12.6.20

Morrer porque a unidade de oxigénio está avariada

Um pouco por todo o mundo e em particular em África, a toda a hora há pessoas que morrem ou ficam com sequelas graves na sua saúde porque não há condições mínimas de acesso â saúde. Falta tudo. Faltam sistemas de saúde pública, que mesmo em certas funções básicas e fundamentais sejam de acesso universal. Falta atenção dos governos nacionais, que não criaram esses sistemas e, mesmo tendo poucos recursos, os financiam abaixo do que esses recursos permitiriam. Faltam profissionais de saúde com formação adequada, que não têm carreiras que respeitem a complexidade das suas funções e só por razões de generosidade permanecem a trabalhar nesses países quando têm um mercado mundial aberto e procurando-os. Falta investimento da comunidade internacional, que tem estado excessivamente virada para juntar um pouco de coração neoliberal ao combate à pobreza extrema ao seu foco essencial nas infra-estruturais e em por em funcionamento economias de mercado, sem olhar a sistemas de suporte social e à importância de consolidar classes médias. Falta, mesmo quando há recursos e vontade, como parece estar a acontecer nesta pandemia, a essa mesma comunidade internacional foco nas suas intervenções, capacidade de perceber que o que pode funcionar de imediato não é a alta tecnologia que há-de demorar meses a chegar, anos a ter treinados os profissionais que a usem e muito pouco tempo a ficar inoperacional por muitas razões, que vão da falta de energia às dificuldades de manutenção.
A saúde pública em África concentra todos os males dos nossos problemas de desenvolvimento e de (in)capacidade dos nossos sistemas bilaterais e multilaterais de cooperação.
Hoje sabemos que terminou a vida para uma jovem guineense porque a unidade de oxigénio do hospital está avariada. Hoje mesmo por todo o continente outras unidades idênticas e outros equipamentos básicos não estão a funcionar e outros jovens morrerão e a culpa disso, sendo do sistema, é de nós todos, porque somos todos nós que o mantemos. 
O que aprendi em algumas décadas de profissão, que me levaram a alguns destes contextos difíceis, é que tudo isto já era evitável e estes erros do nosso modelo só têm uma vítima - as populações - daí para cima, governos locais, governos dos países ricos, sistema mundial, todos temos culpa. E ainda não é claro que a Covid19 seja o despertador para a necessidade de reforçar a saúde pública no mundo em desenvolvimento e em especial em África. Ainda há riscos de que os recursos agora postos à disposição não vão para onde são precisos e sobretudo não cheguem a ser usados como a real configuração de necessidades exige. Perguntem aos profissionais de saúde desses países e aos que, de fora, conhecem, porque dedicaram a vida a essa causa, o que pode ser feito. E pode ser feito já.

https://www.tsf.pt/mundo/-hospital-guineense-lamenta-morte-evitavel-de-jovem-por-falta-de-oxigenio-12303813.html

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