitores à esquerda que não quer uma maioria absoluta do PS também não acha o Bloco suficientemente preparado para ser governo. E, se o PS crescer à direita e o PCP não tiver uma hecatombe (ou o PAN tiver uma subida suficientemente forte), não é difícil imaginar António Costa a condicionar o BE com a possibilidade de uma geringonça II que não tenha exatamente os mesmos parceiros da primeira. Esta ideia parece-vos estranha? Só depois da noite eleitoral se poderá ver se ela se entranha.
Subscrever:
Mensagens (Atom)