3.6.20

E se George Floyd fosse português, saberíamos o que se passou?

Os EUA são surpreendentes na escala das suas contradições. Se são um país em que é possível um ato como o do assassinio policial de George Floyd, em pleno dia, em circunstâncias em que não há qualquer dúvida da não perigosidade do detido e em que ninguém consegue invocar atenuantes significativas para a violência policial, são também a nação em que é possível saber tudo sobre a violência policial, incidência, destinatários, locais em que ocorre.
Todos sabemos que no fim da escravatura ficou na sociedade americana uma profunda fratura social que ameaça a democracia, a qual aliás já tinha sido profetizada pelo olhar atento de um jovem artistocrata francês. Alexis de Tocqueville, na sua produtiva e inspiradora viagem pela América.
Mas sabemos quase em tempo real muito sobre essa fratura. O New York Times notícia que a polícia de Minneapolis usa a força contra cidadãos negros sete vezes mais do que contra cidadãos brancos. É difícil ignorar que há aqui um padrão discriminatório. É mais fácil perceber que há aqui violência seletiva. O NYT mostra também onde essa violência ocorre.
Com as adaptações necessárias à nossa sociedade, talvez o nosso racismo policial e talvez a discriminação social no modo como a polícia atua fossem menos desconhecidas e toleradas entre nós se alguém compilasse os dados e nos confrontasse com algo semelhante. Como não à democracia sem vigilância democrática, esta falha dos media em municiarem a nossa vigilância é uma das nossas fraquezas. Mais que nunca precisamos de imprensa sólida e livre e não de telefones com teclado ou pior ainda, de teclados que telefonam às fontes policiais, judiciais, etc para recolher sempre o ângulo das históricas que convém aos poderes instituídos, deixando-nos no silêncio sobre o outro.


https://www.nytimes.com/interactive/2020/06/03/us/minneapolis-police-use-of-force.html?referringSource=articleShare

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