30.4.20

A ler.

Não gostamos dos sem-abrigo, porque temos vergonha da verdade que dizem sobre NÓS. Cada vez me convenço mais de que o discurso da força de vontade para reabilitação pessoal é apenas banha da cobra, se não houver uma mão amiga pronta a puxar-nos e a criar laços verdadeiramente humanos. Nesta cidade, às vezes o único lugar onde encontro uma pessoa corajosa e honesta é na rua.”

Porque um testemunho pode valer por cem análises. Os sem-abrigo antes de o serem já eram sem-amigos, sem-cuidadores, sem-solidariedade ou, como preferiria, indo à designação original dos defensores da liberdade, sem-fraternidade. E quem pense os sem-abrigo e a sua inclusão como simples superação de défices individuais não percebe o que está a fazer.
A exclusão social tem sempre um braço de uma sociedade organizada para excluir ou, se quiserem que o diga de modo mais prudente, não organizada para incluir. E há razões para pessimismo, porque algures nos últimos vinte anos o país fechou de novo os olhos à exclusão social profunda, por uma misteriosa indiferença que levou consigo o fim de programas nacionais de luta contra a pobreza, o desaparecimento de uma política de emprego direcionada para as pessoas em maior vulnerabilidade, a aniquilação do potencial de inserção social do RSI, o retrocesso de iniciativas de desenvolvimento social, o fim do mercado social de emprego. E não culpem a direita por isso, que esse esquecimento foi obra de todos os governos e a perda de prioridade do tema nas agendas atingiu todas as oposições. Disto nem sequer temos o conforto de poder eleger Passos Coelho como bode expiatório.
Oxalá a sensação de que somos todos frágeis que a pandemia nos trouxe ajude a inverter esta tendência para “deixá-los ir” e mesmo culpabilizá-los, aos que são vítimas de uma sociedade que exclui, claro.

26.4.20

A espantosa realidade das coisas - programa de 26.04.2020

Nem ventiladores, nem água, nem sabão. A Covid19 não é tão democrática nas suas repercussões como dizem. Quem vive num país menos desenvolvido e sem sistema de saúde pública eficaz sofre mais. Perante a espantosa desigualdade dos países para lutar contra a Covid19, hoje o meu contributo para o magazine foi sobre estes assuntos.
O jornalista Fernando Alves perguntou ao sociólogo e professor do ISCTE, Paulo Pedroso, se num quadro deste tipo grande parte da população africana não estará afinal arriscando-se a fazer o papel de cobaia, quando as coisas se descontrolarem? "Estará completamente desprotegida", respondeu o comentador residente do magazine dos domingos. "Esses números são chocantes mas não são novos. E esta vulnerabilidade já existia com a gripe e, muito mais, com a tuberculose, com a malária. Os países de África como, de um modo geral, os países desenvolvidos, têm um problema sério a que o mundo não deu a atenção devida, o de falta de sistemas de saúde pública. Isso deriva, por um lado, da pobreza dos países e , por outro, da falta de prioridade da ajuda ao desenvolvimento para o reforço desses sistemas. Não se olhou para a saúde como um elemento básico da sobrevivência desses países. Se a pandemia é uma ameaça a nível global, ela é uma tragédia nos países mais pobres em que entrar, não só em África".
Paulo Pedroso comenta quadros igualmente sintomáticos da extrema vulnerabilidade dos países mais pobres de África. Fala da água potável e do sabão que escasseiam em muitos lugares de África. Há dois anos, as Nações Unidas comprovaram que 97% das casas da Libéria não têm água limpa nem sabão. E é de coisas tão simples, tão básicas, que África precisa neste momento.
E comenta ainda o alerta das Nações Unidas para a possibilidade de a pobreza extrema vir a atingir 62 milhões de crianças em todo o mundo. Elas seriam, desse modo, as grandes vítimas da pandemia devido ao impacto de longa duração provocado pela crise nos países mais pobres. Estamos a falar apenas das crianças lançadas para a pobreza extrema devido à Covid-19, já que um documento da Unicef já o ano passado contabilizava 386 milhões de crianças em pobreza extrema no mundo. Ora isto pode contrariar os relativos progressos que estavam a ser obtidos nos últimos três anos nesta frente que vai das zonas de guerra aos campos de refugiados.
Por fim, reflecte sobre o facto de, em Portugal, mais de um milhão de trabalhadores terem entrado em lay-off, respondendo à pergunta "que percentagens destes trabalhadores terão o seu posto de trabalho de volta quando puderem retirar as máscaras.

25.4.20

Oxalá o Governo ouça a Senhora Provedora

A Provedora de Justiça vem defender apoios a trabalhadores em situação precária que o Estado deixou desprotegidos na crise, nomeadamente trabalhadores independentes com atividade aberta à menos de um ano e os que têm atividade intermitente.
É estranho que este alerta se tenha tornado necessário, no que revela de ausência de reação política à singularidade desta crise, de inércia, como se de uma mera flutuação da atividade económica se tratasse. Mas é necessário que seja ouvido, para que não se repita nesta crise um dos aspetos pelos quais o modelo conservador de Estado-Providencia mais é criticado, o de proteger só quem estava já em situação de menor precariedade à partida, reproduzindo e agravando o dualismo social. Oxalá o Governo ouça a Senhora Provedora e aja em conformidade.

https://www.publico.pt/1913791

O olhar sociológico de Rui Pena Pires sobre a crise COVID-19

A Covid19, os Estados, as liberdades e as desigualdades. Uma análise sociológica de Rui Pena Pires que vale a pena ter presente numa reflexão sobre o significado do 25 de abril na escolha das respostas aos desafios de hoje.


21.4.20

A maldição dos recursos e os recursos dos insurgentes

As notícias sobre Cabo Delgado como esta do Público dão conta de como há um padrão na formação de guerrilhas em contextos em que há simultaneamente recursos naturais valiosos, apropriados por minorias, oligarquias e elites, extrema desigualdade e pobreza, que aumenta para uns de modo concomitante com a riqueza de outros.
A partir dos anos sessenta do século passado muitas destas guerrilhas nasceram e cresceram em diversas partes do mundo, alimentando sucessivas vagas de movimentos que, começaram alimentados pela justa aspiração à auto-determinação contra a apropriação de recursos por potências coloniais e ocupantes, tiveram uma segunda fase em que predominaram insurgencias revolucionárias de princípios e/ou retórica marxista e guevarista e, nas últimas duas décadas têm sido cada vez mais pasto para a propagação dos fundamentalismos islâmicos ou outros de base religiosa.
Há nestas vagas algum paralelismo com o banditismo social que ainda assolava a Europa no século XIX, criando temor nas populações civis, alimentando-se da corrupção e da ineficácia do Estado e usando o mito de Robin dos Bosques para grangear adesão, enquanto se desenvolve uma intricada - e muitas vezes escondida - relação entre espalhar o terror, raptar, roubar e “proteger”, apelando a uma visão de redenção futura.
Em cada uma dessas vagas usou-se o quadro de análise da repressão da criminalidade até que este falhou, em alguns casos, estrondosamente. Alguns desses bandidos ganharam foro de cidadania, houve casos de sucesso de integração na vida social, como houve terríveis derrotas.
O que se passa no Norte de Moçambique não é novo no mundo, embora possa parecer-nos agora mais próximo porque é num país com que temos relações de proximidade. E costuma acabar bastante mal. Cabo Delgado tem todos os ingredientes para que o problema cresça: presença frágil do Estado, corrupção, riquezas em cuja apropriação a população autóctone não participa, atividades ilegais lucrativas que exigem capacidade armada e, cada vez mais, a utilização pelo Estado de repressão tida como ilegítima, neste caso não com paramilitares, mas com exércitos privados de mercenários contratados a empresas estrangeiras para conseguir o que as forças domésticas regulares são incapazes de fazer.
Para que haja uma solução estritamente militar e de segurança de curto prazo para este problema terá que haver uma política moçambicana que seja vista como responsabilizável pelas populações locais, uma distribuição mais justa de recursos e uma atenção à melhoria das condições de vida da população que quase sempre faltam nas abordagens repressivas precoces.
Se assim não for - e assim não está a ser - a maldição dos recursos apropriados por poucos alimentará os recursos dos insurgentes: a insegurança das populações, a oferta de uma narrativa de redenção futura e a gestão em tensão entre a sedução, a extorsão e o medo que a farão crescer até ao dia em que o caos estará instalado. E pode ficar por anos ou décadas. Cabo Delgado reúne todas as condições para se vir juntar a tragédias em curso em países vizinhos, em várias zonas de África e em outras geografias que nem imaginamos, num drama que vai da Nigéria ao Myanmar, muito para além dos casos que estão no topo da cobertura dos media mundiais.

https://www.publico.pt/1913097

19.4.20

Às Berlengas nem a pneumónica chegou.

Com o Fernando Alves de volta ao estúdio, a realidade das coisas voltou a ser espantosa e foi até às Berlengas onde nem a pneumónica chegou. A mim coube-me o papel de céptico sobre a resposta europeia, no que até agora se pode ver.

Morin espera que desta crise possa ressurgir um espírito comunitário capaz de superar "os erros do passado". Paulo Pedroso confessa-se "céptico" quanto à capacidade da Europa para responder a esta esperança a que Edgar Morin dá voz: "Os primeiros sinais não são bons. O que nós vimos foi, em emergência, um egoísmo nacional que atingiu até a retenção de exportações de material médico entre países europeus. Não vimos uma primeira reacção de solidariedade. Pelo contrário, vimos uma primeira reacção como se a União Europeia não existisse, mesmo em aspectos para os quais ela está montada. De algum modo, houve uma auto-crítica e o momento alto dessa auto-crítica, até agora, é o texto que a senhora Van der Leyen publicou num jornal italiano e que, de algum modo, é um pedido de desculpas aos italianos. Mas não estão ainda tomadas medidas à escala das necessidades". Para Paulo Pedroso, "este é o momento em que ou há um impulso, ou se cumpre um dos sonhos dos pais fundadores, o de que a Europa seria mais forte em cada crise, ou pode acontecer que a União Europeia tenha, ao mesmo tempo que se aprofundou institucionalmente, que chegou longe na criação de uma união económica e monetária, se tenha tornado socialmente insensível. E se, nesta pandemia, nós virmos ressurgir o mesmo tipo de actuação e de divisão entre o Norte e o Sul, entre países contribuintes e países beneficiários a que assistimos aquando da crise económica de 2008/2009 há sérios riscos de que o projecto europeu, não direi que se desmorone, venha a perder a adesão das populações. Os primeiros sinais da desconfiança da população italiana face à União Europeia são aterradores. E estamos a falar de um dos países fundadores. Esta é a hora da verdade".


https://www.tsf.pt/programa/a-espantosa-realidade-das-coisas/ernesto-candeias-faroleiro-das-berlengas-nos-ja-cumprimos-o-isolamento-ha-muito-tempo-12085577.html

2.4.20

Solidariedade nacional para com todos os desempregados


Portugal já tinha um problema com a proteção dos desempregados antes de chegar a pandemia. Em fevereiro de 2020 47% dos desempregados não recebiam subsídio de desemprego nem subsídio social de desemprego. Em 2018, último ano para o qual temos estatísticas da pobreza, 45,6% dos desempregados eram pobres quando a mesma taxa para as pessoas em idade ativa não chegava a 17%. Mas nos últimos anos, embalados pelo crescimento do emprego, dedicámos pouca ou nenhuma atenção ao facto de que os desempregados são os mais vulneráveis à pobreza

Leia o artigo e a proposta de um subsídio extraordinário de desemprego  no DN.