30.5.20

A ler

A ler

A escola demonstrou que pode reinventar-se. Pode reinventar-se também para combater outros problemas que deve enfrentar.


https://www.publico.pt/1918184

29.5.20

A ler, porque os direitos humanos não vivem sem haver quem os defenda

Francisco Teixeira da Mota faz hoje a apologia do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a pretexto de um caso húngaro. E faz bem.
A esse tribunal devem hoje os cidadãos europeus o conforto de ver, com longas demoras é certo, como bem diz, reparadas as violações de direitos humanos por poderes públicos, sejam eles os executivos ou os judiciais. Sem esta instituição a Europa seria um continente mais imperfeito e infelizmente o semi autoritarismo teria um terreno mais fértil para crescer. E não pensem que ele está apenas nos países que saíram das ditaduras comunistas há uma geração ou nos que sempre andaram nas raias do autoritarismo. Ele está até nas velhas democracias e em países, como o nosso, que têm o privilégio de ter construído uma democracia pluralista sobre uma transição revolucionária que não deixou pedra sobre pedra do fascismo e do autoritarismo, excepto... onde deixou.

https://www.publico.pt/1918513

28.5.20

A absolvição de Bruno de Carvalho. É assim que quer que lhe seja servida a justiça do seu país?

Julgo que em toda a minha vida cumprimentei uma vez Bruno de Carvalho e não falei com ele mais de 30 segundos. Não sou sportinguista e no modo como gosto de futebol não há espaço nem competências para me armar em treinador de bancada ou Presidente-sombra de clube.
Na minha observação muito distante dos fenómenos do futebol não gostei nunca de na sua presidência dar às claques uma importância que - pelo que se sabe do ambiente pouco são destas - espelhava um modelo de gestão de clube que não me seduzia e que é completamente oposto da tranquilidade com que enquanto espectador gosto de futebol.
Dito tudo isto, o modo como foi tratado na instrução deste processo de que agora foi absolvido, com as clássicas operações de detenção desnecessária para consumo e condenação mediática, a criação mediática de presunção de culpa sobre uma agressão aos jogadores e efeitos de grande amplitude sobre o clube e a sua vida pessoal, obriga-me a perguntar depois de o ver absolvido em primeira instância e sabendo que provavelmente o caso não acaba aqui se este modo de administrar a justiça  cumpre os mínimos requisitos para ser justo. Salvaguardou-se à justiça a imparcialidade e recato que se lhe impõem para que tranquilamente busque a verdade?
Não creio que a justiça vá ainda desta vez reconsiderar o modo como trata a fase de inquérito e repensar a aliança perversa entre má justiça e má imprensa para julgar na praça pública ainda antes de acusar em tribunal. Nem que vá sentir-se responsável pela cautela devida e não tida quanto a promover julgamentos populares quando está ainda a recolher e validar indícios.
Se Bruno de Carvalho é inocente, como disse hoje o Tribunal de Primeira Instância ou não, é importante para o avaliarmos. Mas o que se decidiu com esta absolvição não apaga todas as consequências do que aconteceu antes. É assim que quer que lhe seja servida a justiça do seu país?

27.5.20

A ler, porque as modas, como a do teletrabalho, têm as duas faces das facas


José Antonio Vieira da Silva traz à discussão o dado óbvio de que o teletrabalho como forma normal de organização da prestação de trabalho não é a estrada do paraíso. Há muita sensatez nos seus avisos sobre os riscos para a conciliação para a vida familiar e profissional, para a duração da jornada de trabalho e para a dimensão social e de contacto do trabalho em co-presença.
Tenho-me lembrado frequentemente do processo de degradação do caráter socializador do trabalho que Richard Sennett exemplificou com a padaria que revistou em A Corrosão do Carácter.  A perda de estabilidade e contacto também prejudica o trabalho, mesmo quando se mantém a co-presença.
Certo é que o teletrabalho tem vantagens e desvantagens e implica novos desafios.
Do lado das vantagens para as pessoas estão a maior liberdade potencial e maior controlo sobre o seu trabalho, a maior autonomia na gestão do tempo, a redução dos custos de transporte e o aumento das possibilidades de emprego, por se poder trabalhar remotamente virtualmente em qualquer parte do mundo. Do lado das desvantagens, há os óbvios riscos de invasão da privacidade, que entre nós já obrigaram à intervenção da Comissão Nacional de Proteção de Dados, a tentação da desorganização dos horários de trabalho e de jornadas mais longas, a maior exposição a situações familiares abusivas ou a difícil conciliação em certos contextos (crianças pequenas, familiares dependentes, etc ), a perda de oportunidades por redução de contacto com as equipas, a maiordespersonalização da supervisão.
Também para as organizações o teletrabalho tem duas faces. É óbvia a poupança potencial em gastos correntes (instalações, eletricidade, água, aquecimento, etc), mas é compensada parcialmente com outras despesas (financiamento de equipamentos, comunicações, reforço das infra-estruturais tecnológicas e dos dispositivos de segurança informática), assim como há uma enorme expansão da base de recrutamento de trabalhadores, mas maiores dificuldades de supervisão e controlo e mais dificuldades em manter as equipas coesas.
O teletrabalho na Europa tem um quadro regulador que deriva de um acordo dos parceiros sociais europeus com já duas décadas que deu origem a uma diretiva e enforma as legislações nacionais. Em Portugal o espírito desse acordo está vertido nas normas do Código do Trabalho, que sendo pouco densas salvaguardam direitos e equilíbrios fundamentais. Mas a contratação coletiva praticamente ignorou a questão e há riscos sérios se transitarmos de um teletrabalho de emergência para o teletrabalho sem preparação adequada, na organização das empresas, na participação dos trabalhadores, na formação a vários níveis e na adoção de medidas que mantenham efectivo o princípio da igualdade entre teletrabalhadores e trabalhadores presenciais.
Que desta moda algo vai ficar parece óbvio e para que ela se salde por mudanças positivas tem que haver um trabalho de legisladores, parceiros sociais, partes na negociação coletiva, que não seja precipitado nem improvisado. Tenhamos confiança que assim seja, para que a moda não abra a porta a novas precariedades.

https://www.publico.pt/1918286

26.5.20

A ler, com uma palavra de incentivo.

Pedro Marques propõe um reforço substancial do Fundo para a Transição Justa, cuja dotação é  - e mesmo assim continuaria a ser - insuficiente para a ambição de acelerar a descarbonizarão da economia mitigando os seus impactos sociais.
A generalidade dos discursos sobre a descarbonização parece ainda ignorar que ela exigirá uma restruturação económica de grandes proporções, gerando problemas a regiões e destruindo postos de trabalho em quantidades significativas. Não estamos a falar apenas de medidas simpáticas como a mobilidade suave, mas também de algumas que terão custos sociais. Como bem diz o eurodeputado, não podemos desviar para esse fim os recursos dos fundos de coesão, mas procurar novos recursos.
No caso concreto, as zonas envolventes de Sines, da central do Pego e da refinaria de Matosinhos, segundo a notícia as candidatas nacionais a estes fundos, agradecem a consciência social de quem não se limitar a ter um discurso ambiental distraído das pessoas e dos territórios.

23.5.20

Ampliar os cuidados a idosos é uma necessidade social urgente

O sistema português de cuidados a idosos está sob grande pressão, como mostra esta reportagem do DN. Há muito tempo que as técnicas e os técnicos de serviço social nos hospitais são confrontados com o problema da existência de doentes que têm alta clínica mas permanecem internados por ausência de respostas para onde ir e de condições familiares para os acolher.
O nosso sistema, no papel, é bastante avançado, Temos acesso a ele com base na proteção social de cidadania, com comparticipação do Estado e comparticipações dos utentes razoáveis e proporcionais aos seus rendimentos. Mas, por escassez de lugares na rede, é bastante inadequado. Se casos como os mencionados pelo jornal, referenciados pelo serviço nacional de saúde, acabam por ter uma resposta ainda que ineficiente, muitos outros, que impliquem a procura das famílias ou de quem na sociedade civil ou nas autarquias siga os casos, não têm. Nesses casos sobram três alternativas - a rede de respostas não co-financiadas que pratica preços de mercado, proibitivos para a generalidade das famílias e que leva mesmo as classes médias com meios de vida confortáveis à beira da ruína, o internamento em equipamentos ilegais, que combinam baixo preço com cuidados e condições desadequadas, para não usar linguagem chocante, ou os cuidadores informais, que em muitas famílias não há condições para que existam e muitas vezes terminam sendo uma sobrecarga sobre as mulheres.
Quem me lê já pensou porque abadamos há mais de duas décadas a fechar centenas de lares ilegais todos os anos e eles continuam a existir? O fator que empurra as famílias para essa resposta de paupérrima qualidade não se extinguiu e todos os anos o setor dos cuidados ilegais se renova, perpetuando o jogo do gato e do rato com o Estado.
Com o tempo, o problema só pode agravar-se. Vamos viver mais anos e mais anos  com dependência de cuidados. Chegaremos a uma idade em que os potenciais cuidadores serão também eles idosos e a carecer de cuidados. As famílias terão redes de solidariedade menos alargadas e fenómenos vários, incluindo as migrações e a pressão sobre os membros em idade ativa torná-las-ão ainda menos capazes de organizar informalmente as respostas necessárias.
É urgente pensar uma rede com dimensão adequada às necessidades, financiável de modo sustentável, acessível a quem dela necessita a custos comportáveis. Alguns países - como a Alemanha - introduziram a necessidade de cuidados nas eventualidades de segurança social. Mesmo que não se vá por aí temos que criar dispositivos de mutualização de riscos que criem condições para que possamos pagar ao longo da vida para que não necessitemos de pagar preços que não nos serão comportáveis quando já for demasiado tarde.
O desafio às políticas públicas e às entidades do setor social para criar uma rede alternativa à rede mercantil capaz, porque suficientemente extensa, de cobrir as necessidades de cuidados de idosos é evidente. Sabemos que temos uma rede insuficiente e um modelo de financiamento que tem conduzido o Estado a conter o seu crescimento. A criação de modalidades de financiamento dos cuidados ao longo do ciclo de vida e não no momento de que deles necessitamos é prioritária. Estado e sociedade civil não podem fechar os olhos a esta necessidade social urgente.


https://www.dn.pt/edicao-do-dia/23-mai-2020/manuela-no-hospital-a-espera-de-um-lar-manuel-saiu-mas-ja-demente-12227410.html?target=conteudo_fechado

18.5.20

A ler, com aplauso ao governo

O governo compromete-se com um reforço da inspeção do trabalho, que há muito era necessário e que só uma distração com  a função de garantia da efetividade do direito do trabalho nos anos da geringonça, depois do ataque à funcionalidade da inspeção nos anos da troika impediu que já tivesse ocorrido.
A situação que se tornou evidente no início da crise Covid19, de inoperacionalidade, serviu e ainda bem de despertador.
A prioridade agora dada à inspeção é da maior importância, porque sem uma verdadeira “polícia do trabalho”, com a crise económica que se avizinha, a fragilidade atual do mundo sindical e a tendência conhecida das empresas portuguesas para atuar unilateralmente, agravam os riscos de abuso sobre os direitos individuais dos trabalhadores e de desrespeito pelos seus direitos coletivos.
O anterior governo - e o atual na fase anterior - pareciam apostar num “congelamento” da regulação das relações de trabalho. Essa estratégia, que podia oferecer dúvidas a alguns, mas era viável, é inevitavelmente uma das vítimas da Covid19.
Venha daí, agora, uma inspeção do trabalho forte e a seguir uma nova reflexão sobre o direito do trabalho para o mundo pós-sobressalto da Covid19, caso não queiramos passar os próximos anos num far-oeste de evolução casuística, inadaptação a novas realidades e fragilização das instituições reguladoras do mercado de trabalho. Para quem não esteja a ver a magnitude dos desafios, recordo apenas que já por duas vezes vimos ser a Comissão Nacional da Proteção de Dados a intervir abordando, no teletrabalho e agora na medição da febre pelas entidades patronais, aspetos que carecem de densificação num direito do trabalho que continue a proteger a parte débil e a ser relevante face aos novos fenómenos do trabalho.

16.5.20

A ler.

A iniciativa do PEV, que não sei se é secundada por outras semelhantes de algum outro partido, é do mais elementar bom-senso. Uma empresa que escolheu acolher-se a um paraíso fiscal (e espero que nessa definição estejam incluídos a Holanda, o Luxemburgo e as várias ilhas britânicas e não apenas os de fora da Europa) decidiu não participar na comunidade nacional, contornar obrigações fiscais, diminuir por essa via o espaço orçamental de que dispomos para combater os terríveis efeitos esperados da crise que viver dois anos com a Covid19 inevitavelmente vai provocar.
Porque haveríamos de prestar solidariedade a uma entidade que recusou ser solidária com o país? Porque haveríamos de sentir-nos responsáveis pelos destinos de uma entidade que recusou ser responsável, na quota parte que lhe cabia, pelos destinos do país?
Pensando bem, não deveríamos ter esperado pela Covid19 para perceber isto. Mas que seja um efeito lateral positivo de um problema tão grave, ajudará a que o novo normal futuro não seja o regresso a aspetos do passado que não queremos ver repetidos.

15.5.20

Alguém está a preparar a escola pública do tempo da Covid19

De certeza que alguém está já a preparar o próximo ano lectivo e o Primeiro-Ministro trouxe hoje duas mensagens-chave sobre ele: será em convivência com a Covid19 e obrigará as escolas a uma adaptação de grande dimensão. 
A escola pública não pode transferir-se para casa sob pena de passar de mitigadora a produtora de desigualdades. Não é apenas, embora também seja, a exclusão digital de alguns alunos e famílias ou os problemas tecnológicos com internet, computadores, tablets e telemóveis, gerando uma nova deisgualdade de acesso à educação. Nesse campo, aliás, muitas autarquias estão a fazer um esforço notável. É também a compressão da relação pedagógica que retira na educação a distância muita interação com os alunos, tende a reduzir-se para já à transmissão unilateral de conhecimentos, aumenta a dependência dos pais para os apoios educativos e por isso amplia as desigualdades de oportunidades de sucesso entre crianças e jovens de famílias de diferentes meios sociais. A escola em casa devolve às famílias uma centralidade educativa que aprofunda desigualdades, como bem salientou o Rui Pena Pires .
Sabendo que se espera que tenhamos que conviver com a Covid19 mais dois anos, não podemos continuar em clima de improviso e dependentes da capacidade  de adaptação individual de cada professor e de cada família. Como as escolas não vão aparecer do chão como cogumelos e parece claro que terá que haver menos alunos por sala, redução da frequência de espaços coletivos como as cantinas, horários adaptador a que não haja congestionamento de transportes públicos, assim como haverá professores de grupos de risco que não poderão dar aulas presenciais, não é difícil imaginar que a solução que permita não condenar esta geração à falta de acesso à escola de que necessita vai exigir muito trabalho.
Acresce que temos que nos preparar para períodos de novos confinamentos, com a chegada de novas ondas da pandemia. Há mesmo modelos que antecipam um cenário em que a onda do próximo inverno será mais ampla do que a que já vivemos.
Quem está a preparar os próximos dois anos lectivos está seguramente a pensar nisso. Mas não consigo imaginar que tenhamos sucesso sem novos programas de formação contínua de professores para o desenvolvimento de materiais pedagógicos, para o uso das plataformas e adaptação pedagógica a formação a distância e para a interação pedagógica em formas de ensino blended como as que muito provavelmente nos esperam. Como não consigo acreditar que as escolas possam receber a mesma quantidade de alunos com a mesma carga horária que têm nos curricula atuais. Nem acho, pelo que vejo e ouço, que o improviso atual possa continuar ou esteja a permitir globalmente atingir padrões de qualidade e democraticidade que garantam o cumprimento da missão da escola pública. Teria preferido que se assumisse este trimestre de um modo diferente (ver http://paulopedroso.blogspot.com/2020/05/para-que-uma-emergencia-de-saude-nao-se.html), mas essa questão está ultrapassada.
Não invejo o trabalho de quem está a pensar a escola pública nos próximos dois anos e não transformo a minha ignorância do que esteja a ser feito numa crítica a uma inércia que provavelmente não existe. Posso achar que já se devia saber mais sobre o próximo ano lectivo, contudo, porque a participação é um fator de sucesso em política educativa e para que nos possamos preparar. E continuo convencido que as medidas de planeamento das alterações necessárias não podem circunscrever-se à adaptação de espaços e de reforço das capacidades tecnológicas. Ou seja, espero que os recursos pedagógicos necessários estejam a ser preparados e imagino que as ações de formação necessárias estão na forja.
Ao contrário do que possa parecer, não é cedo para saber que escola pública vai esperar os alunos em setembro e parece-me que todos compreenderão que é uma questão pelo menos de tanta relevância como a da medição das distâncias nos restaurantes. Assim como acredito que compreenderão que não é compatível com declarações de intenções tão do outro mundo como a de definir regras que pressupõem que crianças em creche podem estar lá um dia inteiro sem partilhar brinquedos ou se tocar. É preciso tanta imaginação quanto realismo e nem os peritos da saúde não podem ser prescritorss de medidas inexequíveis nem os da educação podem ignorar que a Covid19 estará connosco por tempo suficiente para se poder tratar o desafio com meros ajustes nas infra-estruturas, distribuição de computadores e fitas adesivas nos pavimentos e nas mesas.

13.5.20

A ler.

O Provedor-adjunto de Justiça na sua carta ao governo noticiado pelo Público põe o dedo numa ferida relativa à desproteção de advogados e solicitadores que tem sido subavaliada por todas as partes. O destino da CPAS é apenas parte do problema da desproteção atual.
Uma vez que o DL 10-A/2020 colocou os apoios especiais aos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes na esfera da proteção familiar, financiada pelos impostos e não pelas contribuições, a não cobertura de advogados e solicitadores, que têm caixa própria mas pagam impostos como todos os cidadãos é uma situação de discriminação.
Aqui quem está a faltar ao dever de apoio a advogados e solicitadores que tenha, quebra de actividade não é a sua caixa - a não ser na medida em que não os tenha representado junto do Governo - é o Estado.
Infelizmente a confusão gerada pela existência de uma caixa separadamente torna esta discriminação mais fácil, mas o Governo e os partidos falharam aos advogados ao não os incluir na proteção social excecional. Uma falha que pode e deve ser corrigida a todo o tempo. Os diplomas já foram várias vezes corrigidos. Ainda falta pelo menos a eliminação desta distração.

12.5.20

A ler.

A pandemia está a ser um acelerador de tendências de transformação no mundo laboral e um desses fenómenos em aceleração é o teletrabalho.
Não é apenas uma questão de consagrar o “direito a desligar”, é também a necessidade de densificar a lei sobre os aspetos de regulação do teletrabalho no contrato individual e na contratação coletiva, em aspetos que vão de saber se deve ter que ser requerido ou pode ser imposto, de que requisitos são equilibrados para o acordo entre as partes, de como pode haver poderes de supervisão que não sejam intrusivos da privacidade, como pode garantir-se que não resulta na criação de locais de trabalho sem condições ou que ameacem a segurança e saúde do trabalhador, como é garantido que o trabalhador não fica numa situação de isolamento social que prejudica a dimensão social e coletiva do trabalho.
Há muita matéria para abordar numa revisão da legislação que a súbita explosão do teletrabalho exige e numa atenção da contratação coletiva a este fenómeno, que até agora tem sido diminuta. Mais, ponho mais ênfase na negociação coletiva que na legislação, porque esta deve poder ser mais “fina”, abordando as especificidades de cada setor e resultando numa mais efetiva proteção do trabalhador num contexto que será também favorável para as empresas.

Para que uma emergência de saúde não se torne numa crise educativa

A necessidade de fechar as escolas por razões de saúde pública trouxe um enorme desafio ao sistema educativo, ao qual os países têm procurador responder de diversas formas. Entre as linhas de clivagem principais que encontramos nas respostas encontradas surgem principalmente duas, uma em torno de como usar de modo útil este tempo de parêntesis na vida social normal, outras em torno de quanto afastar as soluções a encontrar para o uso desse tempo útil da pretensão de prosseguir o ano letivo «como se» estivéssemos numa situação normal.
Em particular nos ensinos básico e secundário, o paradigma educativo sobre o qual se trabalha em todo o mundo é o da copresença na sala de aula. Sobre essa matriz estruturante existe uma multiplicidade de estratégias pedagógicas, até agora complementares, que vão das mais conservadoras, como os tradicionais trabalhos de casa que pressupõem forte supervisão parental até às mais inovadoras, de promoção do trabalho autónomo dos alunos, de pesquisa e descoberta, de atenção ao mundo, tendo pelo meio as que a industria de conteúdos educativos foi desenvolvendo e que, entre nós, tendem a estar mais perto do modelo conservador, apenas em novos suportes. 
Em outros artigos deste dossier dá-se conta de como escolas e professores têm construído práticas e situações inovadoras, mesmo que partindo de uma situação de escasso acompanhamento e quase nula orientação para esse esforço. Essas boas práticas não surpreendem quem esteja minimamente familiarizado com o trabalho de muitos professores em muitas escolas que, muitas vezes remando contra a maré das próprias políticas educativas e das pressões exteriores, sempre desenvolveram práticas pedagógicas inovadoras e se responsabilizaram por conseguir chegar da melhor forma possível a todos os seus alunos.
Na emergência em que se fechou o segundo período de aulas parece consensual dizer que predominou a capacidade localizada de iniciativa e que onde ela não existiu escassearam as respostas que chegassem aos alunos. Alunos houve – não disponho de dados que me permitam fazer quantificações – que tiveram acesso a atividades bem estruturadas que lhes permitiram continuar a trabalhar e conseguiu evitar-se a ideia de que se tinha entrado num período de férias por tempo indeterminado. Mas este foi também o tempo de identificar os limites com que se deparam essas práticas e que vão do facto de que há alunos sem acesso à net, a computadores ou mesmo a telefones com ligações de dados, vivendo em famílias que não conseguem dar-lhes apoio ou tendo professores que eles próprios não conseguiram, por razões tecnológicas ou de formação, ou ambas, desenvencilhar-se o suficiente para  tentar chegar aos seus alunos ou conseguir fazê-lo de modo eficaz. Seria irrealista pensar que as boas práticas que devemos sublinhar são o retrato universal do sistema e de que as escolas que conseguiram organizar-se para apoiar os seus alunos tendem a cobrir todo o universo das escolas ou ainda que, onde uns e outras funcionaram, chegaram à generalidade dos alunos.
Mas não devemos ser severos com a capacidade de resposta em situação excecional. O que se fez foi muito bom e cumpriu o objetivo essencial de dizer que a escola não pararia. Temos, contudo, que olhar de modo diferente para o que resta deste ano letivo e para o modo como vai ser lançado o próximo. 
O Governo preparou e apresentou perto do fim das férias da Páscoa o seu plano. Um plano sensato, prudente e participado. No imediato recebeu a concordância generalizada de representantes de professores, direções de escolas e pais. Não é sucesso pequeno para quem agiu em pouco tempo, sob pressão e com grandes níveis de incerteza sobre o que viria a seguir.
Assumiu-se com coragem a situação de exceção em diversos domínios, eliminando provas cujo sentido estava posto em causa neste contexto, tomando decisões como a de desconectar a conclusão do ensino secundário do acesso ao ensino superior e não negando que há um problema de acesso dos alunos aos conteúdos pelos meios de difusão online em que se apostou na resposta imediata.
Podemos apontar o dedo à década perdida por se ter acabado com o Plano Tecnológico para a Educação ou ir mais longe e interrogarmo-nos porque deixámos silenciosamente definhar nos serviços centrais do Ministério da Educação as competências de apoio à inovação educativa de que agora tanto necessitaríamos. Mas esse exercício não nos ajudaria a encontrar uma resposta na crise e a autocrítica foi, na prática, feita de imediato pelo Primeiro-Ministro quando veio, em cima dos acontecimentos, anunciar uma nova ambição, comprometendo-se agora com um salto em frente em acesso a tecnologias para fins educativos que pode tornar-se num dos efeitos laterais positivos desta situação tão negativa.
A resposta do Ministério da Educação para o acesso básico aos conteúdos foi realista. A opção por difundir momentos de apoio ao estudo, pela televisão, da responsabilidade de escolas, num canal que está disponível por todos os meios possíveis – TDT, cabo, internet – e a promessa de procurar chegar a todos os alunos, mobilizando até os CTT, expressam uma real preocupação com a abrangência do acesso a material relevante para que os alunos possam continuar a desenvolver atividades significativas e a extrair o máximo de benefícios possível superando até onde é razoável esperar que se consiga os constrangimentos que vivemos.
Mas é ilusório pensar que, tendo de suspender por exemplo o trabalho que havia nas escolas de prevenção e combate ao insucesso educativo, recorrendo aos pais como educadores auxiliares, conhecendo as profundas assimetrias escolares e sociais destes, permitirá que os novos conteúdos curriculares a lecionar neste terceiro período cheguem aos alunos com uma desigualdade de oportunidades (que sempre existiu, já sabemos) minimamente mitigada. Uma escola básica sem sala de aulas e parcialmente devolvida às famílias é ainda mais socialmente injusta que sempre foi.
Em torno deste ponto, muitos pedagogos pensam – e eu acompanho-os – que é irrealista apostar em usar este tempo para lecionar novos conteúdos, ou pelo menos, acreditar que esses novos conteúdos podem ser considerados como lecionados. Esses pedagogos – e, de novo, acompanho-os – preferem que usemos este tempo para desenvolver atividades dotadas de sentido, que podem incluir novos conteúdos, mas estejam centradas em consolidar aprendizagens, estimular o trabalho autónomo e o sentido crítico, refletir sobre o mundo. Não é necessário que se adote uma aproximação a esta tensão a preto e branco. Uma boa mistura das duas dimensões pode conseguir responder às ansiedades de famílias e professores obcecados com os conteúdos e responder também às necessidades dos alunos, crianças e jovens confinados em casa por algo que não percebem completamente e pode infundir perceções sobre o mundo que importa prevenir e combater.
Seria perverso se acabássemos a viver uma ilusão de normalidade que não foi completamente fechada pelos anúncios já feitos pelo governo. Nomeadamente seria absurdo que se facilitasse a retenção de alunos que não terão acesso adequado aos meios e condições de estudo nos meses que faltam para a conclusão do ano letivo. Se os alunos do ensino básico não vão voltar à sala de aula nem beneficiar daquilo que ao longo de década já tínhamos adquirido para combater o risco de insucesso, seria cruel que a escola aceitasse penalizá-los e, para além de não mitigar desigualdades, fosse agora um agente ativo de exclusão. Dirão alguns que esta posição resvala para o tão fácil de atacar «facilitismo» de que os neoelitistas tanto gostam. Mas não é verdade. Esta posição, obriga isso sim a desenvolver agora o que ainda está indefinido e que é, julgo, o fulcro da verdadeira resposta que necessitamos do governo para que a emergência de saúde pública não se torne numa crise educativa – a adaptação necessária no lançamento do próximo ano letivo. 
O Governo - e deve ser aplaudido por isso – já anunciou que está a trabalhar na adaptação do início do próximo ano letivo às condições precárias em que este será concluído. O sucesso dessa operação é vital e é no seu desenho, sem improviso e com sentido de inclusão social, que reside a esperança em que não seja a saúde pública um fator brutal de agravamento dos efeitos escolares da desigualdade social.
Nesta reflexão deixei à margem a questão que provavelmente mais «mexe» com o governo e a opinião pública que é a das condições de ingresso no ensino superior. Não é o momento de reavaliar esse sistema, mas é o ponto em que a resposta do governo parece mais frágil, dada a incapacidade de o adaptar à situação excecional que vivemos, a tentação de fazer meros ajustamentos de pormenor a provas que estavam feitas em janeiro, como se não tivéssemos atravessado um furacão desde então. Parece que tudo se resolve com pequenos deslizes de calendário e provavelmente um simulacro de aulas presenciais que agora parece adequado, mas quando chegar a hora será fortemente contestado no seu sentido e utilidade. Oxalá me engane, mas mais uma vez se demonstra que o ensino secundário está concebido como máquina de exclusão – repare-se que não há nada de substancial anunciado para o apoio a estes alunos – e que o ingresso no ensino superior é apenas um filtro social, baseado na ilusão napoleónica do nivelamento pelos exames. Mas o sistema está tão injustamente concebido que se percebe a impotência do governo. Creio que nem um terremoto faria os guardiões do templo do ensino superior abrir-se â pluralidade da educação contemporânea.

(Artigo publicado no Jornal de Letras de 22 de abril de 2020, num dossier da tertúlia Inquietações Pedagógicas)

10.5.20

O lay-off vai privar-nos uma semana da espantosa forma de Fernando Alves ser a rádio

A pandemia testa os limites do nosso modelo de ocupação do planeta. Teremos chegado ao limite biológico da nossa capacidade política, como pergunta o hoje Senador Mujica? Acho que sim, como procurei dizer.
Discutimos isto nas vésperas do Fernando Alves partir para o lay-off que obviamente interromperá o programa e sobretudo nos privará a todos na próxima semana da sua espantosa forma de ser a rádio.

A integração da caixa de previdência de advogados e solicitadores na segurança social é uma questão política

A Constituição de 1976 definiu o direito à segurança social a ser exercido no quadro de um sistema unificado e descentralizado. Ao fazê-lo rompia de modo fundamental com dois princípios do sistema de proteção social de antes do 25 de Abril: substituía inequivocamente a ideia de previdência com a subjacente carga individual por um conceito de segurança formulado como direito social e afirmava o princípio da unificação da proteção social contra a fragmentação que vinha do corporativismo e  - embora já mitigado - se mantinha desde a legislação de 1935, feita sob grande influência fascista.
A integração defendida pela Constituição começou a fazer-se logo em 1977 com a criação dos centros distritais de segurança social e a integração nestes de diversas caixas de previdência. Mas várias profissões e atividades resistiram a este movimento, subsistindo diversas caixas por integrar durante décadas. Muitas das caixas não integradas evoluíram para instituições mutualistas. Outras foram integradas em serviços existentes de proteção complementar como os serviços sociais de autarquias ou do Estado. Outras ainda definharam sem serem integradas no devido tempo. Em 2012, a generalidade dessas caixas moribundas foi extinta. Chegámos, assim,  a uma situação em que a caixa de previdência de advogados e solicitadores (CPAS) é virtualmente a última sobrevivente do sistema de proteção social corporativo criado na fase mais ideológica do fascismo português.
A resistência  à integração da CPAS na segurança social foi cedo chancelada pelos governos. Apesar da determinação de integração das caixas na segurança social feita em 1977,  logo em 1978 no governo Nobre da Costa foi atualizado o estatuto da CPAS. Do lado da segurança social, a exclusão foi legitimada pela inclusão em 1993 no regime dos trabalhadores independentes de uma cláusula de exclusão de advogados e solicitadores.
Sendo uma caixa velha e criada com uma concepção clássica de riscos sociais a cobrir, a CPAS não se adaptou aos tempos e manteve-se indiferente à evolução dos dos valores sociais e das configurações dos percursos profissionais das pessoas que cobre. É manifestamente anacrónica e sintomática dessa incapacidade a sua indiferença pela parentalidade, com a consequente ausência de cobertura de riscos  na gravidez e de benefícios a pais e mães com o nascimento dos seus filhos.
É certo que a CPAS manteve regras com razoável paralelismo com a segurança social, nomeadamente em matéria de descontos e fórmulas de cálculo para acesso a pensões de velhice e invalidez, que devem garantir o seu equilíbrio de longo prazo. Mais ainda porque as profissões que cobre são relativamente juvenilizadas com o alargamento a muitos jovens profissionais e porque as presunções de rendimentos que foram estipuladas garantem uma base contributiva significativa. Mas essas presunções, se protegem a longo prazo os as pensões dos beneficiários, vêm com um custo elevado sobretudo para quem não consiga auferir efetivamente os rendimentos presumidos. Este problema, aliás, existiu também no regime dos trabalhadores independentes, mas foi oportunamente corrigido com a sua substituição das presunções pelos rendimentos efetivos.
Os custos de manter o sistema de segurança social que ao contrário da convicção generalizada não é privado mas público regulado ainda pelos princípios do corporativismo tornaram-se mais evidentes com a crise associada à Covid19 e as respostas acionadas pelo governo e pela CPAS. Com efeito, nos termos do decreto-lei 10/A 2020, foram acionados apoio excecionais a trabalhadores independentes e a trabalhadores por conta de outrem que pouparam o sistema previdencial da Segurança Social, por serem enquadrados no âmbito do subsistema de proteção familiar,que não estão disponíveis para os beneficiários da CPAS. Compreende-se que esta caixa não queira pôr em causa o seu equilíbrio com benefícios semelhantes. Por outro lado pode argumentar-se que, se o orçamento de Estado vai proteger os trabalhadores da Segurança Social, poderia também protegido os da CPAS. Afinal nos termos do DL 10/A de 2020 é a proteção social de cidadania que é ativada, ou seja são os impostos que todos pagam que financiam as medidas.
Mas este problema é revelador dos riscos de manter uma proteção social separada para um grupo profissional que se vê a si mesmo como privilegiado e pretende manter-se separado do contrato social global. Agora que esse suposto previlégio pode redundar em prejuízo para os beneficiários, tal como já se tinha visto que a gestão autónoma de riscos sociais não levava a uma fácil adaptação e resposta a novos problemas e valores, pode ser que as consciências despertem. Mas o que está verdadeiramente em causa é superar uma anomalia na segurança social que transforma os advogados, solicitadores e agentes de execução em últimos resistentes ao modelo de proteção social desenhado pela Constituição. Ou seja, integrar a CPAS na segurança social não é um mero problema técnico, de gestão ou de resposta a um problema de curto prazo, é uma questão de afirmação do sistema democrático constitucional. É uma questão política e de modelo de cidadania social.
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9.5.20

A ler, porque não se deve fechar os olhos às ameaças.

O Público abre-se hoje a uma visão fascizante da história portuguesa pela voz de Nuno Melo. O texto do Eurodeputado do CDS tem três linhas de exposição.
Numa, o homem que com o seu partido tentou intimidar professores por terem escolhido um recurso pedagógico audiovisual de um historiador reconhecido pelos seus pares, queixa-se do nível da linguagem que lhe é dirigido. Nada a dizer, a não ser que Nuno Melo está mais habituado a lançar do que a receber impropérios.
Noutra, expõe a sua ignorância sobre o profissionalismo e rigor dos cientistas, neste caso dos cientistas sociais. Para Nuno Melo, um historiador não pode ser simultaneamente uma pessoa com empenhamento cívico e compartimentar devidamente essas duas facetas. É uma posição típica de um ignorante e uma ofensa aos cientistas. Aqui já resvala para o tipo de atitude que vemos em mentes autoritárias para quem não há raciocínios independentes nem distanciados, nem busca da verdade, com rigor e método, apenas propagandas cruzadas. Nuno Melo coloca-se nessa atitude ao nível dos que em cada século, cada um à sua maneira, exigem que a terra não se mova.
Mas na terceira linha, a que verdadeiramente demonstra ao que vem, Nuno Melo amplia a sua ignorante crítica do historiador para um ataque à história, que quer transformar em propaganda. Em Portugal os que glorificam tudo o que diz respeito aos descobrimentos e vilificam tudo o que tem a ver com a 1a República, não estão apenas a ser ignorantes e a não fazer boa ciência histórica, fazem parte de uma narrativa manipuladora da nossa história para fins políticos muito determinados. Como todos sabemos é a narrativa do mito de origem do nosso fascismo. Para que não fiquemos com dúvidas do que tem em mente, embora no seu artigo nada conduza a que sequer saiba o que a palavra marxismo quer dizer, dá-lhe o título que a sua retórica exige, erguendo o dedo ao “marxismo cultural”. Para ser completo é bom aluno da escola que invoca, faltou-lhe denunciar ainda o bolchevismo e o anarquismo. Felizmente não pode atiçar qualquer PIDE contra tais facinoras, pelo que tem que os denunciar na imprensa.
O artigo de Nuno Melo é uma tentativa desesperada de saltar para a prancha do populismo que julga que lhe permitirá agarrar a onda do seu eleitorado. É mais um epitáfio ao partido do centro democrático e social, feito por um ativista do partido populista.

6.5.20

O CDS, aprendiz de feiticeiro do autoritarismo

O que o CDS fez chama-se intimidação e tem um longo historial no autoritarismo em forma embrionária. O simples facto de obrigar a repor a verdade e a denunciar o gesto já é mau para a qualidade da democracia. Ou o CDS retira o absurdo requerimento ou muda para um campo que já não é democrático, em que morrerá sem glória nem honra e às mãos daqueles a quem tenta retirar taticamente espaço e que já provaram ser mestres na tática, porque mais primários, manipuladores e menos escrupulosos do que os aprendizes de feiticeiro.

De acordo com a proposta de subsídio de desemprego do BE

O BE propõe uma medida que protege os desempregados que já sofriam os efeitos da precariedade antes de o serem. Completamente de acordo com o bloco nesta matéria. Aliás já tinha defendido medida semelhante..

5.5.20

A ler

As nossas atenções andam monotemáticas, concentradas na Covid19,  mas os riscos que o mundo enfrenta não desapareceram nas outras frentes. A investigação hoje divulgada pelo Guardian dá conta de que só na Índia mais de mil milhões de pessoas vivem em zonas que com o aquecimento global previsto dentro de cinquenta anos serão virtualmente inabitáveis, atingindo temperaturas médias idênticas à do deserto do Sahara. A estas juntam-se as que serão desalijadas em todo o mundo pela subida das àguas. Inevitável,ente gerar-se-ão gigantescos movimentos populacionais e uma enorme pressão sobre os recursos que gerarão conflitos nas zonas que receberão estes refugiados do clima. Já hoje um dos aspetos negligenciados de conflitos em várias zonas do mundo é ecológico. O relógio do planeta continua a andar perante a nossa até agora impotência  para o reverter.

4.5.20

A ler.

A ler.
Carlos Lopes expõe com grande abrangência os desafios que Africa enfrenta na pandemia. Com sistemas de saúde frágeis, dependência de recursos que estarão em baixa nos próximos anos e uma pilha de dívida, as alternativas não são muitas, quando estava já afogada numa pilha de dívida. Agora essa dívida externa é a um novo parceiro, a China, que não faz parte do Clube de Paris. Em mais um tabuleiro é a China a grande potência que poderá ajudar - ou não - a sair menos mal da crise.

3.5.20

Timothy Steiger na espantosa realidade das coisas de 3 de maio de 2020

Neste programa o meu contributo foi sobre democracia, populismo e verdade.

https://podcasts.apple.com/pt/podcast/tsf-a-espantosa-realidade-das-coisas-podcast/id1483748495

Os idosos têm o direito a saber quando são retomadas as visitas

O respeito pela dignidade do idoso exige que não sejam as pessoas mais velhas tratadas como objetos mas como sujeitos das políticas públicas. Compreende-se perfeitamente que num momento de emergência - e sabendo que por toda a Europa eram os lares um dos maiores focos de mortalidade da Covid19 - se tenha proibido as visitas a lares e estruturas residenciais.
Pode discutir-se se o governo foi igualmente célere a tomar todas as medidas que se impunham, porque a restrição do contacto com os familiares não eliminam o grande risco que é o dos contactos dos cidadãos em lares com as pessoas que deles cuidam e os acompanham quotidianamente, os funcionários. Mas nesta matéria não há país que possa apontar o dedo a outros. Nem a Suécia que dizia ter posto toda a prioridade na proteção dos idosos conseguiu impedir a elevada incidência de mortalidade por Covid19 nos seus lares.
Porque são os lares locais tão perigosos? Acumulam-se evidentemente muitos factores, começando pela concentração de pessoas vulneráveis, mas não podemos esquecer o baixo nível de formação e de remuneração dos funcionários, as reais condições de funcionamento dos lares existentes, nem todos com quartos individuais ou duplos, nem a persistência de lares em situação ilegal, cujas condições higiénicas e sanitárias desconhecemos, mas antecipamos precárias. Mas temos que acreditar que a regulação funcionou e funcionava antes da Covid19 para todos os outros, ou estaremos a reconhecer outro - e grave  - problema.
A operação em curso para prevenir uma tragédia nos lares merece todo o apoio. Mas não pode esquecer que os idosos são pessoas de pleno direito. O regresso das visitas não pode ser amanhã, compreende-se. Mas não é aceitável que não tenha data prevista, nem estratégia partilhada com os cidadãos idosos e seus representantes, nem sequer com as entidades que gerem os lares, num momento em que já há um plano geral de desconfinamento.
A democracia nunca esteve suspensa, mas com uma proibição de visitas, total, sem critérios, em que não há distinção de condições, informação, partilha de fatores e condicionantes, ela está efetivamente muito periclitante, a não conseguir garantir um direito fundamental para os idosos em lar e suas famílias, que são cidadãos livres e iguais em direitos e deveres a todos os outros.
A proteção da vida justificou a interdição temporária das visitas, mas a proteção da dignidade impõe transparência nessa interdição e informação do que a mantém absolutamente necessária. O segundo elemento, neste momento, não existe e torna o internamento em lar numa reclusão severa, que não é sequer equilibrada do ponto de vista da prevenção dos riscos de saúde, se tivermos em conta a saúde mental.

1.5.20

Conversa com Carlos Farinha Rodrigues e Susana Ramos sobre direitos sociais

A videoconferência do PS em que participei com Carlos Farinha Rodrigues e Susana Ramos está disponível no youtube. Querendo, veja. A Lusa fez também uma notícia, que pode ler no Público.

A minha vontade de obedecer aumentou

Na saída do estado de emergência há uma série de proibições que vão passar a ser recomendações e parece que andam por aí juristas preocupados com o facto de o Estado abdicar de usar restrições de direitos, liberdades e garantias a partir da próxima segunda-feira.
O próprio Primeiro-Ministro na entrevista à RTP sentiu necessidade de avisar que poderia ser necessário dar passos atrás, embora também tenha dito, com uma clareza que deve ser saudada, que, com exceção da proibição do direito à greve (e do direito de resistência, acrescento eu), nada mais o estado de urgência trouxe que não pudesse ter sido feito sem ele. E essa proibição do direito à greve, acrescento, ficará para a história como a mais inútil das medidas tomadas. Portugal em 2020 não teria sido o Chile de 1973 e com a Autoridade das Condições de Trabalho em coma, devia ter-se dado um sinal  de força aos sindicatos. Foram eles, aliás, quem, com alguns partidos, protagonizou a pouca vigilância contra abusos no mundo do trabalho que foi possível ter.
Em Portugal manteve-se sempre o Parlamento a funcionar, permitindo um mínimo de escrutínio da atividade do governo, mesmo em estado de emergência.
O que se prepara para maio é provavelmente o plano que sempre deveríamos ter tido, reagindo proporcionalmente à intensidade da ameaça, restringindo só o que tiver que ser restringido e apelando à responsabilidade cívica.
Há nas decisões sobre o que reabre e o que não reabre muitos aspetos que podem ser discutíveis, mas revelam o que um governo dialogante tem que arbitrar. E ajudam a perceber quais são mesmo os poderes que não podem ser afrontados, onde estão os interesses verdadeiramente organizados. Não resisto a convidar à reflexão de porque tem por força que fazer-se os jogos que faltam para acabar o campeonato de futebol da I divisão mas várias modalidades desportivas não podem retomar-se. Ou como li no Azar do Kralj, o aspeto caricato de como vai poder defender-se um canto sem um ajuntamento de mais de 10 pessoas. Ou porque se pôde fazer uma revolução de contornos e consequências difíceis de antecipar em todo o sistema educativo mas se mantêm os sacrossantos exames de acesso ao ensino superior, com provas feitas antes da pandemia que os guardiões do templo recusaram rever, impondo aos alunos do 11o e 12o anos um regresso à escola que não é para aprender mas para poderem ser seriados com um simulacro de igualdade de oportunidades.
Nada disto prejudica a criteriosa ação do governo e a inteligente gestão desta fase em que volta a estar aos comandos da ação governativa enfraquecendo o condomínio com Belém a que, com felicidade e graça, o Pedro Adao e Silva chama o Bloco Central de palácios.
Há juristas que se preocupam com a fragilidade jurídica do recurso à noção de dever cívico geral de recolhimento. Compreendo-os. Apenas acreditam no poder coercivo do Estado que fica um pouco mais fraco. Mas saúdo o governo pelo voto de confiança na solidez das conviccoes democráticas dos portugueses. O mês de abril demonstrou que não somos um povo de vandalos e não ocorreu nenhum dos cenários distópicos que os autoritários não se percebe se receiam ou desejam para mostrar as suas garras. Não houve violência nem pilhagens, nem aumento da insegurança.
O governo convida-nos a que em maio (e junho e...) demonstremos que se pode ouvir com respeito as orientações do governo e que somos adultos e responsáveis, capazes de perceber que a ameaça não desapareceu e temos a responsabilidade individual e coletiva de a combater. Recomendar-me que fique em casa em vez de me proibir de sair, não é um sinal de fraqueza do Estado, mas de força, de confiança na comunidade. A confiança de que se faz a viabilidade da democracia. Ontem, com este plano, o governo deu-nos uma lição de confiança. Contra autoritarismos e securitarismos. Cabe-nos agora estar à altura dessa confiança.
Eu confesso que a minha vontade de obedecer ao governo ontem aumentou, em vez de diminuir.

O futuro dos direitos sociais