“Não gostamos dos sem-abrigo, porque temos vergonha da verdade que dizem sobre NÓS. Cada vez me convenço mais de que o discurso da força de vontade para reabilitação pessoal é apenas banha da cobra, se não houver uma mão amiga pronta a puxar-nos e a criar laços verdadeiramente humanos. Nesta cidade, às vezes o único lugar onde encontro uma pessoa corajosa e honesta é na rua.”
Porque um testemunho pode valer por cem análises. Os sem-abrigo antes de o serem já eram sem-amigos, sem-cuidadores, sem-solidariedade ou, como preferiria, indo à designação original dos defensores da liberdade, sem-fraternidade. E quem pense os sem-abrigo e a sua inclusão como simples superação de défices individuais não percebe o que está a fazer.
A exclusão social tem sempre um braço de uma sociedade organizada para excluir ou, se quiserem que o diga de modo mais prudente, não organizada para incluir. E há razões para pessimismo, porque algures nos últimos vinte anos o país fechou de novo os olhos à exclusão social profunda, por uma misteriosa indiferença que levou consigo o fim de programas nacionais de luta contra a pobreza, o desaparecimento de uma política de emprego direcionada para as pessoas em maior vulnerabilidade, a aniquilação do potencial de inserção social do RSI, o retrocesso de iniciativas de desenvolvimento social, o fim do mercado social de emprego. E não culpem a direita por isso, que esse esquecimento foi obra de todos os governos e a perda de prioridade do tema nas agendas atingiu todas as oposições. Disto nem sequer temos o conforto de poder eleger Passos Coelho como bode expiatório.
Oxalá a sensação de que somos todos frágeis que a pandemia nos trouxe ajude a inverter esta tendência para “deixá-los ir” e mesmo culpabilizá-los, aos que são vítimas de uma sociedade que exclui, claro.
30.4.20
26.4.20
A espantosa realidade das coisas - programa de 26.04.2020
Nem ventiladores, nem água, nem sabão. A Covid19 não é tão democrática nas suas repercussões como dizem. Quem vive num país menos desenvolvido e sem sistema de saúde pública eficaz sofre mais. Perante a espantosa desigualdade dos países para lutar contra a Covid19, hoje o meu contributo para o magazine foi sobre estes assuntos.
O jornalista Fernando Alves perguntou ao sociólogo e professor do ISCTE, Paulo Pedroso, se num quadro deste tipo grande parte da população africana não estará afinal arriscando-se a fazer o papel de cobaia, quando as coisas se descontrolarem? "Estará completamente desprotegida", respondeu o comentador residente do magazine dos domingos. "Esses números são chocantes mas não são novos. E esta vulnerabilidade já existia com a gripe e, muito mais, com a tuberculose, com a malária. Os países de África como, de um modo geral, os países desenvolvidos, têm um problema sério a que o mundo não deu a atenção devida, o de falta de sistemas de saúde pública. Isso deriva, por um lado, da pobreza dos países e , por outro, da falta de prioridade da ajuda ao desenvolvimento para o reforço desses sistemas. Não se olhou para a saúde como um elemento básico da sobrevivência desses países. Se a pandemia é uma ameaça a nível global, ela é uma tragédia nos países mais pobres em que entrar, não só em África".
Paulo Pedroso comenta quadros igualmente sintomáticos da extrema vulnerabilidade dos países mais pobres de África. Fala da água potável e do sabão que escasseiam em muitos lugares de África. Há dois anos, as Nações Unidas comprovaram que 97% das casas da Libéria não têm água limpa nem sabão. E é de coisas tão simples, tão básicas, que África precisa neste momento.
E comenta ainda o alerta das Nações Unidas para a possibilidade de a pobreza extrema vir a atingir 62 milhões de crianças em todo o mundo. Elas seriam, desse modo, as grandes vítimas da pandemia devido ao impacto de longa duração provocado pela crise nos países mais pobres. Estamos a falar apenas das crianças lançadas para a pobreza extrema devido à Covid-19, já que um documento da Unicef já o ano passado contabilizava 386 milhões de crianças em pobreza extrema no mundo. Ora isto pode contrariar os relativos progressos que estavam a ser obtidos nos últimos três anos nesta frente que vai das zonas de guerra aos campos de refugiados.
Por fim, reflecte sobre o facto de, em Portugal, mais de um milhão de trabalhadores terem entrado em lay-off, respondendo à pergunta "que percentagens destes trabalhadores terão o seu posto de trabalho de volta quando puderem retirar as máscaras.
O jornalista Fernando Alves perguntou ao sociólogo e professor do ISCTE, Paulo Pedroso, se num quadro deste tipo grande parte da população africana não estará afinal arriscando-se a fazer o papel de cobaia, quando as coisas se descontrolarem? "Estará completamente desprotegida", respondeu o comentador residente do magazine dos domingos. "Esses números são chocantes mas não são novos. E esta vulnerabilidade já existia com a gripe e, muito mais, com a tuberculose, com a malária. Os países de África como, de um modo geral, os países desenvolvidos, têm um problema sério a que o mundo não deu a atenção devida, o de falta de sistemas de saúde pública. Isso deriva, por um lado, da pobreza dos países e , por outro, da falta de prioridade da ajuda ao desenvolvimento para o reforço desses sistemas. Não se olhou para a saúde como um elemento básico da sobrevivência desses países. Se a pandemia é uma ameaça a nível global, ela é uma tragédia nos países mais pobres em que entrar, não só em África".
Paulo Pedroso comenta quadros igualmente sintomáticos da extrema vulnerabilidade dos países mais pobres de África. Fala da água potável e do sabão que escasseiam em muitos lugares de África. Há dois anos, as Nações Unidas comprovaram que 97% das casas da Libéria não têm água limpa nem sabão. E é de coisas tão simples, tão básicas, que África precisa neste momento.
E comenta ainda o alerta das Nações Unidas para a possibilidade de a pobreza extrema vir a atingir 62 milhões de crianças em todo o mundo. Elas seriam, desse modo, as grandes vítimas da pandemia devido ao impacto de longa duração provocado pela crise nos países mais pobres. Estamos a falar apenas das crianças lançadas para a pobreza extrema devido à Covid-19, já que um documento da Unicef já o ano passado contabilizava 386 milhões de crianças em pobreza extrema no mundo. Ora isto pode contrariar os relativos progressos que estavam a ser obtidos nos últimos três anos nesta frente que vai das zonas de guerra aos campos de refugiados.
Por fim, reflecte sobre o facto de, em Portugal, mais de um milhão de trabalhadores terem entrado em lay-off, respondendo à pergunta "que percentagens destes trabalhadores terão o seu posto de trabalho de volta quando puderem retirar as máscaras.
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