9.11.16

A América vermelha

Não vai faltar quem explique muito bem o que se passou nas presidenciais americanas. Não faço parte desse grupo. Só consigo achar que para interpretar o que está a acontecer é necessário estudar meia dúzia de tópicos, realizar uns quantos debates e energizar alternativas.
Antes de mais, estudar bem a história dos anos 30, de como o mundo saiu da crise de 1929, de como o padrão ouro agravou as dificuldades económicas e as democracias lutaram - por vezes sem sucesso - para não sucumbir perante os mandatos conferidos por voto popular.
Estudar também ciência política, o que fizeram os Presidentes americanos eleitos com cartas em branco, com discursos que se antecipava que não poderiam ser programas presidenciais a sério. Que relação terá o Presidente eleito com o candidato ganhador e que efeitos terá o seu comportamento no mundo? Que será um mundo assente na cooperação Trump-Putin? Que outros paralelos de amizade com o adversário haverá? Com que efeitos?
Depois, há que estudar os eleitorados. Bauman dizia que a globalização era a vingança dos nómadas, o predomínio de uma elite cosmopolita e altamente móvel. Virá aí uma vingança dos derrotados da globalização que ficaram sem vozes mainstream? E como será ela? Como reagirá o mundo governado pelos protagonistas dessa vingança? Como será o mundo em que todos querem ter o controlo de volta?
Finalmente, olhar para a derrocada de instituições que pareciam muito sólidas , como os media. Desde quando é possível ganhar eleições contra os sacrossantos mediadores dos massmedia? Como é possível ganhar contra todos eles? O que vai ser a democracia em que a mediação política é feita por miríades de redes, mais ou menos sérias, mais ou menos militantes, mais ou menos fantasistas, mais ou menos amadoras?
Eu vou demorar a perceber como pode a democracia gerar Trump no século XXI e a antecipar o que vão ser os EUA nos próximos quatro anos, com Trump e maioria republicana. E o que isso vai fazer ao mundo.
Tendo a não ser apocalíptico e a achar que há tantos checks and balances nos EUA que as coisas não mudarão drasticamente. Mas a maioria do Supremo Tribunal vai ser definida por ele. 
Uma coisa parece-me certa, a derrota de Hillary é o fim da via aberta na política pela eleição de Bill. Os Clinton a abriram, os Clinton a fecharam. O Partido Republicano foi implodido por Trump no caminho para a vitória. O Partido Democrata tem que repensar-se. Como na Europa, os partidos sociais-democratas não podem pensar que o futuro é a terceira via suave recauchutada. Na América parece que o centro morreu. E no resto do mundo, que será das third ways e dos neue mitte? Será o caminho manter Merkel no poder pela mão do SPD, por exemplo? Como será a Europa se Le Pen ganhar as presidenciais e o 5 estrelas chegar ao governo?
Há, é claro, explicações mais fáceis e mais lineares que estas divagações. Clinton convenceu menos negros, latinos e asiáticos que Obama, por exemplo. É simples e explica tudo. O que implica aceitar como razoável que alguém como Trump convença uma maioria de brancos, pouco escolarizados e rurais a derrotar as cidades globalizadas e as zonas industriais e rurais a derrotar as metrópoles. O que fará a próxima geração de americanos com esta vitória de Trump e o que fará, antes deles, Trump com a sua própria vitória? Muita gente sabe, eu não.


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