15.2.17

O que a geringonça já provou e os próximos desafios

Os dados sobre o défice provam desde já que, mesmo dentro dos constrangimentos do actual funcionamento da zona euro, cumprindo um exercício apertado de ajustamento, era - sempre foi - possível ter um caminho alternativo ao terror austeritário lançado pelo PSD-CDS.
A geringonça também já provou que é possível por algum tempo reequilibrar de tal forma a relação entre receita e despesa que se gera excedente primário sem arrastar o país para a crise social.
O PCP, o BE, os Verdes e o PS já provaram que se pode conseguir paz social num contexto adverso enquanto se faz escolhas políticas difíceis priorizando adequadamente objectivos e gerindo com racionalidade as agendas.
Há, contudo, duas provas por fazer, em minha opinião. 
Em primeiro lugar, a de que é possível ter um rumo sustentável no quadro institucional do euro com os constrangimentos da gestão do actual nível de dívida. Parece-me que não é e que, um dia, a questão da restruturação da dívida tem que sair debaixo do tapete.
Em segundo lugar, a de que é possível ter uma agenda social que vá além da reversão das medidas do anterior governo e da saída do estado de exceção. O episódio do acordo na concertacao sem maioria no Parlamento sobre TSU e salário mínimo é apenas um sinal. Mas um sinal de que governo e parceiros sociais ou não mexem nas questões de fundo ou têm que se adaptar ao quadro institucional de que não há medidas positivas relevantes que escapem ao crivo da actual relação de forças parlamentares.
Se os partidos da geringonça não conseguirem construir uma relação positiva com a concertacao social e esta não adaptar às suas dinâmicas ao facto de que o PSD é hoje um partido liberal sem vinculação à concertação, há um risco de congelamento de reformas necessárias. 
Descongelar o debate sobre políticas sociais, construindo convergências que por ora parecem não existir na geringonça é o próximo passo na frente interna da política e na sustentabilidade desta solução de governo. 
Reequacionar as dinâmicas da concertação social ao fim do arco da governabilidade é um exercício desafiador mas não impossível para os parceiros sociais.
Esses próximos debates, no espírito da questão da agenda para a década que o Porfírio Silva suscitou, não se afigura fácil. Mas já vi exercícios mais difíceis. Resta saber se há vontade de dar à geringonça um programa sustentável ou apenas fazer dela um arranjo transitório num contexto anormal para o regresso logo que possível ao status quo ante da política portuguesa. 
Por enquanto, na frente social, nenhum partido da esquerda e nenhum parceiro social saiu da sua trincheira anterior.

1.2.17

Quando vai deixar de haver lares ilegais para fechar?

Levamos mais de duas décadas de fecho  continuado de lares de idosos ilegais. 
Os jornais continuam a falar de maus-tratos, más condições de higiene e segurança, deficientes cuidados de saúde e, em geral, de condições que ferem a dignidade humana e estão para além do simples incumprimento de normas técnicas e regulamentos.
Muitos destes lares que são agora encerrados abriram depois de encerrados os lares que antes o tinham sido.
Há, portanto, em Portugal, oferta e procura de lares ilegais e com condições precárias. Mesmo que admitamos, o que julgo muito razoável, que os parentes dos internados nesses lares ignoram o que se passa pelo menos o suficiente para poderem suportar a situação, temos que concluir que há um problema estrutural por resolver. Não é credível que haja uma massa de parentes sádicos que querem ver ou pelo menos intuir que há membros da sua família sofrer.
Sabemos ainda que o acesso a uma vaga num lar de idosos no sector da solidariedade é um processo difícil, frequentemente de transparência pelo menos mitigada e em que se acumulam as listas de espera.
Como sabemos que os preços nos lares legais com fins lucrativos são escravizantes ou incomportáveis para famílias com rendimentos médios, para não falar das de baixos rendimentos.
Sabemos também que o envelhecimento, se permite às pessoas viver mais tempo saudáveis, também trouxe períodos de vida longos com incapacidades graves e, nomeadamente, com saúde mental degradada, difíceis de gerir pelas famílias mantendo a co-residência, independentemente da solidez dos laços afectivos.
Por tudo isto, o problema não se esgota na repetição de manchetes com o número de lares encerrados. Exige políticas públicas que partam da constatação que são famílias como a nossa que se vêem forçadas a opções difíceis. Encarar a responsabilidade do Estado no envelhecimento exige actuar a montante dos lares de idosos.
Ou seja, uma política realista para famílias reais, que assuma o problema real de que o internamento de idosos e outras pessoas severamente incapacitadas em situação condigna e suportável pelas famílias é uma necessidade social não satisfeita. Que tem que ser abordada, incluindo na busca de alternativas ao internamento e na afirmação de que há uma responsabilidade pública no cuidado de idosos, reforçada em casos de dependência física ou demência senil, por exemplo. Mas sem ignorar que há um problema de cuidados por resolver que impele as famílias a aceitar situações inaceitáveis, quando não a agirem de modo igualmente inaceitável.
Enfrentar o envelhecimento é também ganhar consciência de que a questão inclui mas não se esgota nas pensões. Implica ajudar as famílias a não tolerarem o mercado ilegal de lares. E isso implica ter alternativas a este mercado ilegal e infra-humano.