8.10.15

Com mandato para descontinuar governo de Passos Coelho, a nova maioriaterá que formar-se em bases sólidas

As eleições legislativas não são um campeonato de futebol, em que o primeiro é o vencedor. 
As forças vencedoras de uma eleição são as que expressam a maior vontade comum possível. Por isso a Constituição pede ao Presidente da República que indigite o Primeiro-Ministro tendo em conta os resultados eleitorais e não gera nenhum automatismo de indigitação da força mais votada.
Dir-me-ão que até hoje, entre nós, os Primeiros-Ministros sempre vieram das forças eleitorais vencedoras. Não é, contudo, verdade, pois já houve os governos de iniciativa presidencial, que nem sequer vieram dos partidos. Mas, se o fosse, seria por mera razão circunstancial, já que o Parlamento português esteve até agora bloqueado pela exclusão absoluta do PCP das hipóteses de formação de governo, exclusão imposta também a ou aceite pelo Bloco desde que passou a ter representação parlamentar.
Essa circunstância é, aliás, uma especificidade portuguesa, não seguida pela generalidade dos países que têm um sistema eleitoral proporcional. Há hoje vários países da Europa em que o primeiro-ministro lidera uma coligação formada pela segunda força mais votada e seus aliados, depois de isolada a força colocada em primeiro lugar.
Há mesmo precedentes históricos tão importantes quanto a chegada ao poder na Alemanha de Willi Brandt à frente de uma coligação com os liberais, depois de a CDU ter sido a força mais votada. E esse governo teve enorme relevância mundial.
No nosso sistema, cabe aos partidos interpretar o mandato que o povo lhes deu e agir no respeito desse mandato. O PS disse claramente que queria um mandato para governar diferente de e sem Passos Coelho. Ao afastar-se disto desrespeitaria o voto que pediu. Pode respeitar esse voto na oposição ou formando uma maioria nova. E é aqui que a história está a acontecer.
A grande mudança a que estamos a assistir e que parece que muitos ainda não perceberam que está mesmo a acontecer resulta de o PS há um ano ter rejeitado a exclusão do PCP e do BE das responsabilidades governativas e de o Comité Central do PCP ter esta semana levantado a auto-inibição que o PCP se tinha reflexamente imposto desde o 25 de Novembro.
Com estas mudanças passou a ser possível haver uma alternativa maioritária no parlamento à coligação de direita, caso o Bloco não pare agora o relógio da história que Costa e Jerónimo puseram a andar.
Mas não podem o PS, o PCP ou o BE ter ilusões sobre o que se está a passar. 
Mudar o rumo da história é sempre mais difícil que deixar-se levar na corrente das tradições.
O possível entendimento destas forças não resulta de uma vitória esmagadora e os resultados eleitorais permitem leituras contraditórias, forçando a que todas as suas interpretações reflictam as perspectivas políticas dos seus autores.
O escrutínio político e mediático de um entendimento entre PS, PCP e BE será intenso e na fase inicial hostil, porque baseado em teoremas que as pessoas entenderam como axiomas e transformaram em leis políticas sobre a impossibilidade de uma relação de cooperação a nível nacional do PS com as forças à sua esquerda.
O PS será atravessado pela fractura identitária entre os que o reconhecem essencialmente como a garantia de que os comunistas nunca chegarão ao  poder e os que nele se revêem como força lider das esquerdas portuguesas.
No BE, certamente, talvez também no PCP, as visões mais sectárias tudo farão para desestabilizar um acordo de legislatura com o PS, o mesmo acontecendo com a ala direita do PS.
Por tudo isto, um entendimento entre o PS, o PCP e o BE que seja frouxo, dissimulado ou desresponsabilizador de qualquer das partes conduziria os seus autores ao descrédito e a esquerda a um beco sem saída.
Na minha visão, o PS tem a obrigação de não deixar que subsista qualquer dúvida de que está convicto de que recebeu dos portugueses um mandato para descontinuar o governo liderado por Passos Coelho e não para o suavizar. Mas o PCP e o BE não podem deixar que haja qualquer sombra de dúvida de que não estão a negociar entendimentos com reserva mental ou vontade de tergiversar.
A questão política de fundo que legitima as conversações entre a esquerda é simples. A coligação de direita está isolada e teve a rejeição da maioria dos eleitores do país.
Agora é preciso confiança entre os partidos para que o processo tenha qualquer seguimento. E essa confiança passa por dizer aos portugueses em que é que o programa de coligação de esquerda se baseia, quais são as cedências recíprocas e qual é o resultado final comumente aceite. 
Como passa necessariamente pela vinculação dos subscritores de um acordo para uma maioria de esquerda ao exercício de  funções governativas. 
Não nos iludamos. Ou muda tudo na relação entre os partidos de esquerda ou esta  negociação é um mero fogo fátuo.
O sucesso deste entendimento não será a formação de um governo, será a capacidade de levar esse governo até ao fim da legislatura, mudando de política, conseguindo crescimento económico e fazendo diminuir as desigualdades.
António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins têm uma tarefa histórica em mãos. Ou a realizam com sucesso ou são esmagados por ela e fica tudo como dantes.

2 comentários:

Francisco Clamote disse...

Brilhante, Paulo. Como sempre. Grande abraço.

Anónimo disse...

Mas alguém de bom senso acredita que o PS irá arriscar um governo com a sua esquerda. Não é o PCP, e muito,menos o BE , que não querem um governo de esquerda , são os compromissos do PS que o não permitem. Amanhã depois das ofertas do PSD e do CDS, tudo ficará clarificado, e reunião segunda-feira com o BE, será meramente para marcar calendário, amanhã o cozinhado PS-PSD -CDS ficará alinhavado para ser assinado em tempo oportuno.