9.11.16

A América vermelha

Não vai faltar quem explique muito bem o que se passou nas presidenciais americanas. Não faço parte desse grupo. Só consigo achar que para interpretar o que está a acontecer é necessário estudar meia dúzia de tópicos, realizar uns quantos debates e energizar alternativas.
Antes de mais, estudar bem a história dos anos 30, de como o mundo saiu da crise de 1929, de como o padrão ouro agravou as dificuldades económicas e as democracias lutaram - por vezes sem sucesso - para não sucumbir perante os mandatos conferidos por voto popular.
Estudar também ciência política, o que fizeram os Presidentes americanos eleitos com cartas em branco, com discursos que se antecipava que não poderiam ser programas presidenciais a sério. Que relação terá o Presidente eleito com o candidato ganhador e que efeitos terá o seu comportamento no mundo? Que será um mundo assente na cooperação Trump-Putin? Que outros paralelos de amizade com o adversário haverá? Com que efeitos?
Depois, há que estudar os eleitorados. Bauman dizia que a globalização era a vingança dos nómadas, o predomínio de uma elite cosmopolita e altamente móvel. Virá aí uma vingança dos derrotados da globalização que ficaram sem vozes mainstream? E como será ela? Como reagirá o mundo governado pelos protagonistas dessa vingança? Como será o mundo em que todos querem ter o controlo de volta?
Finalmente, olhar para a derrocada de instituições que pareciam muito sólidas , como os media. Desde quando é possível ganhar eleições contra os sacrossantos mediadores dos massmedia? Como é possível ganhar contra todos eles? O que vai ser a democracia em que a mediação política é feita por miríades de redes, mais ou menos sérias, mais ou menos militantes, mais ou menos fantasistas, mais ou menos amadoras?
Eu vou demorar a perceber como pode a democracia gerar Trump no século XXI e a antecipar o que vão ser os EUA nos próximos quatro anos, com Trump e maioria republicana. E o que isso vai fazer ao mundo.
Tendo a não ser apocalíptico e a achar que há tantos checks and balances nos EUA que as coisas não mudarão drasticamente. Mas a maioria do Supremo Tribunal vai ser definida por ele. 
Uma coisa parece-me certa, a derrota de Hillary é o fim da via aberta na política pela eleição de Bill. Os Clinton a abriram, os Clinton a fecharam. O Partido Republicano foi implodido por Trump no caminho para a vitória. O Partido Democrata tem que repensar-se. Como na Europa, os partidos sociais-democratas não podem pensar que o futuro é a terceira via suave recauchutada. Na América parece que o centro morreu. E no resto do mundo, que será das third ways e dos neue mitte? Será o caminho manter Merkel no poder pela mão do SPD, por exemplo? Como será a Europa se Le Pen ganhar as presidenciais e o 5 estrelas chegar ao governo?
Há, é claro, explicações mais fáceis e mais lineares que estas divagações. Clinton convenceu menos negros, latinos e asiáticos que Obama, por exemplo. É simples e explica tudo. O que implica aceitar como razoável que alguém como Trump convença uma maioria de brancos, pouco escolarizados e rurais a derrotar as cidades globalizadas e as zonas industriais e rurais a derrotar as metrópoles. O que fará a próxima geração de americanos com esta vitória de Trump e o que fará, antes deles, Trump com a sua própria vitória? Muita gente sabe, eu não.


19.10.16

Proprietários de todo o país, rendei-vos!

"Foi aprovada a iniciativa do PCP para que, em sede de IMI, o coeficiente que tem a ver com as vistas panorâmicas e o sol se mantenha nos 5%. Desta forma, a esmagadora maioria das casas, aquelas que têm um valor até 250 mil euros, não terão qualquer agravamento do IMI por via das vistas panorâmicas ou da exposição solar" disse o deputado do PCP, Paulo Sá.

Proprietários de todo o país, rendei-vos! Quando é o PCP a preocupar-se com a modelação dos impostos para garantir que não se agravam para a generalidade dos proprietários imobiliários, torna-se ainda mais evidente que em Portugal somos todos patrimonialistas. Evitar que haja agravamento de IMI em casas com àrea até 415 m2, pelos cálculos de Paulo Sá, está seguramente para além de qualquer risco de confinamento à defesa das classes trabalhadoras e até das classes médias, quando de património se trata.

16.10.16

Os subsídios nos transportes para jovens voltam. Bem.

Em Março de 2016 critiquei aqui o desinteresse do governo pela reversão da medida de introdução de condição de recursos nos passes sociais para jovens. Hoje saúdo o governo por ir reintroduzir, ainda que só no próximo ano lectivo, um desconto de 25% nesses passes. Como escrevi em Março, esta medida justifica-se de vários ângulos:
"Acontece que as famílias com filhos, mesmo quando não vivem abaixo dos limiares de pobreza ,merecem apoios pelos encargos acrescidos com esses filhos. Repare-se que já não recebem na sua maior parte abono de família e que a educação superior já deixou de ter custos meramente simbólicos.
Acresce que investir no transporte público também passa por formar hábitos de uso desse meio e o passe a preços reduzidos para crianças e jovens é decerto um forte incentivo à sua frequência.
Bem sei que me dirão que os descontos existem para as famílias mais pobres. Mas não esqueçam que um Estado social que se confine a apoiar os pobres não passará de um pobre Estado social, aliás, com um nome dentro das famílias do Estado social: liberal.
A política de juventude não é uma mera extensão da política de luta contra a pobreza e a promoção da miblidade sustentável não passa de um slogan se não tem incentivos adequados. As prioridades têm que ser arbitradas."

A arbitragem de prioridades leva a que esta medida seja tomada agora. Se partiu do governo, bem andou em encontrar os recursos que não previa em Março vir a conseguir. Se partiu da geringonça demonstra que quatro partidos podem pensar melhor que um, bem na mesma.

5.10.16

O SG

António Guterres ficará na história dos Secretários-Gerais da ONU como grande facilitador de consensos mas homem de voz própria, como voz da comunidade internacional que não será em caso algum empregado de nenhum império, como promotor de um novo respeito mundial pela organização. Enfrenta desafios que parecem bem complexos, na política internacional como na gestão da grande casa que vai liderar.
A sua eleição alegra e orgulha. Dá a alegria de ver o mundo reconhecer as  suas qualidades e o orgulho de ver o nome Portugal associado a um novo impulso na ONU.

30.9.16

144

Faz hoje quinze anos que inaugurámos em Portugal uma pioneira linha nacional de emergência social - o 144, recorda-me uma das suas obreiras.
Discretamente, a linha funciona ininterruptamente desde então e terá prevenido que muitas situações agudas de exclusão social tivessem evoluções trágicas.
Há coisas que ajudamos a fazer e nos orgulharemos para sempre  disso. O 144 é uma delas. 

29.9.16

Shimon Peres



Foi controverso, como não poderia deixar de ser alguém que quisesse ser simultaneamente relevante para os israelitas e ator de uma paz que ainda não se conseguiu no Médio Oriente. 
Arriscou tudo pelo que pensava, sem nunca se deixar isolar dos que representava, os israelitas, algo que muitos visionários esquecem. E lembrava-o com veemência e humor a quem o queria levar para mares não navegáveis por alguém na sua condição.
Deve ter sido a pessoa que mais planos de paz e soluções políticas imaginou e tentou por em prática para uma paz justa para Israel e a Palestina.
Com ele morre a última referência israelita  atual para quem acredita que todos podem viver em paz com um Estado de Israel em segurança e o direito do povo palestiniano à sua nação reconhecido.
Diz-se muitas vezes que a história não se faz de indivíduos, mas há indivíduos cuja falta a muda. É o caso de Peres. 
Infelizmente deixa Israel mais longe da paz e a Palestina mais longe do convívio entre povos e nações do que já esteve. 
Mas a história tem muitas esquinas e alguém há-de surgir que perceba o que Peres percebeu há décadas e tenha a força entre os israelitas que hoje falta a quem defende as suas ideias.
Há homens insubstituíveis. Mas, mesmo que ninguém os substitua, o seu legado deixa sementes que podem voltar a germinar.  Oxalá assim seja rapidamente.

20.9.16

Impostos: importa ter razão e ser prudente

Se há coisa que a polémica sobre o que Mariana Mortágua disse ou não já deixou clara, a meu ver, foi um traço da nossa identidade partilhada com Espanhóis, Gregos e italianos. Na Europa do Sul somos todos patrimonialistas. Estamos prontos a pagar impostos sobre o trabalho, o consumo, o carro, mas não nos toquem ou ameacem tocar no património, mesmo quando não o temos. Mesmo quando tocam nos muito ricos, que sabemos bem não sermos nós, sentimos a ameaça.
Oxalá os fiscalistas nunca esqueçam que em cada país são diferentes os impostos aceites e tolerados, bem como os que se conseguem cobrar e não conseguem e que de nada valem guerras simbólicas. Os bons impostos são os que os cidadãos aceitam e o Estado consegue cobrar, osque sejam vistos como legítimos, sejam fáceis de cobrar e produzam receitas significativas. O que não cumpra estes critérios corre sempre o risco de gerar mais problemas que soluções.
No passado, aliás, os soberanos arriscavam muito sempre que mexiam radicalmente nos equilibrista sociais em torno dos impostos. Convém que as maiorias de hoje não percam a prudência, mesmo quando estão carregadas de razão no plano dos princípios.

8.9.16

O Orçamento de Estado para 2017 é muito mais que um orçamento de Estado

O sucesso do OE 2017 será um momento de viragem no sistema político português. Se amaioria de apoio ao Governo do PS se mantiver unida no difícil exercício de compatibilização entre constrangimentos - alguns bem irracionais - europeus e prioridades nacionais e continuar a não ser diabolizada pelos mercados (e a sê-lo só pelo PSD) demonstrará a sustentabilidade de um fórmula política de governo e de uma alternativa positiva de esquerda para Portugal que ainda há poucos anos parecia completamente impossível e há poucos meses a resposta conjuntural a uma situação de excepção.

2.9.16

Um pacto da justiça neocorporatista? Não, obrigado.

A confirmar-se que um consenso dos operadores judiciários poderia ser o motor e a peça iniciadora da reforma da justiça, seria um alargamento de grande significado do espaço do neocorporatismo na sociedade portuguesa, saltando este da esfera das relações de trabalho para a dos direitos fundamentais. 
E, assim sendo, porque não noutros direitos? Quereríamos reformar a saúde a partir da iniciativa de propostas conjuntas da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros e de sindicatos do sector? Acharíamos que a educação se deve reformar a partir de propostas conjuntas dos sindicatos dos e das diversas profissões da educação?
Os problemas da justiça resolvem-se quando os profissionais da justiça gerarem propostas em que estejam de acordo e que os políticos rubriquem?
Desculpem, mas tenho vertigens quando uma sociedade oscila tanto entre dizer que não se reforma porque há interesses corporativos que o impedem e dar a esses interesses corporativos o papel motor das reformas que os políticos não consigam fazer.
A concertacao social tem um papel estratégico na regulação do trabalho, que é predominantemente uma relação entre os representados pelos actores em questão. Mas a justiça não é um problema de magistrados e advogados, é um problema primeiro que tudo de direitos de cidadania e esses são os representantes eleitos dos cidadãos que têm que assumir a responsabilidade de defender sem serem representantes de nenhum agente judiciário nem se esconderem atrás de um ou de todos eles para não assumir responsabilidades próprias. 
Ouçam todos, mas não entreguem o sector aos consensos entre eles.

12.7.16

Para lá desta multa

Os Ministros das Finanças europeus hoje disseram aos mercados que Portugal deve ser punido na Europa porque não cumpriu um objectivo de défice de 2,5% do PIB em 2015, tendo atingido os 3% se não contarmos as medidas excepcionais devidas ao caso do BANIF.
O anterior governo é acusado de ter interrompido a redução do ajustamento estrutural potencial em 2015.
Ou seja, o bom aluno da União Europeia é acusado de não ter reflectido suficientemente em austeridade a evolução económica.
É certo que o anterior governo, na sua estratégia de ir além da troika debilitou o país de uma forma que tornou cada vez mais difícil cumprir as metas a que se comprometia e falhou até as metas do défice.
Mas também é verdade que o sentido desta deliberação dos Ministros é o de punir qualquer política que se foque no crescimento e no emprego.
Por isso, ou os chefes de Estado demonstram uma abertura a uma estratégia alternativa que os Ministros das Finanças manifestamente hostilizam, ou está é a primeira de mais más notícias.
Eu sou pessimista, mas espero que no fim tenham razão os optimistas.

8.7.16

O Presidente, o jogo e o avião

Ou Marcelo foi assistir ao jogo como Professor reformado, não devia ir de Falcon e deve ser censurado; ou foi como Presidente da República e deve assumir a decisão política de representar o Estado sem tergiversar. Não acho bom para o país ter um Presidente que usa o facto de ser rico para confundir ainda mais vida pública e privada.

29.6.16

O ódio vai continuar a matar.

No aeroporto de Istambul o ódio continuou a matar e a história repetiu-se. Um pequeno grupo de pessoas que avançam para morrer, com uma logística relativamente simples, se considerarmos a facilidade de acesso a armas e explosivos, apanha um táxi. No fim da corrida empunha as armas e dispara até achar que a morte está suficientemente próxima para se fazer explodir. Pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar.
Não necessitamos que o atentado seja reivindicado para ver de que linha de pensamento terrorista vem.
Na Turquia há uma convivência já antiga com ataques terroristas. Mas têm um padrão distinto. São ataques no contexto de uma guerra nacionalista, perpetrados nas zonas predominantemente curdas e, mesmo quando fora delas, dirigidos ao Estado e aos símbolos do seu poder e a forças militares ou de segurança.
O ataque de Istambul faz parte de outra linha terrorista, daquela que o ISIL cultiva ao limite, a do ataque indiscriminado em locais públicos de grande afluência.
No aeroporto Ataturk, tanto quanto se pode perceber, a tragédia só não foi muitíssimo maior porque o dispositivo de segurança dos aeroportos turcos é muito mais apertado do que o habitual na Europa Ocidental e porque os agentes policiais turcos não hesitaram em caminhar também para a morte no exercício do seu dever. Como já li hoje, podemos pensar o que quisermos do aparelho securitário turco, mas devemos à sua eficiência a contenção do número de vítimas.

Na Europa, nós, os civis, estamos a reaprender que a paz é um resultado e não um dado. E a reaprender a verdade terrível que temos que conviver com a existência de um inimigo que quer destruir o nosso modo de vida.
Esse inimigo vai ter a evolução aparentemente paradoxal das forças que chegam a um beco sem saída. Mais fraco onde predomina, tornar-se-á mais mortífero onde estão as suas forças residuais e os seus inimigos mais indefesos e, nesses bastiões, pode reproduzir-se quase só com propaganda e recursos muito escassos.

Ontem foi num aeroporto de Istambul. Amanhã onde será? 
Aqui na Turquia toda a gente recebe todos os dias uma indicação real ou imaginária de uma embaixada ou de um organismo internacional que desaconselha ir a uma ou várias zonas de uma ou mais cidades, que, se levada à letra, nos conduziria a sair já e todo o dia do espaço público. E, se não todos, pelo menos muitos continuam  a ignorar essas mensagens porque o medo não pode vencer.
Mas a minha percepção é a de que os ataques não podem deixar de continuar e se intensificar. O ISIL imagina-se rodeado de inimigos que tem que atacar por todo o lado.  Politicamente, é todo o Ocidente, Rússia incluída. Culturalmente, é o cosmopolitismo em toda a parte, sem qualquer exceção de religião predominante ou território. Religiosamente é também tudo o que possa ser catalogado de uma fé islâmica que não obedece à sua interpretação. Na lógica de um militante do ISIL tudo à sua volta devia deixar de existir. O nosso inimigo não é nenhum dos chefes da rede por ´si só. è a mundivisão que os cria.

Combater o ISIL tem que combinar as ações militares com a eliminação das suas fontes de recrutamento. Para deixar de haver os sucessivos três jovens dispostos a vestir-se de preto e um colete explosivo, em qualquer cidade do mundo, é necessário que mudemos também nós de concepção sobre o mundo que estamos a gerir e a gerar.
É necessário que o que se passa na Síria seja melhor conhecido e os sírios que sofrem os horrores da guerra sejam vistos com simpatia e não como invasores.
É urgente que os milhões de crianças e jovens islâmicas que vivem na pobreza em todo o mundo, muitos destinados à exploração e a condições de vida sub-humanas nos seus próprios países ou como emigrantes sem direitos em países islâmicos, encontrem outros horizontes de vida.
É necessário que as centenas de milhares de crianças refugiadas tenham acesso a educação e condições de vida digna antes de crescerem vulneráveis.
É necessário que a integração dos imigrantes e o combate à pobreza em países ricos volte a ser uma prioridade política.
Há muita coisa para mudar no mundo e na Europa em particular para combater o ISIL. Mas não é deixar de sair à rua.

O ISIL é uma mutação genética de uma Al Qaeda que parecia personificar o pior dos ódios à modernidade. Se o alimento de que estas seitas político-militares com legitimação teológica vivem não escassear, podemos esperar pela sua próxima mutação genética. Se continuarmos de olhos fechados, podemos esperar pela próxima geração de suicidas. Os que estão a reinterpretar a radicalização agora, enquanto escrevo.



28.6.16

A melhor escola é a que mais reprova, não a que melhor ensina

Os neoelitistas na educação nunca aceitaram que a escola é para todos. e não há melhor símbolo dessa rejeição de educar alguns que afirmar simbolicamente a superioridade das retenções, que impõem às criança desde cedo o estigma da incapacidade e põem sobre elas o ónus de uma não progressão na aprendizagem que reside em muitos outros sítios: numa escola que não se organiza para se adaptar às diferenças, numa pedagogia que não consegue integrar dificuldades de aprendizagem, num clima escolar que não estimula suficientemente o trabalho dos alunos, nos pressupostos de que do lado de lá da escola estão famílias teóricas muito diferentes das reais, etc.
Portugal continua a reter muito. Até os neoelitistas são forçados a reconhecê-lo. A doutrina oficial evoluiu há algum tempo e bem para que a retenção deve ser excecional, a medida última depois de todas as medidas que promovem o sucesso educativo falharem repetidamente. Mas a escola continua  a conviver bem com o insucesso prolongado. Continua a "arrumar" os alunos nas suas notas negativas e a dar com essa classificação a orientação simbólica de que os neoelitistas necessitam para fazer progredir a sua agenda.

O que nós sabemos por notícias como esta do Público não é a dificuldade que a escola tem para educar os seus alunos, não é nenhuma investigação sobre o que leva a que haja alunos com insucesso generalizado (com muitas notas negativas) ou o que faz a escola para combater ou mitigar sequer essa situação. 
O que é considerado notícia e relevante é que há uns alunos que progridem com muitas negativas e que isso "não motiva os alunos". Presume-se que os motivaria mais ficar retidos. Ou será em outros que não os retidos que o pai a que o Público dá voz está a pensar? Os que a escola premeia que se sentem não suficientemente privilegiados por os que têm dificuldades os acompanharem numa escola que lhes começa a ensinar as hierarquias sociais muito cedo.
Já me confrontei há uns anos com essa reacção em casa. E não foi difícil explicar a uma criança que os seus colegas com maus resultados necessitam de ser apoiados e não de ser separados dos colegas e discriminados pelos amigos, colocados com crianças mais novas como se de um castigo se tratasse. Mas fiquei com muitas dúvidas que alguns professores passem esta mensagem e certo que muitos pais a não incorporaram.
Para mim, a notícia é que em Portugal a escola continua a não conseguir ensinar demasiadas crianças.
Mas a notícia para os neo elitistas é sempre que muitas crianças que não aprendem não são devidamente castigadas.
Afinal, para a linha editorial do Público sobre educação, que é a dos neoelitistas,o lema é o inverso de um slogan estudantil do PREC. A melhor escola é a que mais reprova, não a que melhor ensina.

27.6.16

Desempregados subsidiados: a ativação é um dever de quem?


Está na hora de encerrar o parêntesis neoliberal na relação do Estado com os desempregados.
Parece aproximar-se o fim da medida de mero controlo burocrático controlo de desempregados que em péssima hora o anterior governo do PS introduziu, num momento de cedência a um workfare que nos afastou da política de emprego que era largamente consensual no país até ao eclodir da crise económica internacional.
Vale a pena, no momento em que se estuda a mudança que devemos à geringonça e em particular ao Bloco de Esquerda, olhar para as alternativas em presença quando se pretende garantir que os desempregados cumprem a condição de estarem disponíveis para a actividade e procura de emprego.
No modelo do workfare, a que chamo de ativação por necessidade, cujo melhor paradigma na Europa são os serviços de emprego britânicos, a procura de emprego é um dever unilateral do desempregado, que os serviços de emprego controlam. O desempregado tem que colecionar provas de que procura emprego e apresentá-las quando requerido. O serviço de emprego tem primariamente o dever de controlar essas provas. E, quando possível, procurará ajudar na função de mediação, cruzando informações entre oferta de emprego e os desempregados que a procuram. Neste modelo, os serviços públicos de emprego são essencialmente os agentes de controlo dos desempregados, o que em Portugal se tentou estender ao poder local com a ideia ainda mais infeliz de serem as juntas de freguesia a fazê-lo em outsourcing do IEFP. Ainda me pergunto o que levou as Juntas de Freguesia a cooperar neste exercício.
No modelo de que os dinamarqueses são o melhor paradigma, a que chamo ativação de oportunidade, a procura de emprego e de alternativas à inatividade é um dever recíproco dos serviços de emprego e dos desempregados. Os desempregados não podem recusar oportunidades e o Estado não se limita  a controlar se o fazem, ativamente procura e gera essas oportunidades. O serviço de emprego gere, assim, um leque diversificado de medidas ativas de emprego, que têm um custo muito significativo e que o serviço de emprego tem o dever de desenvolver, muitas vezes em parceria e de gerir, para manter o desempregado ativo, seja no emprego, na formação, ou na educação.
Espero que o novo governo traga Portugal de volta à opção que tivemos nas décadas anteriores pela ativação de oportunidade, recentre o instituto do emprego e Formação profissional na sua missão de ajudar os desempregados, consiga que ele volte a ser respeitado pelos desempregados e que estes sintam que os ajuda, o que não é de todo o caso, hoje.

24.6.16

Uma lição amarga de soberania popular

Só vejo um sinal positivo em todo o processo do referendo do Reino Unido. David Cameron não tentou fazer o que várias vezes aconteceu antes em referendos europeus e deixou claro que as decisões do povo devem ter consequências, em vez de tentar forçar qualquer mecanismo para a corrigir.
O discurso desta manhã do Primeiro-Ministro britânico é o de um derrotado. Mas de um derrotado que não tenta travestir a sua derrota.
A União Europeia entrou hoje numa nova fase da sua existência. Pela primeira vez na sua história um povo que a conheceu decide sair dela. Não decide recusar um tratado ou um novo passo institucional. Decide abandonar o sonho europeu.
E tudo aponta para que esta é uma decisão que segue uma tendência de o eleitorado popular abandonar os líderes políticos tradicionais, de direita e de esquerda, bem como de se desconectar do sentimento político das elites.
Por todo o lado, os sintomas são diferentes, mas a doença democrática é a mesma. O sistema político democrático não consegue agora captar o apoio popular, porventura, porque age cada vez mais condicionado pela necessidade de captar outros interesses.
A ideia de que o Reino Inido tinha que ficar na União Europeia por causa da economia parecia fraca e foi.
O eleitorado não votou com a carteira, ao contrário do que se costuma dizer que faz nas decisões importantes. Não votou assim na Inglaterra nem na Escócia, recorde-se, embora tenha votado de forma diferente em cada parte do Reino chamado Unido.
O Reino desunido que vimos neste referendo vai passar por uma longa turbulência política. Mas, por muito que discorde do veredicto dos britânicos, eles voltaram a dar à Europa uma lição de soberania popular. Algo que em Bruxelas se não percebe o que é. E essa incompreensão é uma parte muito substancial dos problemas que a Europa atravessa.

19.6.16

Que sustentabilidade, que segurança social? Uma conferência do CES no ISCTE.

O Conselho Económico e Social e o ISCTE organizam uma Conferência sobre a sustentabilidade da segurança social e estou entre as pessoas que convidaram para comentar o estudo apresentado pelo professor Sérgio Miguel Lagoa. Lá estarei, quarta-feira, dia 22 de Junho. Quem quiser ir também terá que se inscrever gratuitamente em ces.portugal@ces.pt .

15.6.16

Orlando, Utoya, ódio

O massacre de Orlando tem tanto que ver com o assassínio dos jornalistas do Charlie, também perpetrado em nome do Islão, como com o assassínio em massa de Utoya, na Noruega, cometido para salvar a Europa do Islão.
Em Orlando como em Utoya o inimigo não era ninguém em especial, mas apenas uma forma de estar no mundo. 
Acredito que nenhum partido neonazi tenha ordenado o massacre a Breivik e que nenhuma organização islamista tenha comandado o assassino de Orlando. Bastou que tivessem alimentado o caldo de cultura onde os distúrbios da personalidade encontrassem conforto para actos que atentam contra os mais sagrados valores que deviam ser comuns da humanidade.
A homofobia e o ambiente que a estimula são os culpados morais de Orlando, como a islamofobia é culpada do ataque da Noruega.
Sobre o culpado material de agora ainda se vai escrever muito, como muito se escreveu sobre Breivik, mas seja qual for o veredicto final sobre as suas motivações em concreto, as suas motivações em abstracto não são religiosas, o seu ataque não é a nenhum inimigo concreto por algo que tenha dito ou feito - embora se o fosse também fosse ilegítimo - ele atacou a liberdade, no caso a liberdade de orientação sexual.
E, se é verdade que o fez num país em que se pode comprar uma arma de assalto numa loja em sete minutos, também é verdade - lembremo-nos nós, europeus - que o poderia ter praticado num país com cultura menos permissiva às armas.
Para honrar a memória dos que caíram em Orlando é necessário agir empenhadamente para erradicar as discriminações contra os homossexuais.É necessário educar todos, sempre, para que a orientação sexual não pode, nunca, ser objecto de qualquer tipo de discriminação.
Esta batalha pelos nossos valores não é só contra islamistas tresloucados, mas contra os valores que alimentam os gestos tresloucados de islamistas, de fascistas e de todos os outros que crescem no ódio à liberdade. É para que deixe de haver berço onde os ódios se embalem até crescerem em novos crimes.

11.6.16

"É sempre possível esperar e fazer uma nova revolta dos escravos"

Chega mais uma das notícias que preferia não ter tido. Fui aluno e depois colega de Paquete de Oliveira . Reparo agora que passaram 30 anos desde as suas aulas de Sociologia da Comunicação.
Nesses anos de um ISCTE ainda muito movimento e pouco instituição (tudo ao contrário do que é hoje), o Professor animava as mais divertidas experiências de cruzamento entre ciências sociais, pedagogia e cultura. Lembro-me dele a apoiar músicas alternativas de que nunca soube se gostava, como com os trabalhos do João Peste ou as discussões com o Jorge Ferraz. A entrevista ao João Peste sobre as novas ditaduras culturais continua a ser um exemplo de democracia, cultura e sociologia e foi na época da minha juventude um elemento de referência sobre como me via como futuro sociólogo e sempre cidadão.
O Paquete foi um mestre, daqueles que conhecemos como muito diferentes de nós e muito iguais, enquanto seres humanos completos. As jornadas de comunicação que animava no ISCTE eram encontros com sociologias muito diferentes das que por lá preponderavam e momentos de academia no melhor sentido do cruzamento de todas as experiências. Lá fui também, uma vez com colegas, ainda aluno, mostrar um dos trabalhos de curso ao lado dos académicos. O que se aprendia com essas jornadas de ciência que eram pedagogia em acção.
No Natal de 1986, encorajado por ele, percorri os circos que actuavam em Lisboa e, depois, fui falar com as linhagens do circo, ver as histórias daquele grupo social, dos irmãos Chen à família Cardinali, com passagem pela aldeia de roulottes que então existia em Carnide. Na sua Sociologia da Comunicação, entusiasmava a cruzar a reflexão sobre estética e comunicação com análise social, sem primarismos de determinismos marxistas nem ignorância sobre poder e classes. Afinal, o projecto de sociologia em que continuei a rever-me.
Só depois de ser aluno dele conheci bem a sua biografia. Ajudou a entender a sua tranquilidade com a vida e o modo como convivia com inquietações sociais profundas.
Nem todos têm o privilégio de aprender com pessoas assim.
Nos últimos trinta anos, ouvi-o, vi-o e li-o. Muitas vezes discordei, mas reconheci sempre que continuava o seu projecto de procurar melhor democracia, melhor comunicação e mais compreensão social dos fenómenos contemporâneos.
Os media precisam desesperadamente de pessoas assim. A sociedade democrática precisa desesperadamente de pessoas assim.
Acho que a última vez que o vi foi num cenário altamente improvável para o encontrar, não por ele, que lá ia muito, mas por mim, que não sou dado a estádios. Foi no Sporting-Porto, no Alvalade XXI. Na entrevista ao João Peste, quase no fim dizia "o futuro, qual será o futuro, pergunto-me (...) é sempre possível esperar e fazer uma nova revolta dos escravos, por isso eu confio no futuro. Se a ditadura cultural é uma ameaça, é sempre possível realizar a sua derrota."

5.6.16

O que eu vi no Congresso do PS

A "geringonça" deixou de ser um gesto excepcional num momento excepcional. Passou a ser uma solução de governo em pé de igualdade com todas as outras e o PS está esmagadoramente confortável com isso.
O centro de gravidade da política portuguesa está hoje mais à esquerda do que alguma vez esteve nos últimos quarenta anos.

28.5.16

Contratos de associação, ensino público, ensino privado e concorrência

O parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre os contratos de associação (obrigado Alexandre Rosa  por teres feito chegar) põe a discussão juridicamente no sítio onde também devia estar politicamente.
Os contratos de associação são para desenvolver educação pública, logo não se justificam onde ela existe. Mantendo-se nas zonas em que ela existe distorceriam a concorrência entre escolas privadas subsidiadas e não subsidiadas (e não entre privadas e públicas).
Se politicamente este ou outro governo entender apoiar o ensino privado no ensino básico e secundário não está proibido de o fazer. Aliás já o faz há décadas no ensino profissional, por exemplo. Mas teriam esses apoios que ser geridos com concursos abertos que nada têm a ver com estes contratos. E garantissem igualdade de acesso entre concorrentes.
Separemos a manipulação dos contratos de associação para financiar alguns colégios da possível política de cooperação entre Estado e ensino privado. Onde e quando se entender que ela deve existir, haja concursos abertos e concorrência sã.

24.5.16



Carlos Farinha Rodrigues tem chamado a atenção para o facto de terem sido os mais pobres quem mais perdeu rendimento com a combinação da crise com as políticas do governo PSD-CDS.
O RSI é um instrumento estratégico de combate à pobreza e os cortes que recebeu foram dos principais culpados pela intensificação da pobreza.
Também aqui o actual governo fez a diferença é repôs o que tinha sido cortado pelo governo anterior. Que a prestação suba em função disso é apenas sinal de que a política de luta contra a pobreza está a funcionar. Oxalá subam também os beneficiários em programas de inserção. Seria sinal de que a activação voltou a ser uma rua com dois sentidos, em que não há só obrigações dos beneficiários, há também o dever do Estado de criar oportunidades.

23.5.16

Notícias da Áustria

A boa notícia austríaca diz que o candidato ecologista ganhou as eleições presidenciais na segunda volta por pouco mais de 30 mil votos em quase 4,5 milhões de votantes. A má diria que a extrema-direita ficou a pouco mais de 30 mil votos de ganhar essas eleições.
Em 2000, a Áustria foi o primeiro país europeu em que a barreira entre a direita tradicional e a extrema-direita se quebrou, levando a primeira a segunda para o governo. Hoje, foi também o primeiro país da Europa Ocidental em que essa extrema-direita disputou umas eleições para ganhar a um candidato igualmente saído de fora dos partidos tradicionais.
Os sociais-democratas e os democratas-cristãos austríacos têm razões para reflectir e os dos outros países da Europa também. Onde não virem que o mundo está a mudar ou não conseguirem acompanhar essa mudança, arriscam-se à irrelevância, mesmo que estejam no Governo, como acontece presentemente ao Partido Socialista Austríaco.
Boa sorte Presidente Alexander Van der Bellen e que o susto que apanhámos nos ajude a todos a ver melhor o que queremos e o que queremos que não aconteça na Europa.

21.5.16

Esquerda e descentralização são duas boas batalhas

Se o artigo do Expresso é fiel ao pensamento de Sérgio Sousa Pinto sobre o PS e o país, as profundas críticas deste são ao "tom" do texto da moção de António Costa. E as alternativas que propõe são (a) das eleições deveria ter resultado um governo do PSD; (b) deveria procurar-se mais centralismo estatal para opor ao processo de descentralização preconizado.
Acho muito saudável, sempre achei, independentemente da posição em que estava em relação à direcção do PS, que quem discorda se expresse com frontalidade. E acho que as diferenças se discutem. Quanto ao que o Expresso adianta, acho que há dois tipos de comentários à posição do Sérgio.
Sobre o tom, nada a dizer. É como o sal ou o açúcar. Cada um tem a sua "mão". Há naturalmente quem só goste da sua e quem não goste de uma ou outra. 
Sobre as alternativas, que é o que importa, a moção diverge felizmente do Sérgio. O país votou contra e não por Pedro Passos Coelho e o Estado precisa de mais descentralização e não de centralismos iluminados. 
Acresce que a experiência de governo em curso, dure quanto durar e acabe como acabar, desbloqueou a governabilidade do país à esquerda. Daqui para a frente caberá a cada partido posicionar-se de cada vez como entende. O Sérgio não acreditou que fosse possível e parece que ainda não aceita que esteja a acontecer, mas depois das legislativas derrubou-se um muro à esquerda que muda as possibilidades de futuro do país e esse derrube desafia todos a mudar. O PS fez bem em mudar.

19.5.16

Será o PS um partido para pessoas normais?

Será o PS um partido para pessoas normais? A entrevistaeste artigo e mais este puseram-me a pensar.

1. Estou convencido que as propostas da Ana Catarina Mendes vão irritar muito a burocracia partidária que circulou dos bancos da faculdade para as mais diversas posições de nomeação política e destes, com muito mérito pessoal na maior parte dos casos, para os cargos políticos. Vão pensar que são eles os visados, de tão habituados que estão a que quando faltam lugares nos órgãos seja o lumpen que desprezam privadamente mas defenderão aguerridamente em público a ficar e eles a sair.
Esta proposta da Ana só pode cair mal num PS que se rendeu unanimemente, sucessivamente, a dirigentes com visões e estratégias tão distintas para o partido quanto as de Ferro Rodrigues, José Sócrates, António José Seguro e António Costa. Os homens de todos os líderes não podem ter simpatia pela ideia de renovação por fora. A renovação para eles é a sucessão das gerações por dentro do interconhecimento em circuito fechado e está feita. São el@s. Agora há apenas que usar os simpatizantes como eleitorado, não as pessoas fora da actividade política como parceiros de decisão do partido. Tem razão o João Pedro Henriques ao imaginar que esta ideia não seja coisa fácil de digerir pelo PS que hoje somos.


2. E o João Pedro Henriques tem também um ponto na análise de como se está atirar fora o menino da CRESAP com a água do banho. É certo que a experiência da respeitável comissão merece avaliação e carece de melhoramento profundo, mas o rotativismo de dirigentes na administração pública é uma doença do nosso aparelho de Estado, que não sendo só nossa, descredibiliza os partidos que exercem o poder.
A quem no PS queira ater-se à bondade da anormalidade do funcionamento do partido, preso de chapeladas, oligarquias e pequenos grupos ou à anormalidade das nomeações por substituição no governo recomendo o estudo atento do que se passa na Áustria. Lá, um PS historicamente bem mais forte que o nosso, arrisca-se a passar em pouco tempo de força hegemónica no país à irrelevância. Já não é só no PASOK que o PS tem que pensar. É ver a Austria, a França, até a Alemanha e perceber que quem não ousar mudar pode ser a estrela do momento, mas será coveiro do socialismo democrático.

3. Não ficaria nada surpreendido se esta ideia da Ana Catarina morresse na praia. Como todas as ideias de mudança é violenta para quem está no exercício do poder e a primeira coisa que se perde no poder é a capacidade para ouvir os que nos falam com frontalidade e com verdade. Só se António Costa se interessar seriamente pelo futuro do partido e não apenas pelo do Governo esta ideia vingará.

7.5.16

O filho do condutor de autocarros

O novo Mayor de Londres é o filho de um condutor de autocarros, imigrante de segunda geração. 
A sua eleição toca-me porque é um sinal de que a mobilidade social e a capacidade de integração dos cidadãos no Reino Unido permitiram ao jovem Sadik criar para si um percurso que o levou ao sucesso na carreira que escolheu. E toca-me mais ainda porque os londrinos demonstraram ao snob conservador que a sua cidade é democrática e é cosmopolita, não se verga a linhagens nem a preconceitos raciais, sociais e religiosos.
A confissão religiosa de Khan a mim só me interessa num ponto: a eleição deste muçulmano demonstra que os eleitores londrinos não votaram por clivagens religiosas mas por clivagens políticas. É essa Europa que queremos no século XXI.

Deixar de financiar escolas privadas por uma missão publica que já não desempenham.

Há décadas foi definido que o Estado financiaria colégios privados para que desempenhassem o papel da escola pública em zonas de má ou nula cobertura desta, garantindo desta forma, de imediato, a oferta de educação mais perto de casa a crianças e 
jovens.
Hoje, na sequência da gestão dessa decisão, há escolas privadas apoiadas pelo Estado em zonas em que a oferta instalada por escolas públicas existentes dispensa a necessidade de que as privadas prestem tal serviço público.
Assim, apoiar essas escolas agora é só distorcer o mercado. Elas deixaram de prestar serviço público, passaram a estar num mercado competitivo, com subsídios, quando outras não os têm.
Acabar com esse subsídio ao ensino privado é uma questão de racionalidade. 
Quando nos dizem que as escolas estão protegidas por contratos vêm-me duais ideias à cabeça: quem os assinou há um ano tomou uma má decisão; quando um contrato não é bom, usamos a força que tivermos para o cessar.
O Ministério da Educação está a fazer o que tem que fazer, portanto. E, conhecendo a sua equipa dirigente, não acredito que não o esteja a fazer com pleno domínio dos desafios jurídicos que enfrenta. Ou seja, o Ministério da Educação está a agir para o aumento da eficiência do Estado.

5.4.16

Experimentei fazer uma newsletter mensal "Coisas escritas. Coisas lidas. Coisas Partilhadas". Está convidad@ a subscrever aqui.

29.3.16

Zygmunt Bauman sobre a Europa e o terrorismo

Zygmunt Bauman sobre a Europa e o terrorismo . A Few Comments On The Mis-Imagined War On Terrorism.
(...) In direct opposition to Victor Orban’s infamous oracle, “All terrorists are immigrants”, almost all terrorists operating on the European stage are home grown. The most crafty, shrewd and malevolent schemers, who concoct and command or solicit the successive terrorist acts from the safety of their far-away homes, may live in foreign countries – but their foot soldiers are recruited from among the deprived, discriminated against, humiliated, embittered and vengeful local youth facing – again with our direct or indirect, deliberate or flowing from neglect help – their prospectless future. Keeping them in that state of deprivation is how social problems yearning for social action are transmogrified into security problems calling for military responses; this is perhaps the principal way in which our authorities cooperate with terrorists: by following the eye-for-eye rule instead of taking a higher moral ground combined with a radical as much as a long-term perspective, we continue to widen the recruiting area which the terrorist commanders are all too eager to deploy in full.
Most wars segregate combatants into winners and losers, triumphant and defeated. For that one reason our battle with terrorism cannot be classified into the category of wars. From this battle none of the sides (except perhaps the producers, sellers and smugglers of murderous weapons) may emerge victorious. The global arms trade – given in practice, if not in theory, a free ride, and guided by the lucre-greed of weapons merchants in cahoots with governments greedy for rising rates of GDP – has by now transformed the planet into a minefield, of which we know that explosions must happen there in a first awkward move but we can’t predict where and when an explosion will happen. Weapons ready for criminal uses are abundantly available (and as Anton Chekhov instructed budding realist play writers – “if there is a rifle hanging on the wall in the first act of a play, it must be discharged in the third”). Selection of targets is, after all, determined by the firing appliance at hand.

18.3.16

A ver as barbas dos brasileiros a arder

O Brasil traz duas novidades a uma tendência de perda de sentido das instituições que já conhecíamos. Lá, por um lado, o sentimento de auto-defesa do PT sobrepôs-se ao mais elementar bom-senso e a manipulação do poder político para efeitos de protecção dos protagonistas foi a um ponto que demonstra a falta de percepção de que o poder político tem que se auto-limitar quando se sente injustiçado. E, por outro, o conluio entre as instâncias judiciais não têm as vestes pudicas com que, por exemplo, cá se disfarçam. A divulgação de informação para a pré-condenação mediática e a desestabilização política não acontece a coberto de violação do segredo de justiça, mas pelos gestos abertamente desafiantes assumidos e assinados por juízes que não escondem a sua opção pessoal pelo derrube do PT.
A mutação do vírus que corrói a democracia tornou-o particularmente violento no Brasil. Mas é o mesmo vírus que ataca em vários pontos do Globo:  a combinação de um descrédito colectivo (merecido ou não) dos políticos com um activismo político de uma classe profissional de magistrados que não reconhece a separação de poderes e  ambiciona tutelar o poder político corrigindo os resultados de que não gosta.
No Brasil já não há respeito pelos princípios democráticos nem por parte dos políticos nem por parte dos juízes. Falta os militares juntarem-se à festa para que a guerra incivil, como bem lhe chama Fernanda Câncio, degenere numa ditadura aberta. Oxalá os antagonistas democráticos do vírus ditatorial interrompam no Brasil o terrível processo a que assistimos e que, como escreveu Tarso Genro fazem em tudo lembrar o fim da República de Weimar.
Mas, se não reforçarmos as instituições e o sentido rigoroso da especialização de papéis e responsabilidades que subjaz à separação de poderes em que a democracia assenta, a doença brasileira, em formas mais ou menos violentas, atacará em mais pontos do Ocidente em crise. E não é preciso muita imaginação para prever que os portugueses devam pôr as barbas de molho.

16.3.16

Eu, beneficiário da ADSE

Eu, beneficiário da ADSE e contente pelo que dela recebo, disponível para continuar a pagar para ter um sistema complementar de saúde, também acho que esta, tal qual existe, é uma reminiscência do tempo em que não havia serviço nacional de saúde e cada grupo profissional tinha direitos diferentes à saúde.
Não defendo a sua extinção, mas também não acho que os funcionários públicos devam ter um direito à saúde separado do resto da sociedade.
Como quero - pagando para isso - um benefício complementar em saúde, concordo com a proposta que o meu amigo Alexandre Rosa há muito defende: vamos transformar a ADSE numa mutualidade, assumir que é o fruto da auto-gestao de uma parte dos seus recursos por um grupo profissional e acabar com a actual ambiguidade.
Serviço público de saúde deve haver só um. Para benefícios complementares, prefiro os associativos, mas a competirem com os seguros privados, separados do Orçamento de Estado e não a distorcer o princípio do serviço nacional de saúde. Por isso não vejo porque há-de o Estado administrar o que devia ser a mutualidade dos funcionários públicos. Quero o Estado fora da ADSE e a ADSE fora do Estad. 

11.3.16

Marcelo, festa e simbolismo? Tem que haver mais.

Marcelo investiu em marcar toda a sua primeira semana como Presidente de simbolismo e festa.
No simbolismo, temos a posse tão frugal nos convites a entidades estrangeiras, desvalorizando a "velha aliança" e a aliança atlântica, trocadas por uma cerimónia ibérica e uma evocação da infância em Moçambique. E temos ainda a interconfessionalidade da cerimónia na mesquita a substituir o laicismo clássico da função.
Na festa temos tudo o resto, desde a jornada tão diligentemente organizada pela Câmara de Lisboa ao rap portuense.
Esta primeira semana fez-me lembrar uma velhinha canção de José Cid ("no dia em que o rei fez anos"). Mas não acredito que seja ela a definir o mandato presidencial.
Já escrevi que me parece de destacar as referências à Constituição no discurso de posse. E não paro de pensar que o Presidente tem encenado recorrentemente o seu papel de Professor de Direito. Primeiro falou do aluno Antonio Costa. Depois fez campanha na despedida da faculdade. A seguir foi do seu átrio que discursou como Presidente eleito. No discurso de posse referiu a sua especial responsabilidade de professor perante a Constituição.
Há por aí quem desconfie de uma agenda reaccionária de Marcelo. Há quem acredite que ele quer apenas popularidade, muita popularidade. Mas eu acho que ele é mais inteligente que isso é vai usar a sua inédita relação com o eleitorado sem qualquer mediação nunca vista (com excepção talvez de Eanes) para algo mais.
Não vai ser como o bonacheirão segundo (sendo Soares o primeiro e o paradigma) que Marcelo encontra o lugar na história que lhe escapou, quer como Presidente da Câmara de Lisboa, quer como Primeiro-Ministro. 
O Professor tem que ambicionar mais. Já não vai saltar para a Europa nem para o Mundo. Não acredito que se mantenha ao nível de fazer mais manchetes para os jornais (isso fazia há mais de trinta anos).
O mestre dos factos políticos tem que se despedir em grande. 
Pode ser que a história não lhe dê essa hipótese, mas o meu palpite é o de que veremos o que Marcelo quer da Presidência quando (ou se) a tensão entre cumprir os compromissos com Bruxelas e manter de pé a coligação que governa Portugal evoluir para explosão. E nessa altura voltará a complicar a vida quer ao PSD quer ao PS.

10.3.16

A Constituição, a economia, Cavaco e Marcelo

Na posse, um presidente deve focar-se na Constituição ou na economia? Se preferir a economia, reconhecer-se-á  no discurso da última tomada de posse de Cavaco Silva. Se der mais importância à Constituição gostará claramente mais da (primeira) posse de Marcelo Rebelo de Sousa.
Há cinco anos, Cavaco disse dezasseis vezes a palavra economia. Agora, Marcelo, apenas duas. Agora, Marcelo disse nove vezes a palavra Constituição. Há cinco anos, Cavaco pronunciou-a apenas uma.
A preocupação com a Constituição é o elemento diferenciador dos dois últimos discursos de posse e é, então, a principal novidade trazida ou pelo menos o elemento devolvido ao debate político pelo novo Presidente.
Se Marcelo conseguir ser o guardião da Constituição, conseguirá unir melhor o que Cavaco fez tudo para cindir e desencorajará os governos borderline no desrespeito da Constituição. Com isso, mudará o centro gravitacional da política portuguesa de novo para dentro do consenso constitucional de 1976, retirando-o de onde o Presidente Cavaco o deixou pôr, na tensão entre cumprir a constituição e governar o país. E foi essa deslocação do centro político para a fronteira da Constituição  que originou o aumento a que assistimos da centralidade do Tribunal Constitucional como ponto de veto no sistema político, em particular em resposta a iniciativas de deputados.
Se Marcelo fizer o caminho que o discurso de posse anuncia, ouviremos falar mais do Presidente e menos do Tribunal Constitucional nos próximos anos, teremos menos fiscalização da constitucionalidade por iniciativa dos deputados e mais por iniciativa do Presidente ou menos interpretações ousadas da Constituição pelos governos e menos fiscalizações da constitucionalidade.
Há, claro, ainda a hipótese alternativa de Marcelo querer fazer cumprir a Constituição, mas uma Constituição modificada e o pacto que propõe, a nova união, ser uma renovação do arco da governabilidade em torno de uma constituição revista profundamente. Mas, se essa ambição não contradiria o seu discurso, nada nele a anunciou e nada na atual dinâmica do sistema partidário faz prever que tivesse sucesso.

9.3.16

Refugiados: integrar é difícil, mas as alternativas são piores.

A ler, a reflexão de Claus Offe.
"Prender" os refugiados no Médio Oriente não vai evitar que as pessoas que possam fujam de vidas insuportáveis.
 Receber sem acolher não vai impedir os populismos e extremismos de todos os tipos de corroer a coesão social.
Acolher implica atenção, recursos e aposta na absorção ao máximo pela comunidade nacional do potencial dos refugiados acolhidos.
Os caminhos mais fáceis no curto prazo são os que conduzem a maiores riscos no futuro. Cá, para as democracias. E lá, para a sobrevivência em segurança. No fim de tudo, para a segurança coletiva.
Sobre tudo isto, os portugueses podem orgulhar-se de que Governo, autarquias locais e sociedade civil estão para já a fazer e a querer fazer o que deve ser feito.

2.3.16

Subsídios nos transportes para jovens não voltam. É pena.

Ontem na Assembleia da República, o governo afirmou não ter nem perspectivar vir a ter 20 milhões para repor o desconto de 50% no passe social para crianças e jovens que o governo de Passos Coelho retirou.
Acontece que as famílias com filhos, mesmo quando não vivem abaixo dos limiares de pobreza ,merecem apoios pelos encargos acrescidos com esses filhos. Repare-se que já não recebem na sua maior parte abono de família e que a educação superior já deixou de ter custos meramente simbólicos.
Acresce que investir no transporte público também passa por formar hábitos de uso desse meio e o passe a preços reduzidos para crianças e jovens é decerto um forte incentivo à sua frequência.
Bem sei que me dirão que os descontos existem para as famílias mais pobres. Mas não esqueçam que um Estado social que se confine a apoiar os pobres não passará de um pobre Estado social, aliás, com um nome dentro das famílias do Estado social: liberal.
A política de juventude não é uma mera extensão da política de luta contra a pobreza e a promoção da miblidade sustentável não passa de um slogan se não tem incentivos adequados. As prioridades têm que ser arbitradas. Aqui, a meu ver, foram-no de modo errado.
Ou seja, o problema dos recursos para o desconto nos passes sociais para jovens não é de impedimento orçamental absoluto. É de escolha. E  num país em que a natalidade é baixa, em que os custos para as famílias de ter e criar filhos são elevados, em que as classes médias estão esmagadas, o governo dee squerda não encontrou despesa onde cortar para achar os vinte milhões de euros que a promoção do uso do transporte público por crianças e jovens necessitava. É pena. Eu era capaz de imaginar despesas que posdiam ser cortadas noutras políticas repor estes subsídios. E o governo também. Mas a escolha foi esta.

23.2.16

O vento mudou

O impossível aconteceu. Hoje mudou-se de ciclo na vida política portuguesa, com a esquerda junta a impor um rumo de governo. 
Mudou-se também porque há uma nova forma de entender a relação entre governo e Parlamento. O governo nem tem o rolo compressor da maioria pré-definida nem a posição de mendigo do tempo dos orçamentos limianos ou dependentes de uma abstenção desresponsabilizadora. O Governo vai negociar no Parlamento e vai ter, no que tiver, a maioria que resulta da partilha de responsabilidades.
Mudou-se ainda porque a tensão entre obedecer à vontade do eleitorado e corresponder à orientação das políticas na zona euro está a ser resolvida sem complexos de bom aluno nem "superioridade morais" varoufakianas, concordando em discordar e negociando sem pôr em causa a orientação geral de política.
Passos Coelho percebeu - e disse-o - que é a sua acção que une a actual maioria. Mas percebeu mal um ponto importante. Não é o que diz agora que une as esquerdas. É o que fez antes que tornou claro que as diferenças na esquerda, sendo grandes, são muito mais pequenas que a distância que separa a estratégia deste governo da orientação do governo anterior.
E António Costa já pode reclamar da história o mérito de por a esquerda a construir convergências pela positiva em questões tão fundamentais como a política orçamental. A seguir terá que ser capaz de manter essas convergências quando a inevitável (e tão desejada pelo PSD) pressão da direita europeia (alguns socialistas incluídos) voltar a fazer-se sentir. E será mais cedo que tarde.
Nessa altura voltará a ser testada a sua capacidade de liderar uma esquerda que, ao contrário do que ele próprio dizia há uns anos, já não é a esquerda do não, embora ninguém saiba ainda em que é que isso a muda e muda o PS.
Mas confortável é a posição de um político que já está a ser questionado pela capacidade de vencer o desafio seguinte.

4.2.16

Negociação e realismo: as razões pelas quais o círculo do OE 2016 não será quadrado

A avaliar pelo que os media relatam, vai haver orçamento de 2016, em contraciclo com as políticas de austeridade, aceite no contexto da relação com a União Europeia e sem que a base política que sustenta o Governo de desmorone.
Muitos chamam a isto a quadratura do círculo e muitos mais achariam que tal exercício era altamente improvável.
Nos últimos dias vimos o que vale um Governo que sabe para onde quer ir e sabe também não ser obstinado e avaliar as condições reais para dar cada passo que se propõe.
Políticamente, o que houve de novo? Duas coisas. A Comissão Europeia teve pela frente um Governo que aceita negociar mas assume que não tem a agenda da direita europeia que a Comissão incorporou e ficámos a saber que a Comissão é um constrangimento ao desenvolvimento da nossa estratégia. O Governo tem em Portugal uma base política que mais uma vez demonstrou o realismo que todos achavam que não teria. Refiro-me ao BE, ao PCP e ao PEV.
O círculo não foi quadrado porque o Governo reaprendeu o valor da palavra negociação em política. Francamente já estavamos cansados de políticos obstinados! E também, deve salientar-se, porque a esquerda parlamentar reaprendeu o significado da palavra realismo, fundamental para se fazer parte da solução.
Quem ganha? Quem beneficiar da aceleração do crescimento económico e da correcção das desigualdades de rendimento, ainda que mais ligeiras do que gostariamos.
Quem perde? Quem sempre apostou que fora do quadro mental do Partido Popular Europeu não há margem para governar na Europa do Sul.

3.2.16

Arrendamento jovem:Quem deu mandato político à Inspecção-geral de Finanças para ter opinião sobre a idade de acesso?

Leio no Diário Económico que a Inspecção-Geral de Finanças avaliou o Programa de apoio ao arrendamento jovem e recomendou, entre outras coisas, que "deve ser redefinida a população-alvo do programa, tendo em vista a alteração da idade máxima para beneficiar do programa, já que os jovens saem de casa dos pais cada vez mais tarde."
Não tenho o texto da avaliação da IGF e dou como fiel da sua recomendação o extracto do artigo que cito.
A recomendação é puramente política e tem subjacente a adaptação da política de incentivos ao arrendamento a um modelo de sociedade que prolonga a permanência dos jovens em casa dos pais.
Os jovens saírem tarde de casa dos pais pode ser uma tendência cultural, o reflexo de um modelo de transição para a vida adulta que prolonga a dependência, reforça o familismo e no limite a reprodução de valores conservadores. Pode também ser apenas o sinal da propagação da precariedade social dos jovens, que adiam a sua autonomia residencial dadas as perspectivas de incerteza sobre as diversas dimensões da sua vida pessoal. Há-de ser, de facto, uma mistura dos dois factores.
Em ambos os casos, a política pública deve, em minha opinião, reunir esforços em várias áreas para contrariar a tendência, tornando neste caso o custo da habitação mais baixo. Mas é perfeitamente admissível que haja quem tenha a opinião contrária. Em ambos os casos a escolha é política e a IGF não tem legitimidade democrática para se meter no assunto.

As Inspecções-Gerais de Finanças e órgãos análogos têm frequentemente posições puramente políticas em vez de se remeterem a uma prudente neutralidade sobre escolhas que não lhes devem pertencer.
Alguém votou na posição da Inspecção-geral de Finanças sobre o momento da vida em que se deve investir na autonomização dos jovens face às famílias de origem?
Mas, o que mais me surpreende é que um jornal económico de referência noticie os resultados da avaliação sem nenhuma interrogação crítica sobre o conteúdo de qualquer das recomendações feitas, sem nenhuma opinião independente ou sequer uma reacção dos avaliados. Custava muito consultar um especialista em habitação ou um outro em política de juventude? Não seria melhor sabermos como foi recebida a dita avaliação? Se é pacífica ou controversa, aceite ou contestada?

Se é assim no jornalismo de referência, imagina-se como será no outro.

26.1.16

Apontamento em contracorrente sobre o Presidente do meu país

A República Portuguesa tem um novo Presidente eleito. Esse Presidente tem, mais do que a maior parte dos seus antecessores, um mandato conferido com pouquíssima intermediação política, numa relação sobretudo directa entre ele e o povo.
A mais forte intermediação de Marcelo com o povo é a dos media. Não é queixa ou lamento, é constatação.
Marcelo tem uma fortíssima legitimidade política, que não contesto e lhe dá a enorme responsabilidade de ser um chefe de Estado sem outros limites que não sejam a sua interpretação da força e do sentido do mandato que lhe concederam.
Por isso mesmo, ainda que em total contracorrente com o politicamente correcto, incluindo o tão elogiado discurso de derrota de Sampaio da Nóvoa, parece-me ser o momento de dizer que Marcelo é o Presidente do meu país, com direito a todo o respeito institucional, mas também que, como em qualquer democracia avançada, nenhuma pessoa representa o país todo.  O totalitarismo representativo da fórmula "Presidente de todos os portugueses"  configura uma identificação do povo com o soberano que me parece longe de ser muito democrática. 
Dir-me-ão que foi Mário Soares quem mais cultivou a expressão. E depois, porque havia eu de me reconhecer nisso mais do que o seu próprio autor se reconheceu na presidência de Eanes?
Marcelo é o Presidente do meu país, nem mais nem menos que isso..

21.1.16

Para saír do menosprezo dos direitos sociais na UE em crise

E se forçássemos a União Europeia a levar a sério os seus compromissos com os direitos fundamentais?  ajudam a pensar como a Europa podia ser diferente na crise. Indispensável ler por quem quer estar na UE e não quer que a UE seja o que está a ser. Na sua proposta, bastaria voltar aos compromissos fundamentais e, como faz o Conselho da Europa com a Carta Social Europeia, levar a sério os compromissos sociais:
Our paper suggests that a constitutional basis for a rebalancing towards more social goals already exists in the EU, in the form of the EU’s stated commitment to fundamental rights, including social rights. The EU has a Charter of Fundamental Rights (EUCFR) that includes social rights and the European Commission has said that it wishes to be an ‘exemplary actor’ when it comes to rights. While the EU itself (including the case law of the European Court of Justice) has not established clear or substantive standards on social rights, another European institution has done so: namely, the European Committee of Social Rights (EC R), which operates under the auspices of the Council of Europe and provides oversight of the implementation of the European Social Charter (ESC) (established in 1961). The ESC is not alien to the EU: it is referred to in the EU treaties, it has been drawn upon by the ECJ, and it has inspired many of the social rights in the EUCFR.

Ou seja, um dos caminhos a percorrer é fazer com que não haja uma União Europeia assente só no seu pé direito, o dos mercados, mas consciente dos seus dois pés. Infelizmente, nos dias que correm, o outro pé tem muito pouca força. Mas a acção política pode mudar as coisas.


19.1.16

Segundo intervalo

A seguir ao consulado Barroso-Santana, Paulo Portas abandonou irrevogavelmente pela primeira vez a política. Voltou quando o tempo estava maduro para regressar, destronando a liderança do partido com a mesma elegância com que tinha apertado em tempos a mão a Manuel Monteiro. Parece que agora vai outra vez recolher medalhas, fazer conferências e sair de cena. 
Há uma velha frase de Marx sobre a repetição de actos trágicos que espero lhe venha a assentar. Mas só tenho uma certeza. Se Paulo Portas sentir que pode voltar, cá o voltaremos a ver, para mais um acto.

8.1.16

O Parlamento em Dezembro: Uma nova maioria a desfazer a velha, um assomo do arco da governação e o isolamento do PS quando o clima político aquece








Desde a reabertura do Parlamento até ao fim do ano, os deputados votaram  111 vezes e o bimestre foi marcado pela emergência de dois blocos, tendo de um lado toda a esquerda parlamentar e o PAN e do outro o PSD e o CDS. Foi assim que os votos se distribuíram em 52 votações (28 em Dezembro e 24 em Novembro).

A nova maioria apresenta-se unida em causas como a revogação das medidas de austeridade, a revogação de medidas polémicas do governo anterior e o aperfeiçoamento dos direitos civis. Em linha com o que se havia identificado já em Novembro, a nova maioria parlamentar convergiu em Dezembro em votações sobre:

  • fim dos exames do 1º ciclo do ensino básico
  • revogação do regime de acesso à profissão de professor e da prova de avaliação
  • fim da possibilidade de processos sumários para crimes graves
  • preferência de produtos alimentares locais em cantinas e refeitórios públicos
  • construção do IC 35
  • anulação da subconcessão dos transportes urbanos de Lisboa e Porto
  • reposição aos ferroviários das concessões dos transportes
  • extinção da sobretaxa do IRS
  • extinção da contribuição extraordinária de solidariedade
  • revogação das restrições à IVG
  • eliminação da impossibilidade de adopção por casais do mesmo sexo
O arco da governação, que António Costa declarara extinto ressurgiu, alargado ao PAN,  como na extinção faseada da contribuição extraordinária de solidariedade.

E já se assistiu a uma votação do PS isolado, com iniciativa viabilizada pelas abstenções à direita, na alteração ao Orçamento de Estado para acomodar os efeitos da resolução do BANIF.

Mas nem tudo são confrontos. A segunda linha mais saliente no bimestre, a seguir ao confronto esquera-direita ainda é a das votações por unanimidade, onde se incluiram os votos de congratulação, iniciativas das assembleias regionais e actos processuais.

Em síntese, no seu primeiro bimestre o actual Parlamento teve uma nova maioria a desfazer a velha, o arco da governação a espreitar quando o governo sentiu que não podia pôr o pé no acelerador tanto quanto a esquerda desejaria e o regresso do isolamento do PS quando foi necessário tomar uma medida que se afigura como tendo algum risco político.