9.12.19

A máquina de fabricar estrangeiros

Se, como dizem as notícias, o PS não apoiar a adoção do jus solis na lei da nacionalidade, ao contrário do que propõem o BE, o PCP, o PAN, os Verdes e o Livre, não estará a ser uma força política moderada, mas ponta de lança de uma visão conservadora da sociedade europeia que alimentou germes de ódio. Estará a alimentar de novo uma perigosa máquina de fabricar estrangeiros na sua própria terra. https://www.tsf.pt/opiniao/a-maquina-de-fabricar-estrangeiros-11595662.html

21.10.19

A Espantosa realidade das coisas

Ouça TSF - A espantosa realidade das coisas - um programa de Fernando Alves, com a Rita Figueiras, a Teresa Dias Mendes e eu próprio.
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29.9.19

Assim se estraga uma campanha eleitoral

1. A justiça volta a ocupar o palco central numa campanha eleitoral. É um mau hábito, este de os tempos da justiça pretenderem ser tão independentes da política que tropeçam sempre nela. Mas pode ser só o velho hábito português de fazer tudo no último dia e o Ministério Público, tendo um prazo máximo que terminaria em tempo de campanha para não exceder o prazo de prisões preventivas, pode não ter percebido que era do interesse nacional, portanto também da justiça, que não gastasse todo o prazo de que dispunha.
2. Rui Rio atirou para o lixo todo o discurso que fazia dele um político diferente nas questões de justiça. Não tanto porque tentou ter ganhos eleitorais com o caso, isso faz parte da fria realidade da política, mas porque toma uma acusação do Ministério Público como ponto de partida para o estabelecimento da verdade. Infelizmente em Portugal o Ministério Público há muito que deixou de merecer esse estatuto. Funciona excessivamente como parte e demasiado pouco como magistratura que busca a verdade acima da sua posição específica. Num processo em que houve tanta violação seletiva do segredo de justiça, tanta semiologia amadora de escutas telefónicas e até a divulgação prévia num dos jornais do costume da proximidade  da acusação, tudo o que diga antes de validado por uma pronúncia em sede de instrução não merece particular confiança.
3. Mais grave ainda, Rui Rio ultrapassou inesperadamente uma fronteira de lisura no debate político ao juntar a uma confiança cega numa acusação a sua própria acusação, a que se dispensou de juntar qualquer prova, indício ou razão de suspeita que não a mera insinuação, de que alguém teria tentado envolver o Presidente da República para criar  uma cortina de fumo.
4. Assim se estraga uma campanha eleitoral e, de repente, Rui Rio passa de um defensor comprometido de uma justiça mais justa para um banal demagogo sobre justiça. Mas também António Costa e o PS não podem reagir apenas como se não houvesse uma dimensão política nesta questão. No ponto em que, caso o Ministro Azeredo Lopes soubesse da inventona, tanto é mau que o Primeiro-Ministro António Costa soubesse como que não soubesse há um fundo razoável, ainda que seja feita uma equivalência desproporcionada. Teria Costa andado mal se escolhesse um ministro que lhe ocultasse tão grave facto e muito pior se ele não lho tivesse ocultado e não tivesse reagido. Afasto por completo, porque conheço António Costa, a segunda hipótese. Mas a consideração da primeira implica não acreditar na palavra de Azeredo Lopes, o que é prematuro estabelecer sem violar a presunção de inocência. O primeiro-ministro tem apenas que solenemente garantir que nada teve a ver com a inventona e esperar que Azeredo Lopes mereça a confiança que nele depositou, como desejo e espero que mereça.
5. Mais uma vez se confirma que o Ministério Público não se preocupa com questões que são de bom-senso. O que o impediu de concluir esta acusação fora de um período de campanha que não a confusão entre independência e indiferença face à defesa da democracia? O que fez com que não se deduzisse esta acusação fora de uma campanha eleitoral? A separação de poderes é uma coisa, linda aliás, a gestão de cada um deles de modo que permita minar a credibilidade de outro é bem diferente e bem feia.

Más notícias para África da fronteira Nigéria-Benin

A criação de uma grande zona de comércio livre em África poderá trazer novas oportunidades ao continente, muito para além do que é possível antecipar, não apenas económicas. Mas é um processo que vai ser difícil, gradual e lento e, sobretudo, depende da adesão e sentido de responsabilidade das maiores economias africanas.
Neste quadro é má a notícia de que a Nigéria tenha fechado a sua fronteira ao Benin, invocando - possivelmente com fundamento - o contrabando de arroz.
Uma zona de comércio livre não se constrói só com discurso e numa África com instituições ainda em processo de construção em muitos domínios e, seguramente no que se refere à regulação do comércio internacional, vai demorar a passar das palavras aos actos.
Mas, no fim de contas, para além das vantagens para a população de uma maior fluidez das trocas comerciais intra-Africanas, serão as suas potências económicas as que mais beneficiarão com o sucesso do projeto.

Se é certo que há muito trabalho jurídico, institucional, de afirmação de capacidade no terreno por fazer, não é menos certo que a Nigéria é um dos grandes países que podem ajudar a redesenhar as oportunidades de África, que não está condenada por nenhuma maldição à pobreza, à dependência de recursos naturais e a ser uma zona-problema no mundo do futuro.

11.9.19

As alterações climáticas desafiam a ajuda humanitária - uma visão pessoal sobre o papel do Banco Mundial na mudança

As alterações climáticas estão a afetar profundamente as nossas sociedades. Moçambique foi este ano
uma testemunha desse facto ao ser afetado por dois ciclones na mesma época chuvosa, com efeitos devastadores sobre a população e a região. O Banco Mundial encontra-se entre as instituições mobilizadas pela ação climática, assumindo a preocupação com a gestão dos impactos das alterações climáticas na pobreza global, na agricultura e na saúde. Uma realidade que tornou premente uma nova abordagem à ajuda humanitária, a que o Banco Mundial aderiu e tem vindo a intensificar. A reconstrução após o ciclone Idai é exemplo do novo modo de agir da ação humanitária, procurando promover a ligação entre esta e o desenvolvimento.

O meu artigo no diretório da Câmara de Comércio Portugal-Moçambiquede 2019 pretende abordar esta questão, no seguimento da reflexão que já havia feito na conferência que dei no ISCTE-IUL sobre o mesmo tema, no âmbito do ciclo de conferências sobre ação humanitária. Pode ler o artigo aqui.


31.8.19

Cavalheiros

A entrevista de Jerónimo de Sousa ao Expresso, depois das declarações que António Costa tinha feito sobre o PCP nada avança sobre propostas concretas para depois de outubro, mas reforça um dos elementos centrais da ligação entre a liderança do PS e a do PCP.  Nestes dois partidos, ao mais alto nível, a relação é definida pelos gestos de cavalheirismo e a troca de palavras de honra.
Não é fácil atingir esse nível de confiança e perceber como se lá chegou será obra de historiadores, provavelmente trabalhando sobre materiais que virão pelo menos desde a segunda metade dos anos oitenta e ainda sob a liderança de Cunhal.
O PCP e o PS foram historicamente antagonistas, estiveram de diferentes lados da barricada em praticamente todas as grandes decisões estratégicas do país desde a defesa da democracia liberal à adesão à União Europeia, passando pela privatização dos setores estratégicos e o desmantelamentos da reforma agrária no Alentejo e Ribatejo. Mas também governaram juntos a Câmara de Lisboa e cooperaram estreitamente para eleger Jorge Sampaio contra Cavaco Silva. Talvez tivessem, ainda antes disso, apalavrado uma solução de governo parecida com a geringonça - de novo a honra e não o papel - quando Soares se recusou a indigitar Constâncio para Primeiro-Ministro, convocando as eleições que abriram em 1987 o caminho à maioria absoluta do PSD.
Mas, voltando ao presente, é claro que a estratégia do PCP, vista pela entrevista de Jerónimo de Sousa ao Expresso se define por três vetores: demarcação do PS nas questões laborais e na Uniam Europeia, prudência quanto às ambições eleitorais e cavalheirismo face a António Costa, calibrando as reivindicações futuras possíveis pelo pessimismo quanto à capacidade de conter eleitoralmente o PS ou capitalizar a geringonça.
Se estou a ver bem, o debate Costa-Jerónimo será uma cordata conversa de cavalheiros da qual nenhum de nós retirará nenhum sinal concreto sobre o que cada um deles fará a seguir, mesmo que  os próprios já saibam o que seja e os seus partidos já o estejam a ponderar  em qualquer cenário eleitoral.

30.8.19

O BE já subiu a parada

A pergunta de ontem  já tem uma resposta.
Se o PS disse o suficiente para se perceber que tentará governar com o mínimo de condicionamento possível dos parceiros de geringonça, desejavelmente remetidos (como aconteceu no segundo mandato de Costa em Lisboa) à condição de parceiros voluntários, por força de uma maioria absoluta tão menos provável nos resultados quanto mais pareça possível nas previsões; agora foi o BE a deixar claro por diversas vias e protagonistas o que pretende.
A ambição do BE quanto ao modo como influencia o próximo governo não está auto-limitada pelo seu posicionamento programático, nem pela divergência com o PS em assuntos de cosmovisão ou política internacional, mas pela relação de forças. O BE já não é nem um partido de protesto, nem um partido de causas, agora é também um partido de poder (no mesmo sentido em que se CDS o é na direita).
Agora o BE quer ter no próximo governo uma posição tão forte quanto o seu resultado eleitoral lhe permita. Para o BE, o centro da discussão nestas eleições legislativas é se crescerá o suficiente não apenas para impedir pela esquerda uma maioria absoluta do PS mas também para garantir, no mínimo, uma geringonça II em que possa fazer mais exigências e, no máximo, reivindicar uma participação no governo.
Ao contrário de há quatro anos, o BE não parte para estas eleições só com ambições de agenda. E, tal como o PS, tem um objetivo que acha tão mais possível quanto menos se falar dele, o de ter uma votação suficientemente forte para chegar ao Conselho de Ministros, isto é, bastante acima dos 10% e a aproximar-se do seu dobro.
Problemas desta estratégia? Uma parte dos eleitores à esquerda que não quer uma maioria absoluta do PS também não acha o Bloco suficientemente preparado para ser governo. E, se o PS crescer à direita e o PCP não tiver uma hecatombe (ou o PAN tiver uma subida suficientemente forte), não é difícil imaginar António Costa a condicionar o BE com a possibilidade de uma geringonça II que não tenha exatamente os mesmos parceiros da primeira. Esta ideia parece-vos estranha? Só depois da noite eleitoral se poderá ver se ela se entranha.

29.8.19

Nenhum partido de esquerda vai subir a parada?

A “geringonça” funcionou. Este é o facto determinante destas eleições legislativas. Mas ela foi possível porque apenas um dos partidos que a constituíram aspirava a governar. Os outros queriam marcar a agenda política sem partilhar o poder. O PS foi cuidadoso a cumprir aquilo com que se comprometeu nos entendimentos limitados que o condicionaram e o BE, o PCP e os Verdes separaram sempre a agenda acordada dos pontos não acordados, não deixando que os segundos prejudicassem os primeiros.
Na execução orçamental, bem tentou o PSD agitar as àguas com os instrumentos pesados ativados pelo Ministério das Finanças, mas tendo o Governo conseguido sempre evitar orçamentos rectificativos, os problemas que poderiam vir por esse lado foram sempre minimizados.
Parece hoje claro que o PS, se preferia uma maioria absoluta, sabe que as suas hipóteses de a ter diminuem com a consciência pelo eleitorado da probabilidade de que ocorra. Pelo que a estratégia do PS para a campanha eleitoral se torna clara - tentar a maioria absoluta sem anunciar a tentativa e prometer a geringonça de novo se a tentativa não anunciada se não concretizar.
Com isto, o PS coloca uma pergunta aos eleitores - querem dar-lhe força para governar sozinho? E haverá no centro e à direita quem responda positivamente.
Mas coloca também uma pergunta aos parceiros da geringonça - voltam a estar disponíveis para influenciar a agenda sem partilhar o poder? De quem resposta  positivamente a esta segunda pergunta depende, em caso de ausência de maioria absoluta, a governabilidade do país. E, vendo os discursos iniciais, o PS parece contar com agendas mínimas dos partidos à sua esquerda. Será realista pensar que Bloco e PCP não subirão a parada no que pedem em novos acordos de legislatura? Se não o fizerem será para mim surpreendente, mas excelente para a governabilidade do país.

19.8.19

Os governos não ganham greves por 3-0

A resposta de António Costa sobre o dispositivo posto em marcha face à greve dos combustíveis sofre de dois erros de abordagem significativos quando se fala de um primeiro-ministro de esquerda  que comenta o seu dever de arbitragem entre direitos num conflito laboral.
O governo não ganhou 3-0 à greve porque, se quisermos ir pela analogia futebolística, era árbitro e não equipa no terreno. O  seu papel era o de impedir que o direito à greve não colidisse com a satisfação de necessidades fundamentais e a sua alegria por tê-lo conseguido deveria ficar contida a ter sido um árbitro eficaz.
A escolha de um agradecimento aos militares pelo seu contributo na redução dos efeitos da greve para início de périplo aos que diminuíram os efeitos da greve, sendo provavelmente merecida, é também um erro de perspectiva de um Primeiro-Ministro de esquerda. Os primeiros a quem há que agradecer é aos trabalhadores que acataram os serviços mínimos - e parecem ter sido bastantes - senão a requisição civil não seria tão limitada e circunscrita.
Quando um Primeiro-Ministro agradece antes de mais e primeiro que a todos os outros aos militares o seu papel na limitação dos efeitos de uma greve, desculpem, mas a minha  alma de esquerda fica dorida.

16.8.19

E se Rui Rio tivesse uma estratégia adequada ao momento?

Todos os dias alguém faz notícia de mais uma agitação nas listas do PSD. Um candidato do aparelho do partido que não aceitou o lugar atribuído, um “histórico” que se sente ofendido por ser preterido por alguém sem currículo partidário suficiente, sem notoriedade nacional, sem experiência.
Para qualquer lado para que me vire, seja para dentro do PSD, para os seus partidos adversários ou mesmo para os jornalistas que seguem a política tudo o que Rio faz é visto como sinal de confusão, fraqueza, desorientação estratégica.
Como não conheço quase nenhum dos políticos que Rio vai trazer para a ribalta - passei em grande parte fora do país os últimos 14 anos - não posso dizer com segurança se os comentadores podem estar todos tão errados quanto me parece.
Mas o que vejo na estratégia de Rio é parecido com o que vi fazer a Constâncio, Sampaio e Guterres depois do cataclismo do PS que se seguiu à liderança do partido de Mário Soares e ao breve e trágico episódio da candidatura de Almeida Santos.
A crise do PSD é profunda. Portugal teve sucesso na estratégia que o passismo considerava suicida (não esqueçam que o próprio Passos disse que se o país melhorasse com ela votaria PS nestas legislativas). Nenhum protagonista de Passos seria hoje credível e ninguém  no eleitorado seguiria uma estratégia de crítica ao PS baseada na que Passos tentou na sua última fase de líder - a de que o país caminhava para o desastre, de que o diabo se aproximava.
O caminho de Rio é estreitíssimo e algumas das suas apostas revelar-se-ão possivelmente grandes erros. Voltando ao PS de 1986, consigo recordar nos protagonistas que então se lançaram alguns que ficaram bem aquém das expectativas.
Mais, é provável que a aposta do PSD esteja centrada em recuperar o poder em quatro ou oito anos e agora apenas em sobreviver e reverter o caminho de declínio, sobretudo em segmentos urbanos, escolarizados, jovens e fiscalmente conservadores, que acham a geringonça em geral e mesmo o PS sózinho incapazes de governar tão liberalmente o Estado quanto gostariam, de fazer os cortes orçamentais que defendem, de retroceder na saúde, no trabalho e na proteção social como quereriam.
Mas, parece-me que ao contrário de quase todos os que ouço e leio, a estratégia de Rio não é suicida ou caótica; é a de enfrentar um aparelho partidário anquilosado e decadente (não é o único) e lançar as sementes de um novo posicionamento político no centro-direita e sobretudo de criar protagonistas a quem o passismo não faça cadastro.
Consigo ver os problemas e os erros de Rio, mas se fosse seu conselheiro e quisesse aspirar a regressar ao poder em quatro a oito anos não lhe recomendava nada muito diferente do que está a fazer.

8.8.19

Combustiveis - os serviços mínimos são proporcionais?

Que serviços mínimos deveriam ter sido fixados para a greve dos motoristas de combustíveis? Claramente aqueles que se revelassem proporcionais e adequados à gestão da tensão entre o direito à greve e a satisfação de necessidades sociais fundamentais.
Para este efeito pouco ou nada deveria interessar o que o comentador Marcelo Rebelo de Sousa pensa do apoio popular à greve ou mesmo as convicções políticas pro ou anti-sindicais do governo.
A reação dos sindicatos aos serviços fixados foi extrema e o caso segue para os tribunais. Mas isso não impede que se debata se eles parecem a um cidadão preocupado com os direitos dos trabalhadores terem sido adequados.
Li o despacho dos serviços mínimos decretados e dei o meu melhor para o fazer com imparcialidade.
É uma lista de serviços mínimos muito exigente, sem dúvida . Será proporcional?
Há que ter em conta, em primeiro lugar, que os sindicatos e as empresas poderiam ter a definição de serviços mínimos acordada, quer em geral por instrumento de regulação coletiva do trabalho quer em concreto por mecanismo de acordo no âmbito desta greve e não conseguiram evitar a situação de entregar esta responsabilidade ao governo nem por uma nem por outra forma.
Deve ter-se presente, em segundo lugar, que os sindicatos escolheram a forma de luta mais extrema possível de entre as que estão disponíveis, a greve por tempo indeterminado e os serviços mínimos tiveram que ser decretados no pressuposto de um conflito prolongado.
A responsabilidade do governo tem que ser avaliada no quadro de que o qualquer serviço não prestado vai, com o tempo, ganhando um peso na rutura de abastecimentos que pode,nas condições sobre as quais o governo teve que decidir, acumular défices que comportam sérios riscos e não pode o governo especular sobre quanto tempo durará realmente uma greve convocada nos termos em que esta o foi.
E, nesses termos, não consegui encontrar nenhum exagero inaceitável nos serviços para os quais foi decretada a obrigatoriedade de 100% de serviços mínimos. Todos eles correspondem a áreas vitais em que o direito à greve não pode colidir desproporcionalmente com as necessidades sociais. Há uma única área de dúvida para mim, a de ter agregado todos os portos e aeroportos  a ter que ser abastecidos a 100%, porque se é certo que cobrem atividades econômicas vitais para o país, esse fator não é por si só suficiente para declarar a impossibilidade de uma greve ter efeito sobre eles. Caso diferente é o dos aeródromos e equipamentos usados para combate aos incêndios.
Em tudo o resto poderiam discutir-se detalhes: 75% ou 60%? 50% ou 40%? Mas ninguém pode esquecer que ao fim de algumas semanas os défices acumulados criarão dificuldades reais em todos esses setores e a preocupação de compatibilizar o direito à greve com direitos fundamentais tem que ter sido pensada para o tempo longo, porque foi essa a escolha de quem convocou a greve.
Ou seja, quem se impôs a si próprio serviços mínimos tão pesados foram os sindicatos quando projectaram a mais extrema das formas de luta possíveis num setor tão sensível à satisfação de necessidades sociais quanto o é o setor energético.Dificilmente o governo poderia ter sido menos exigente do que foi e, caso a greve se concretize e prolongue, os portugueses verão que o que agora parece tão pesado afinal o não vai ser e mesmo assim os problemas irao surgir e acumular-se em várias áreas. O que é prova suficiente para mim de que foi respeitado o direito à greve.
Sou um defensor intransigente desse direito, mas também tenho a ideia clara de que os dirigentes sindicais têm o dever de avaliar a proporcionalidade das formas de luta que adoptam e o governo de reagir proporcionalmente aos problemas que lhe colocam. Aqui o Governo agiu equilibradamente,  preparando o país para uma situação de conflito longo, que foi a que os sindicatos anunciaram.


6.8.19

Moçambique, hoje é dia de comemorar. Mas amanhã é necessário começar a pagar o preço que torne a paz realmente possível.

É muito difícil assinar um acordo de paz. Muito mais difícil é cumpri-lo. A paz assinada em Moçambique é promissora. O país enfrenta diversas ameaças e necessita de entendimento para conseguir afirmar-se como sociedade pluralista e segura numa região do mundo em que o perigo espreita.
Há um grande compromisso da comunidade internacional com a reconstrução e o retorno ao desenvolvimento das zonas do país afetadas pelos dois ciclones deste ano. Voltou a haver confiança em que as instituições moçambicanas conseguirão tratar adequadamente alguns dos problemas estruturais que afetam a sua credibilidade, um assunto em que o tratamento a dar à questão ainda não plenamente esclarecida das dívidas ocultas do Estado e instituições públicas  não é uma questão menor.
Ao contrário de outros países da África lusófona, Moçambique beneficia há bastante tempo de um esforço continuado de instituições de ajuda ao desenvolvimento de diversos países, em que avultam a cooperação britânica e a cooperação alemã.
Mas há ameaças a este processo de paz que não são pequenas.
O desequilíbrio de desenvolvimento e de investimento entre territórios é gritante e, apesar dos esforços de correção que se devem creditar ao atual Presidente da República, deixaram marcas que não desaparecem de um dia para o outro.
O banditismo social que atualmente se liga em certas zonas de África à emergência de extremismos com legitimação islâmica pode contaminar o país, em particular a partir das suas fronteiras do Norte.
A unidade nacional em países em que a diferença de territórios se cristalizou em diferença de partidos predominantes no apoio popular nunca é fácil de gerir. Por um segundo não pensem sequer em África a propósito do que digo, pensem só na Bélgica, por exemplo.
Os partidos políticos moçambicanos, como em outros países que viveram a sua transição para a independência quando a África do Sul era ainda o país do apartheid, a guerra fria estava ainda viva e as ideologias importadas se sobrepunham à busca de apoio popular, vivem ainda as feridas dessa transição.
A geração que liderou a independência e que com ela ganhou mais, em poder e em dinheiro, habituou-se a um rentismo que não tem lugar no futuro e terá que aceitar a perda de estatuto, de riqueza e de poder para que o país possa desenvolver-se.
Como se tudo isto não bastasse, Moçambique, como todos os outros países pós-conflito vai voltar a ter que gerir na execução deste acordo de paz uma integração de forças armadas que se combateram e a desmobilização de pessoas que não têm modo de vida alternativo ao que tiveram enquanto combatentes. Muitos destes desmobilizados não têm visão do Estado nem ideologia, apenas a alternativa entre um modo de vida atual em que a subsistência era garantida por alguém e um futuro em que podem ser abandonados à pobreza. Outra vez, não pensem só em África, a Colômbia não é muito diferente. Alguns, como sempre acontece, voltarão às armas, sabe-se lá como e com quem e serão tantos mais quanto menos sucesso tiver o processo de criação de paz real para os homens da guerra.
Mas também há sinais encorajadores. Na cerimónia do acordo de paz viam-se os representantes das instituições sempre presentes na paz moçambicana, como os mediadores católicos, a África do Sul, a União Europeia, Portugal. Mas também estes terão que saber passar das palmas que bateram agora aos actos que terão que fazer ainda.
A paz é possível em Moçambique, mas não se constrói só com assinaturas e palmas. Vai custar dinheiro a quem a queira apoiar e partilha do poder a quem a queira viver. Vai exigir apoios concretos às populações do centro e norte e criação de infra-estruturas e de um Estado eficiente, credível e disposto a lutar contra a corrupção e os privilégios de quem está há muito instalado do poder. Vai exigir ouvir as novas gerações e dar oportunidades Aos que estão à espera de poder ser presente e futuro do país.
Há razões para otimismo. Mas não se pode esquecer que a África oriental é uma zona vulnerável. Hoje é dia de comemorar. Mas amanhã é necessário começar a pagar o preço que torne a paz realmente possível.

Estamos em stress com a água

A água é um dos domínios em que a pressão da sobrepopulação sobre os recursos ecológicos mais se fazem sentir. Há umas décadas, li a tese de Maurice Godelier sobre como o acesso à este recurso básico condicionava a organização social a partir de exemplos da etnologia em África e a interação entre sociedades possíveis e recursos naturais parecia-me um problema de “sociedades simples”. Mas a realidade é bem mais complexa e nações inteiras, largas zonas do planeta vivem hoje com dificuldades crónicas de acesso à água, com tudo o que a ela vem associado. Segundo esta notícia do Guardian, um quarto da população mundial enfrenta restrições muito severas no acesso à água (“very high water stress”). Em alguns casos, a tecnologia tem permitido encontrar soluções engenhosas para contornar este constrangimento (veja-se Israel). Eu próprio já visitei em Singapura uma “fábrica” de reciclagem de águas residuais, que é transformada de novo em água potável. Eu bebi-a. Ainda é um processo muito caro, mas não se surpreendam com os que a tecnologia pode conseguir.
Entretanto, se pensam que este é um problema da Ásia e do Médio Oriente, não se esqueçam que a Península Ibérica aparece logo no segundo nível de restrição (“high water stress”), enquanto continuamos alegremente a usar água potável para os mais diversos usos, desde regar jardins a lavar estradas, para os quais poderíamos estar já a usar água reciclada, ainda que não com a mesma sofisticação da que bebi em Singapura. E nem estou a falar da educação para um consumo mais responsável da água em nossas casas.
Noutro texto falei do que nas nossas vidas tem que mudar com as alterações climáticas. O uso da água é seguramente um exemplo da necessidade de induzir mudança de hábitos e padrões de consumo em que muito mais podia estar a ser feito, mesmo se já somos um país-exemplo na nossa proteção de recursos hídricos. Tão exemplo, aliás, que por iniciativa da Parceria Portuguesa para a Água, o Banco Mundial vai em breve estudar a experiência portuguesa e há já um acordo apoiado pelo Banco Mundial do nosso regulador do setor ao regulador egípcio.

4.8.19

agora somos todos ecologistas. Porque não estamos a conseguir evitar o aquecimento global?

A emergência climática é um tema em que se revelam algumas das maiores dificuldades da política contemporânea.
O largo consenso científico em torno da ideia de que o planeta está a aquecer a um ritmo insustentável, tal como acontece muitas vezes com a ciência, é contra intuitivo para a parte da população que o confunde com o clima do dia. Afinal, não foi fácil convencer o mundo que não é o sol que se move. E isso permite a populistas  fazer o discurso negacionista, para, como Trump, proteger o lobby da energia fóssil, ou como Bolsonaro, acelerar a trágica deflorestação da Amazónia.
É certo que o consenso científico passou já para as disciplinas que procuram orientar a humanidade para evitar o desastre. Temos economistas a escrever sobre o modo como incluir as questões ambientais nos preços da atividade económica,  urbanistas a desenhar cidades inteligentes com menores consumos energéticos, especialistas em transportes a conceber formas de mobilidade menos dispendiosas em energia.
E, ainda do lado das notícias positivas, temos as decisões de cimeiras internacionais e os planos de ação que vinculam grande parte da humanidade - como no Acordo de Paris - a objetivos que permitirão ainda prevenir o desastre, como a neutralidade carbónica até 2050.
Mais, a percepção de que há um limite ecológico ao que podemos fazer com a terra evoluiu nos últimos 40 anos de um pensamento de franjas académicas e políticos radicais para os autores mais convencionais e os políticos mais institucionais.
Num certo sentido, agora somos todos ecologistas. Mas, então porque não estamos a conseguir evitar o aquecimento global a um ritmo acima do previsto? Porque parecemos caminhar para o desastre que quase todos dizemos que sabemos que vai acontecer e queremos evitar?
Pode bem acontecer que a dificuldade de passar das palavras aos atos tenha a ver com as inércias do capitalismo democrático. Os perdedores da adaptação necessária  - produtores de combustíveis fósseis, indústrias de elevado consumo energético, agroindustria e pecuária - ainda não encontraram modelos de negócio alternativos. E só o Estado os pode apressar, para o que precisa de por em prática os incentivos e sanções adequados. Mas os Estados estão a ser muito tímidos nas medidas drásticas necessárias - veja-se a questão do preço do carbono.
Por outro lado, entre os que mais terão que mudar os seus hábitos estão segmentos importantes dos eleitorados que definem quem governa. Pedir às classes médias que abdiquem de um conforto que adquiriram recentemente, do carro de família às férias intercontinentais, ou que se abstenham de consumos insustentáveis mas inerentes ao padrão de vida atual não se faz com determinismos técnicos, em nome de verdades não percepcionáveis e de modo autoritário.
Se não é o negacionismo da emergência climática que conduz o eleitorado europeu e americano para o populismo, não se pode desvalorizar o papel que pode ter como resistência à chegada ao terreno das medidas que tal emergência exige.
Por isso quando vejo todos os nossos planos ambiciosos para 2030 e 2050 e não os vejo ainda acompanhados das medidas com que se vai promover a adesão das pessoas às mudanças necessárias nos modos de vida ou estimular as empresas a investir de modo sustentável, nos novos negócios,  fico com a ideia de que tem que ser  recalibrada a estratégia. Por agora está toda orientada para decretar mudanças. Terá que ser reorientada para as sugerir, propor, discutir, ganhar adesão, não pressupor e dar como garantida a submissão.

1.8.19

as leis absurdas têm pais e mães

Há muitos anos, vivia-se a perestroika, um sociólogo soviético,  Abel Agambegyan, veio ao ISCTE e fez uma conferência que muito me impressionou. Talvez a que mais me impressionou em toda a minha vida,  conjuntamente com uma outra, a que Eric Hobsbawm deu, também no iSCTE, mas que não é agora para aqui convocada.
Agambegyan tinha uma tese sobre o declínio do poder soviético em que incluía uma floresta jurídica e regulamentar em que nunca ninguém podia ter a certeza de estar a cumprir a lei e ficava vulnerável a poderes perversos.. Havia leis contraditórias, mal feitas, acumuladas ao longo de gerações, que chegavam a contradizer-se materialmente ou que tinham um espírito que deixara de corresponder à prática social ou à realidade do país. Paradoxalmente, o excesso de produção legislativa bloqueava a possibilidade de um estado de direito, porque dava, no caso, ao partido e a tribunais não independentes ou à polícia um poder enorme de perseguir ad hominem
Claro que qualquer paralelismo entre a URSS e Portugal é forçado e anacrónico, mas vendo o que se passa no debate político com a consideração das leis não consegui evitar recordar Agambegyan - um estado de direito tem que ser simples, previsível, claro e quando evolui por ondas, aos serviço do líder de ocasião e das suas angústias, reagindo à manchete do dia, cria uma floresta que pode ser ridícula, incumprivel, mas sobretudo perigosa, porque já ninguém sabe quando está a a cumprir ou não a legislação em vigor.
Um dos domínios em que se age assim é o da auto-regulação dos políticos. Sempre que um escândalo surge, se alguém diz mata,logo alguém diz esfola e facilmente se perde a noção dos principios, da proporcionalidade , do bom senso. E se há normas que considero absurdas, ridículas, completamente fora da experiência do cidadão normal, há algo que não posso deixar de dizer - foram os legisladores que as criaram. Podem agora os intérpretes salvar o país de alguns disparates que os legisladores criaram por via de interpretações  inteligentes e adequadas.. Mas há armadilhas ao bom nome dos políticos que, por muito absurdas que pareçam, foram eles que criaram (e continuam a criar). Não há forma de sacudirem essa água dos seus capotes.

29.7.19

Elogio dos burocratas

“Não sejas burocrata”, disseram-me muitas vezes quando exercia funções públicas e levantava questões a colegas que queriam ver problemas resolvidos, em tempos curtos, com aquela ideia voluntarista de que a bondade dos resultados a atingir se sobrepunha ao rigor dos procedimentos.
A desvalorização dos burocratas foi também um processo que vivi na minha curta carreira política. Muitas vezes desvalorizava-se os serviços da administração publica - e as suas objecções “burocráticas” - a concepção que havia nos gabinetes governamentais de que tudo o que se achava necessário fazer tinha que acontecer, e já, queimando etapas, correndo sempre contra o tempo porque nada podia esperar pelos “burocratas”.
Desde então os serviços da administração publica ficaram mais envelhecidos, menos bem apetrechado e perderam ainda mais importância no governo do pais. OS gabinetes dos membros do Governo habituaram-se a apropriar-se de, diria mesmo, usurpar funções que devem ser dos “burocratas”. E isso permite-lhes terem resultados. Permite-lhes corrigir o efeito de fragilidades dos serviços com que trabalham. Mas também faz com que pessoas que devem exercer funções de confiança assumam funções que devem ser de pessoas que tem carreiras precisamente para as saber fazer.
O peso excessivo dos gabinetes é  uma doença da governabilidade em Portugal e como se tornou também  numa grande fonte de recrutamento de membros do Governo, é também uma má escola para a definição a longo prazo da fronteira certa entre ser o principal responsável político de um setor e o executor direto das medidas que acha necessárias.
Como gostam de dizer os “burocratas” do Banco Mundial, em que tenho tido o privilégio de trabalhar, o papel do Conselho de Administração é  o de tomar as grandes decisões, supervisionar o desempenho, definir e orientar a estratégia, mas não é  na cozinha onde se concebem e desenvolvem os projectos e intervenções em concreto.
Não escrevo este texto para participar na crucificação de nenhum assessor de um gabinete em concreto, ou para comentar qualquer membro do governo. Tenho presente no esp’irito muitos e diversos casos da doença de desvalorização dos burocratas que atravessa Portugal.
E acho que é  a hora de defender que Portugal precisa de uma nova burocracia, que limite o voluntarismo, corrija a tendência para o erro de quem acha que a sua vontade torna todos os resultados possíveis.
A democracia portuguesa precisa de dar mais poder aos seus burocratas e menos aos que participam na corte que rodeia quem chega ao governo.





28.7.19

Fazer uma requisição civil não é beber um copo de água

Excelente artigo sobre um problema real. O direito à greve não pode ser coarctado sem um fortíssimo motivo que implique que este contenda de modo particularmente grave com outros direitos e necessidades. É certo que há momentos em que há que arbitrar direitos, nomeadamente quando direitos fundamentais entram em contradição, como pode acontecer com o direito à greve e a satisfação de necessidades fundamentais da população. Mas, se os serviços mínimos forem cumpridos - e os sindicatos têm direito a procurar interpretações estritas da sua determinação - a requisição civil não teria fundamento, mesmo que fosse popular, mesmo que fosse uma prova de poder que os populistas adorariam. Mas afastar-se-ia do que se espera de um governo que respeite os direitos dos trabalhadores. E isto é independente de qualquer simpatia ou antipatia por um sindicato ou sindicalista específico. É o respeito pelas regras do jogo que, bem, estão definidas.

Fui Sandinista

Eu era um estudante de sociologia,  nos anos oitenta, Portugal  era governado em Bloco Central, Mário Soares glorificava na Europa a visão de Ronald Reagan para a América Central e promovia Eden Pastora, o “comandante zero”, com o hoje desaparecido da vida pública, mas então influente Rui Mateus. E eu era um jovem Sandinista,
Peretencia a um coletivo, criado no âmbito do CIDAC, chamado GSAL (Grupo de Solidariedade com a América Latina), onde conheci algumas das melhores pessoas com que me cruzei em toda a minha vida.
Todos os anos, a 19 de julho , comemorávamos a revolução Sandinista, esse momento fundador de uma liberdade alternativa na América Central, que derrubara o ditador Somoza, criará um regime pluralista, aberto, orientado pelo povo, socialista e cristão, que dava voz à diversidade e até tinha um  poeta e padre, Ernesto Cardinal, como um dos seus ícones e ministros. Li os seus poemas com amigos. Discuti muito como Nicarágua não seria Cuba, mas seguiria o caminho do pluralismo e faria uma reforma agrária de novo tipo.
O nossso grupo, de que eu era apenas o mais jovem e que nele absorvia uma mundivisão fascinante,  acreditava que a América Central em particular e a América Latina em geral sairia do ciclo de ditaduras militares, regimes autocráticos, predomínio das oligarquias que a asfixiava.
Nessa altura era Sandinista e ouvia alguns camaradas revolucionários, vários deles trotskistas, criticar o que lhes parecia o excessivo centrismo do novo poder, o que achavam ser uma cedência  às liberdades burguesas com o sentido de que a Nicarágua venceria quer o sectarismo quer a tentação autoritária cubana.
Mas os anos passaram e da Frente Sandinista de Libertação Nacional não sobrou nem cultura democrática, nem espírito revolucionário, nem consciência social, nem sentido de resposta às necessidades das populações. Apenas uma caricatura de poder em nome do povo, talvez apoiada por Cuba porque a geoestrategia é o que é, mas em que Daniel Ortega é presidente e a sua mulher vice-Presidente, a legislação sobre o aborto é das mais restritivas do mundo, há grupos paramilitares que aterrorizam as populações e a oligarquia foi substituída pela clique fiel ao casal presidencial. Tudo como em qualquer ditadura.
Eu acho que ainda sou Sandinista. Mas a Nicarágua já não é e este artigo do Avamte desgostou-me porque é um mero exercício pavloviano, incapaz de ver quem é hoje Ortega e o que representa para o seu povo. Mas porque socialistas de esquerda, progressistas de várias origens, católicos empenhado na transformação social, em todo o mundo e também em Portugal, acreditámos que a Nicarágua seria um país diferente num continente onde o povo, os camponeses, os indígenas, as pessoas pobres são mártires, e não foi nada disso. Foi apenas mais uma ditadura.
E quando a cabeleireira que nestes últimos me meses me corta o cabelo em Washington, nicaraguense fugida da pobreza e da ditadura, que sabe que sou apenas um português que trabalha num sítio importante me diz o que é Ortega para a sua aldeia, para a sua família, para o seu povo, não tenho vergonha de ter sido Sandinista e  ela também me diz que nem sempre Ortega foi assim. Pergunto-me, sim, como se pode prevenir a tirania. Daniel Ortega, hoje, é apenas mais um tirano, seja qual for a retórica em que embrulhe esse facto.

26.7.19

Vieira da Silva, o homem que duas vezes viu a necessidade de dar prioridade ao salário mínimo nacional

Uma  das grandes rupturas da revolução de abril foi sem dúvida a criação do salário mínimo nacional.
Foi criado logo em maio de 1974 para os trabalhadores da indústria e serviços, depois alargado em 1977 aos trabalhadores da agricultura, silvicultura e pecuaria e, em 1978, aos trabalhadores do  serviço doméstico.
Como em muitos países, a evolução do salário mínimo em Portugal conta a história da relação de forças entre direita e esquerda. Os governos de direita tenderam a enfraquecê-lo, conter o seu valor e os de esquerda a revalorizá-lo.
Mas essa revalorização era contida, durante muito tempo, por o salário mínimo ter sido o indexante de várias despesas públicas, das prestações sociais aos subsídios aos partidos políticos. O seu aumento acarretava não apenas melhoria de bem-estar e garantia de um mínimo de dignidade para os trabalhadores mas também um aumento de despesa pública que incentivava os governos a serem tímidos na sua variação.
A história do salário mínimo em Portugal, neste século,  teve um ponto decisivo de viragem, que é o momento de sublinhar, porque se deve inteiramente à chegada à pasta do trabalho e segurança social e à sua visão estratégica do problema, do homem que agora anunciou a sua saída da política activa, José António Vieira da Silva.
Em 2006 conseguiu um acordo histórico com todos os parceiros sociais para o aumento sustentado do salário mínimo nacional. Sublinhe-se que, dos poucos acordos que a CGTP alguma vez assinou, este continua a ser o único que regula especificamente uma matéria laboral (os outros foram sobre política de emprego, higiene e segurança e segurança social). Nesse acordo definiu-se um objetivo de aumento do salário mínimo nacional de 30% em cinco anos e removeu-se o espartilho que o ligava à despesa pública, passando esta a estar ligada a uma nova medida, a que se chamou indexante de apoios sociais.
Não faltaram na época os críticos de tão acentuada revalorização, nomeadamente nos setores mais ortodoxos da economia e mais conservadores da política - que aumentaria o desemprego, que não teria efeitos positivos nas desigualdades salariais, etc. Mas o caminho prosseguiu.
Depois veio a crise. É certo que, sob a influência da viragem para a austeridade que a adopção dos PEC implicava já não foi possível ao ministro e ao governo cumprir completamente o acordo e o aumento para 2011 em vez de chegar aos prometidos 500 euros, quedou-se pelos 485 euros.
Com a troika, o salário mínimo estaria necessariamente sob os holofotes das chamadas reformas estruturais, mas os negociadores (ainda a equipa de Vieira da Silva)  conseguiram  manter no texto uma porta semiaberta. Diz o memorando que os aumentos do salário mínimo só poderiam ocorrer se justificados pela evolução da economia e do mercado de trabalho e acordados nas revisões do programa. Certamente, com o governo que queria ir além da troika, o salário mínimo ficou congelado por todo o tempo do programa. Note-se, em abono da verdade, que em outubro de 2014, após 4 anos de congelamento, o governo PSD-CDS aprovou ainda um aumento do salário mínimo.
Mas foi Vieira da Silva quem, regressando ao governo, retomou a estratégia de revalorização do salário mínimo,  levou o tema à concertação social e, de novo, de lá saiu com um acordo com os parceiros sociais, embora desta vez sem a CGTP,  para a sua revalorização, agora para atingir os 600 euros em 2019 o que desta vez, pôde cumprir. É certo que nesta negociação se embrulhou numa compensação aos patrões em descontos para a segurança social que teria sido contraproducente. Mas aqui a geringonça revelou o seu potencial de contrpeso a cedências excessivas à direita, anulando no parlamento a possibilidade de concretização dessa "indemnização"desnecessária na prática, embora provavelmente inevitável na negociação.
Nada, contudo, pode retirar a Vieira da Silva o mérito de ter sido duas vezes o obreiro de uma revalorização essencial do salário mínimo nacional, uma peça basilar das políticas da defesa da dignidade dos trabalhadores.
Quem acompanhe estas questões de longe achará que o salário mínimo é uma pequena medida na política de emprego, mas engana-se. Pelos últimos dados disponíveis é ele que define o salário que recebe mais de um quinto de todos os trabalhadores. É por isso, hoje, a mais importante garantia de proteção contra o fenómeno dos trabalhadores pobres.
Na minha visão, a persistência de Vieira da Silva na valorização do salário mínimo nacional fica como uma das marcas sociais mais profundas do governo que agora termina e ofereço, em defesa desta tese, este gráfico à vossa análise. Nele podem ver os efeitos das políticas e como os governos e os políticos não são todos iguais. Ainda não há dados para 2018 e 2019, mas em 2017 o valor do salário mínimo em Portugal já ultrapassou pela primeira vez em décadas 60% do rendimento mediano. Acreditem que não é efeito pouco positivo nem sinal irrelevante de empenho nas políticas sociais.










25.7.19

Antes de atravessar certas estradas, pare, escute e olhe

O fascismo deixou-nos a memória dos tribunais plenários, destinados a julgar um tipo especifico de crimes, então os políticos. Ninguém acreditava na imparcialidade desses tribunais.
Os pais fundadores da nossa democracia, preocupados com o que viram, ouviram e viveram, quiseram deixar uma marca clara na constituição sobre este tipo de tribunais destinados a julgar um único tipo de crime, e foi simples - nunca mais.
É certo que temos tribunais de competência especializada, no trabalho, na família, por exemplo, mas são tribunais sobre uma área social definida e não sobre um crime específico.
Mas quando leio que há quem pondere tribunais especiais para um tipo único de crime - por mais hediondo que seja - temo que se esteja a enfraquecer a exigência que é necessária a que um sistema de garantia de direitos civis permaneça completamente fiel ao espírito fundador das democracias desde o século XVIII.
Seja quando o PAN propõe tribunais específicos para crimes de corrupção ou quando o PS pondera tribunais específicos para crimes de violência doméstica, eu não consigo sair do quadro das atuais garantias constitucionais - tribunais para domínios especializados de competência sim, tribunais para crimes específicos não. Porque na era do pânico moral, o risco de enfraquecer a justiça e entregar o seu exercício a agentes incapazes de garantir o principal dever de se manterem capazes de julgamentos imparciais, com respeito profundo pelas vítimas, mas também pelos direitos dos arguidos, é uma fronteira que se revela fácil de transpor, com evidentes riscos de produzir injustiça. E a injustiça é uma ameaça basilar à democracia.


Adenda. Em comentário no Facebook, Isabel Moreira escreveu “ penso que no calor do momento António Costa disse isto : como jurista entendo que não é inconstitucional. E bem, digo eu. Depois acrescentou sem necessidade: mas se fosse necessário rever a constituição, que motivo mais forte que não a violência doméstica? Entendes ? A frase saiu ali assim , mas ficou claro que não há inconstitucionalidade”
Se assim for,  posso estar a ler, em relação ao PS, algo que foi apenas dito “no calor do momento” e, o que seria excelente, o que escrevi não se aplica a nada que passe pelo que este partido está a ponderar.

23.7.19

Faleceu Li Peng

Faleceu Li Peng,  o homem que deu a ordem que conduziu ao massacre de Tiananmen. Na nossa espontânea forma individualista de olhar para a história, morreu o carniceiro da Praça da Paz Celestial.
Mas aproveitemos a ocasião para refletir um pouco sobre o que teria acontecido se o setor que Li Peng representou tivesse sido o derrotado e não o vitorioso. Naquele momento, o movimento dos estudantes só atingiu a expressão que teve e só durou o tempo que durou porque o Partido Comunista  tinha a sua cúpula dividida sobre o rumo a seguir. Se não estava em causa o caminho de liberalização  económica, estava em discussão a possibilidade de uma sociedade mais aberta, pluralista, respeitadora de direitos individuais e da liberdade de expressão de opiniões diferentes.
Provavelmente, se o espírito de Tiananmen tivesse triunfado e os seus aliados nas cúpulas do partido saído vencedores, pouco tinha mudado na abertura da economia ao mundo, na construção de uma economia com progressivos mecanismos de mercado, ainda que ferreamente controlados pelo Estado em alguns domínios muito relevantes.
O que teria sido diferente seria no domínio das liberdades individuais. O Partido Comunista  chinês teve nas mãos a oportunidade de tentar construir um modelo único de sociedade, que nenhum de nós sabe onde teria acabado. Com o caminho que escolheu, o colapso dos socialismos reais acabou por saldar-se por duas experiências, ambas hoje adversárias da democracia liberal. Na Rússia, um regime nacionalista, semipluralista e autoritário, com uma economia dominada por oligarcas, dependentes do círculo do líder. Na China, uma ditadura política que regula a sua economia progressivamente mais por mecanismos de mercado.
Se a China de hoje está integrada na globalização ao ponto de podermos ve-la a defender o sistema multilateral de comércio e as suas regras contra aqueles regimes que foram campeões da sua criação, em Tiananmen enterrou por muito tempo a possibilidade de um caminho para uma sociedade pluralista, respeitadora dos direitos humanos e aberta.
Por isso, a China pode ser um grande parceiro económico, um regime respeitado, mesmo um parceiro estratégico para resolver os problemas do mundo, mas um democrata não precisa de ser muito radical para entender que Tiananmen é um momento fundador do caminho da China após a queda da velha guerra entre dois blocos e que, nesse cruzamento da história, a China escolheu a ditadura.

22.7.19

Antonina, não vamos repetir o erro que fizemos com o MIguel

Dispersos, pelo país ou pelo mundo, com as redes sociais a criarem-nos uma ilusão de proximidade, vemos as vidas dos nossos amigos, falo dos nossos amigos físicos, cada vez mais a partir apenas do espaço virtual. E, em pequenas mensagens, vamos trocando promessas de voltar à vida “antiga”, de marcar um café para conversar, um almoço para por projetos em dia, uma tarde para espraiarmos a má -língua sobre algum de nós, quantas vezes os ausentes.
Podemos ter seguido as suas carreiras a distância, mas, também pela janela aberta pelo espaço virtual, mantivemos sempre a sua presença na nossa vida.
Foi isto que hoje me aconteceu com Miguel Ferraz, depois de uns anos intensos a estudar uma Sociologia a que ele não se dedicou, continuei a ve-lo por aí, na televisão, na produção, na escrita. Falávamos, mas sobretudo prometíamos um ao outro que tínhamos que falar. E prometemos. E prometemos. E este fim-de-semana não olhei o suficiente para a net para ver que já não falaríamos, nem sequer para ver que podia ter ido à Sociedade Portuguesa de Autores dizer-lhe adeus. Apenas uma amiga comum, também por aqui, me enviou primeiro o alerta, depois o alarme. Já não almoçamos mais com ele. E prometemos um ao outro almoçar. E vamos almoçar Antonina, assim que eu regressar. Não podemos repetir o erro que fizemos com o Miguel.

21.7.19

O touro e o toureiro na sinaletica do campo pequeno

Quem me leia sabe que não me encontro de nenhum dos lados militantes na questão das touradas.
Vejo nas várias atividades taurinas uma relação entre o homem e o animal que expressa valores que, como todos os outros, podem ter as suas diversas fases de crescimento, apogeu, declínio e extinção. E não estão na sua fase mais pujante. Traços culturais, como civilizações, morrem.
Mas não vejo na cultura taurina a encarnação da barbaridade que um setor da opinião portuguesa, legitimamente, lhe atribui.
Partindo desta posição não percebo a iniciativa política de supressão simbólica das touradas, remetendo-as para um semi-interdito ao suprimi-las da sinaletica lisboeta. Se espero que nas proximidades de um teatro a sinaletica me ajude a encontrá-lo; se espero que essa mesma sinaletica me indique se estou perto de um WC, acho absolutamente incompreensível que em Lisboa, pelas fotografias que vejo por aí, se tenha suprimido na proximidade de uma praça de touros qualquer referência ao espetáculo que lá se desenrola e de que é ex-libris.
Eu tendo a ser anti-proibicionista. Só deve remeter-se para o domínio do interdito o que valores sociais muito seguros e consensuais ou tão esnagadoramente predominantes considerem inaceitável e não o que no pluralismo de uma sociedade aberta livremente agrada a uns e gera repulsa a outros. 

Porque tornam difícil artificialmente saber onde se desenrola um espetáculo, legal, que paga impostos e tem clientes? É nestas coisas que acho que se joga também a abertura à diversidade e o cosmopolitismo nos exige prudência, para que não se resvale para uma censura, ainda que soft, não totalmente coerente com a cidade aberta e liberal em que gostaria de viver.

20.7.19

sobre uma legislatura do diabo

Todos os partidos aquecem os motores para a campanha eleitoral que se aproxima. Se as sondagens, que em eleições legislativas costumam ser fiáveis, não forem contrariadas pelos resultados eleitorais, não vai estar em causa agora quem vence as eleições nem quem será o próximo Primeiro-Ministro.
Mas vai decidir-se ainda com que relação de forças se formará o próximo governo.
Se o PS chegasse à maioria absoluta, o que neste momento se configura como improvável mas não impossível, o centro de gravidade da próxima legislatura transferir-se-ia de novo para a relação entre o Governo e o Presidente, tendo este último o papel de moderador e àrbitro, como lhe gostava de chamar Mário Soares. De algum modo seria uma vitória clara da dupla Costa-Marcelo sobre a direita e a esquerda.
Se a geringonça se repetisse nos moldes atuais, o que parece ser o que resultaria de uma certa inércia eleitoral e da sobrevivência do PCP com resultados eleitorais acima do que as sondagens lhe atribuem, o centro de gravidade continuaria nos acordos parlamentares, o Parlamento ganharia em duas eleições consecutivas uma preponderância política rara no nosso sistema e, quem sabe, estaríamos perante uma evolução duradoura que pode configurar novas soluções políticas, à esquerda como à direita, em que o Parlamento se não limita a chancelar um governo sob a força do rolo compressor de um grupo de deputados maioritário, que obedece a orientações de um partido ou coligação de governo com direções partidárias centralizadas.
Se, como começa a parecer que o BE e alguns setores do PS desejariam, se evoluísse agora para uma coligação pós-eleitoral com participação no governo de bloquistas, para além de um profunda derrota estratégica do PCP que poderia precipitar o seu declínio, a inorganicidade de alguns protestos sociais e o regresso de uma ativa oposição de esquerda nas ruas a um governo de esquerda, voltaríamos a ter Costa e Marcelo no centro de gravidade do sistema, mas bastante condicionados pela agenda do BE e pela possível luta fratricida à sua esquerda. E não se deve subvalorizar o papel que a influência do PCP e a contenção da CGTP tiveram na governabilidade neste legislatura.
Em qualquer destes cenários internos,  a evolução do ciclo económico determina que o próximo governo enfrentará uma desaceleração económica mundial, com reflexo negativo nos nossos parceiros comerciais e, portanto, nas nossas exportações e no nosso PIB, mesmo que sejamos otimistas face a Trump, à evolução das relações EUA-China ou aos efeitos das tensões com o Irão e seus reflexos no golfo e no preço do petróleo.
A próxima legislatura será, ainda, aquela em que se torna difícil conter a evolução das expetativas, após mais de uma década sem progressão significativa do nível de vida da população, com reduzido investimento público a tornar obsoletos sistemas de apoio ao desempenho de várias funções do Estado. Todos quererão o seu quinhão na recuperação prometida que começou nesta legislatura. Muitos quererão agora melhor desempenho dos serviços públicos e a situação e ansiedades dos portugueses em volta da saúde estão aí como sinal avançado dessa tendência.
O PS, pelo que se sabe e pelo que provavelmente se verá hoje na sua convenção nacional preparou para este novo quadro um programa típico de segundo mandato, responsável, sólido, com melhorias incrementais, uma agenda de desafios, sem grandes ousadias, mas também sem aventuras que pudessem revelar-se perigosas ou de concretização difícil.
Mas a execução da estratégia que vingou, para muitos inesperadamente, nesta legislatura, criando um governo de condomínio Costa-Centeno viabilizado por uma enorme contenção dos aprtidos de esquerda, com o primeiro a conduzir magistralmente a estratégia e o segundo com os pés firmes nos travões de quaisquer aventuras, pode contar ainda com dificuldades acrescidas, se tiver sucesso a candidatura de Centeno ao FMI de que a imprensa internacional fala e que muito orgulharia Portugal.
Finalmente, convém ter em conta que os portugueses são tradicionalmente severos com os governos em segunda legislatura. Tanto que desde o 25 de abril apenas uma vez o mesmo primeiro-ministro e o mesmo partido ganhou três eleições legislativas consecutivas. Foi assim com Cavaco Silva, em 1985, 1987 e 1991 mas, mesmo esse teve uma primeira legislatura curta, devido a uma moção de censura e não sobreviveu a uma desaceleração económica séria no seu último mandato.
Por tudo isto, António Costa, hoje o grande ativo político com que o PS prepara a sua vitória eleitoral e esmaga o cada vez mais fraco segundo maior partido do país,  terá que fazer história para chegar forte ao fim desta verdadeira legislatura do diabo. Nada que, se contar com uma colaboração estratégica de Marcelo lhe seja impossível, mesmo com as adversidades previsíveis, sobretudo se tiver que enfrentar essencialmente desafios que requeiram dele domínio da tática, de análise da relação de forças, arbitragem de pressões contraditórias e sentido de oportunidade nas decisões que possa atempadamente e racionalmente preparar. Já demonstrou ser um político com a visão típica de general ou de grande mestre de xadrez. 
Diferente seria se o diabo juntasse a todos estes ingredientes alguma situação que forçasse a necessidade de competências emocionais, reação em cimda hora em contexto de tensão afetiva, de empatia com pessoas e grupos vulneráveis em situações de adversidade. Para esse lado da construção de um novo sucesso político, que faria dele o primeiro político português e do PS sob sua liderança o primeiro partido a poder governar não apenas os oito anos que agora está a lançar, mas doze. Costa terá, no desenho deste ciclo político, que inovar algo.
E resta uma pergunta que teremos que fazer a nós próprios. Com o caminho que seguimos chegaremos ao fim desse ciclo com uma sociedade mais próspera, produtiva, menos desigual e mais ambientalmente sustentável? Para que a estratégia que o PS propõe ao país é necessário acrescentar ainda muita ambição de mudança ao inequívoco triunfo já conseguido sobre a conjuntura.




16.7.19

ceci n’est plus une geringonça? A gente de Espanha não apanha más influências.

Há algum tempo, decorria uma das muitas crises de governo na Bélgica e  uma colega socióloga belga iniciou uma comunicação num seminário do ISCTE com a fotografia oficial do seu governo em gestão há muitos meses, já não me lembro quantos, e a legenda “ceci n’est pas um gouvernement”. Já vi a frase de Magritte em mais umas quantas situações para definir casos de contradição entre o que se é e o que se diz ser. Recentemente numa conferência num Banco Mundial um especialista sobre os problemas de segurança no Sahel começou a sua comunicação com exatamente a mesma legenda, desta vez sobre uma fotografia  das forças de paz das Nações Unidas e agora com a legenda Ceci n’est pas une armée.
A notícia da ruptura das negociações entre o PSOE e o Podemos surpreende pelo que significa de que as esquerdas em Espanha são incapazes de se entender. Se Pedro Sanchez não aceita que o Podemos faça um referendo interno a um acordo parece, visto de longe, um absurdo. O SPD faz sempre algo parecido antes de se coligar com a CDU na Alemanha, quando não faz também um congresso extraordinário. E parece-me democrático e normal. Até Mário Soares, entre nós, fez em 1983 um referendo interno ao Bloco Central. Só quando a esquerda democrática europeia entrou em alguns países na sua fase de lideranças excessivamente unipessoais é que a coisa começou a parecer errada.
Se Sanchez está apenas a tentar ir para eleições outra vez e melhorar o seu resultado, talvez libertando-se dos incómodos companheiros do Unidos Podemos, Espanha pode estar a viver algo como um ceci n’est pas une negociation.
Já correu mal à esquerda uma  vez e não ajudava nada ao que está a viver a Europa que Espanha não fosse governável. Como não ajudava nada à esquerda europeia que a Espanha não fosse governável à esquerda. Para já, talvez o PS pudesse ajudar o PSOE a refletir sobre a paciência que é necessária para atingir compromissos ou o BE e o PCP pudessem ajudar o Podemos sobre a arte de entender os socialistas.
Mas não sei se nada do que se passa em Portugal é transferível para Espanha. Nem por aqui temos a questão das nacionalidades que a Espanha partilha com a Bélgica, nem tivemos ainda os parceiros de governo do PS a assumir que querem co-governar o país. Talvez continue assim em Outubro - é  o que toda a gente antecipa -  e tudo fique na mesma. Mas se algo mudasse, nomeadamente no cenário em que ao PS bastasse entender-se com uma força de esquerda para formar governo, o meu lado pessimista não excluiria as dificuldades de alguém descobrir na 25a  hora que ceci n’est plus une geringonça. Mas não deve acontecer, que de Espanha a gente não apanha bons ventos, bom casamentos nem más influências.

15.7.19

A promiscuidade que nunca existiu

Em Portugal tornou-se famosa a frase “você sabe que eu sei que...”. Por aqui não levou a lado nenhum, mas quem acompanhe o trabalho de Glenn Greenwald desde investigações anteriores sabe que ele costuma saber o que está a dizer. E o que está a mostrar é que há pecado original na abordagem da justiça brasileira a Lula. Um pecado original de promiscuidade entre acusação e juiz, que no Brasil atinge padrões chocantes que nunca atingiria em Portugal, quando o juiz de instrução é também o juiz de julgamento, mas que está longe de ser um exclusivo do nosso país-irmão. Na minha experiência com a justiça criminal portuguesa nunca percebi porque o juiz imparcial entrava na sala pela mesma porta da acusação, porque tinham gabinetes em zonas conjuntas ou porque claramente se tratavam como iguais e acima dos advogados dos arguidos. A igualdade de armas entre acusação e defesa é um elemento fundamental da justiça em tribunal. Com o que já ouvimos do caso Lula no Brasil e neste caso é uma anedota. Nunca, ninguém investigou a intimidade entre juizes e ministério público em Portugal. Portanto, entre nós, tal como o fascismo, a promiscuidade entre magistrados judiciais e magistrados do ministério público nunca existiu.

14.7.19

Elogio de Bruno

Leio que Bruno Lage foi muito duro com os hooligans no futebol. A firmeza de atitude face ao comportamento das claques é um dos pontos que separam no futebol português quem tem coragem e visão de futuro de quem não tem. Bruno Lage podia ter assobiado para o lado, mas não o fez. Deu mais um sinal de que é um grande protagonista de uma possível renovação, tão necessária, no futebol português.

13.7.19

A boa defesa da polícia não é complacente com os abusos de poder

Acabo de ver, do outro lado do Atlântico, via RTP Play (obrigado serviço público),  uma reportagem no noticiário da RTP2 sobre um protesto formalmente inorgânico de polícias e de ouvir pequenos excertos dos discursos institucionais numa cerimónia. Fico perturbado.
Se  não é a polícia que cria os guetos de pobreza e concentrações de problemas sociais que lhe tornam em alguns contextos difícil ser ao mesmo tempo eficaz e justa, não é menos verdade que quando se deixa contaminar pelo ódio ao pobre, seja sob a forma de racismo, seja sob a forma de qualquer outra das ideologias de “naturalização” da suspensão da visão do outro (para o caso, das “pessoas dos bairros”) como cidadão com direito a um tratamento digno,  é ela que está a abandonar os seus deveres perante a sociedade.
Os polícias que transigirem com más práticas policiais de racismo, de violência sem fundamento, de abuso de poder, é contra si próprios enquanto cidadãos de uma democracia que se viram, a menos que não sejam democratas e nesse caso, francamente, é um perigo para nós todos que tenham lugar na polícia. E, não sejamos ingénuos, porque é importante garantir a cultura democrática das polícias não se pode esperar que ela seja um produto espontâneo, nascido das predisposições dos próprios. Tem que ser produzida, pela formação, pelo apoio, mas também pelo controlo e disciplina interna e pela condenação sem temor dos que dela se afastam.
Sim, os polícias devem ser protegidos porque agem em contextos em que muitos de nós não quereríamos e talvez não tivéssemos a força psíquica nem a coragem física para estar. Mas também por isso a boa defesa da polícia, em particular pelos polícias, não é ser complacente com erros ou crimes que esta pratique, ou confundir espírito de corpo com qualquer abuso de poder.

12.7.19

Ação humanitária - uma nova oportunidade no ISCTE-IUL

Os desastres naturais, as crises económicas e sociais, as guerras e os conflitos, as grandes epidemias, geram no mundo a necessidade crescente de ação humanitária. Cada vez mais tal envolve operações duradouras, complexas, em ambientes desafiantes. 
Profissionais e voluntários envolvidos necessitam, para além do profundo saber das suas àreas disciplinares, de conhecimento e formação sobre o quadro cocneptual da ação humanitária e os saberes específicos que convoca.
O ISCTE vai organizar já a partir do próximo ano letivo uma pós-graduação neste campo e estou orgulhoso de que me tenha convidado a colaborar na docência de um módulo de política internacional e geopolítica.
Espero encontrar por lá alguns dos que qui me lêem. Para quem tiver interesse, aqui fica o link para a apresentação do curso.


10.7.19

Cairá agora a última norma legal discriminatória das mulheres em Portugal?


Portugal andou muito na eliminação da discriminação legal contra as mulheres. Mas num canto do armário legislativo sobreviveu uma norma discriminatória que não lhes dá os mesmos direitos no recasamento que aos homens. Essa norma, velhinha, permite aos homens recasarem-se 180 dias após um divórcio ou uma viuvez e às mulheres apenas 300 dias depois.
Não somos os únicos no mundo a discriminar legalmente as mulheres no recasamento. Mas, para além de termos companhias indesejáveis, como a Arábia Saudita ou o Irão, pertencemos a uma minoria nos países com economias avançadas. Na Europa, só a Itália está connosco. No resto da OCDE só se junta o Chile, Israel, o Japão e a Turquia.
Um recente relatório do Banco Mundial dá conta desta e de muitas outras discriminações das mulheres no mundo e aponta a dsicriminação legal das mulheres no recasamento como a última discriminação legal de género em Portugal.
A mim que não sou jurista, parece-me defensável a leitura de que a norma que se pretende rever está completamente fora do espírito da, se não a violar expressamente, Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, que Portugal ratificou em 1980, a qual dá a mulheres e homens o mesmo direito de contraír casamento e os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades no casamento e aquando da sua dissolução (arto 16o, n1 alíneas a) e c)). Mesmos direitos é coisa que manifestamente esta diferença de prazos não estipula.
Segundo esta notícia do DN, a norma anacrónica pode caír agora, se o PSD se juntar ao PS, BE e PAN. Sem surpresa, o CDS está contra. Mas que se poderia esperar de diferente de um partido tomado pela ideologia de género que chama ideologia de género à defesa da igualdade?  Surpreende mais a posição do PCP, que na balança da sua decisão dá mais peso aos efeitos colaterais da igualdade, como as alterações que pode implicar na presunção de paternidade, do que à defesa do valor fundamental. Mas a prudência do PCP nessas matérias, a que com mais propriedade se poderia chamar o conservadorismo latente, também não é uma surpresa total.
Haverá quem diga, com o PCP, que não há um clamor nas ruas por este aperfeiçoamento na nossa legislação sobre igualdade de género. É verdade, tal como foi verdade a propósito de muitos outros aperfeiçoamentos nos direitos humanos entre nós. Há coisas que deve bastar a consciência ditar-nos para serem procuradas. A igualdade de género é uma delas.


26.6.19

Na Presidência um amigo

O Luís Costa foi eleito Presidente da Plataforma Europeia da Aprendizagem ao Longo da Vida, soube  por este texto. Sou amigo dele há várias décadas e por isso suspeito no elogio que merece.
Muito poderia dizer sobre as suas capacidades e especificamente sobre as que a nova função requer, de trabalhar em rede, com determinação e pragmatismo, por uma causa. Mais ainda sobre o seu carácter, de homem vertical e solidário, contra ventos e tempestades, leal a causas e pessoas, que sem a segunda lealdade a primeira talvez nem seja possível.
Mas acho que basta dizer aqui a minha alegria por ver um quadro do sindicalismo português - e para este efeito nada interessa de que quadrante do sindicalismo vem - ascender ao topo de uma estrutura Europeia da educação ao longo da vida. Refiro essa qualidade porque não creio que se possa entender a paixão do Luis pelo tópico fora dessa experiência pessoal, da dedicação aos trabalhadores e também ao diálogo social, que vem de tempos em que para as suas bandas não abundavam as vozes que acreditassem a sério na eficácia da concertação para a melhoria da vida dos trabalhadores.
A história contará da sua influência discreta sobre alguns momentos importantes do diálogo social em Portugal e provavelmente também, para mais agora, da sua capacidade de fazer avançar boas causas também a nível europeu.
Nada tem que ver uma coisa com a outra, mas recordo agora e acho ainda que tomei uma boa decisão quando o desafiei há uns vinte anos para a direção de uma instituição pioneira, infelizmente falecida, no desenvolvimento da causa da formação ao longo da vida, em Portugal. Estou a falar do INOFOR, criado pela Ministra Maria João Rodrigues, viveiro de quadros que ainda andam por aí a fazer o pensamento português sobre a matéria.
Vão ouvir falar do Luís. Ou melhor, não vão, porque do seu trabalho normalmente só ouvimos os resultados das coisas em que põe a sua mão dedicada e amiga. Ele gosta de ser um discreto beirão.

22.5.19

O Ricardo Paes Mamede tem razão

O Ricardo Paes Mamede tem razão. Está por demonstrar que os partidos da esquerda não conseguem entender-se sobre reformas estruturais necessárias para fazer de Portugal simultaneamente um país próspero e mais igualitário. 
E volta a ter razão quando lembra que "Para que o Estado social seja sustentável, os seus custos não podem exceder as receitas fiscais, sob pena de pôr em causa outras funções do Estado e/ou a sua viabilidade financeira. Por sua vez, a sustentabilidade financeira do Estado não pode ser obtida através de uma pressão fiscal de tal forma elevada que inviabilize o investimento privado ou a competitividade das empresas portuguesas nos mercados globais. Da mesma forma, a proteção da parte mais fraca nas relações laborais - os trabalhadores - tem de ter em conta as condições internacionais de comércio e produção."
Pelo que me apercebo há, contudo, um problema de programa político para resolver. 
Não há futuro para o Estado Social sem garantir a sustentabilidade financeira do Estado e a acção para garantir essa sustentabilidade tem sido subvalorizada à esquerda. E há que refletir sobre a evolução do trabalho e a emergência de novos riscos sociais, quando à esquerda as atenções têm estado voltadas para os riscos sociais tradicionais e se olha muitas vezes para as dinâmicas sociais de um ângulo conservador que acredita que preservar é mais importante que reavaliar e que toda a mudança é em si um perigo.
O programa de longo prazo para a esquerda portuguesa na sua pluralidade e diversidade não será viável se não for inovador e especialmente se não conseguir adaptar-se às necessidades e expectativas das novas gerações a quem há pouco para devolver e com quem há muito que construir para que não deixemos por muito tempo de ser um país de oportunidades.
O risco que vejo emergir no horizonte e que espero que todas as esquerdas saibam prevenir é o de uma excessiva concentração na negociação dos pequenos passos possíveis prejudicar a energia para pensar os grandes passos necessários para que a ideia de reforma estrutural não continue capturada pela direita. Essa tem um programa claro para o país, assente em maior desigualdade, menos serviços públicos e maior individualização dos riscos sociais. Cada vez que vai ao poder avança um pouco nessa agenda, mais travada pela Constituição do que pela oposição. Um programa que agrada aos mercados financeiros, que terão sempre uma palavra a dizer enquanto estivermos atados a uma montanha de dívida e aos nossos parceiros europeus onde predominam atualmente os partidos conservadores. 
O nosso programa alternativo partilhável por todas as esquerdas, por muito que custe dizê-lo, em muitos aspectos é ainda uma obra em construção e, acrescento, aparentando não estar a receber o melhor das nossas energias, nem sequer na sua conceptualização quanto mais na sua promoção e debate. Temos estado entretidos em, de um lado promover as boas contas e dos outros sucumbir a retóricas políticas que ao género populista atribuem os nossos problemas ou a ingerências externas ou a elites parasitárias. Contabilidade e populismo não são seguramente os argumentos que farão a diferença no futuro. 
A esquerda começa a precisar de um bom programa em torno do qual possa convergir se e quando quiser. O Ricardo Paes Mamede é precisamente uma das pessoas de quem a esquerda precisa para articular esse programa.

21.5.19

O dia do triunfo do absurdo


No dia 21 de maio de 2003 o absurdo triunfou sobre a minha vida.
Foram precisos quinze anos, as várias instâncias judiciais portuguesas e a proteção da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, para que pudesse finalmente triunfar eu sobre esse triunfo do absurdo, que se materializou na decisão de me prender por crimes que não cometi, recorrendo a indícios que o não eram, negando-me o acesso aos meios de prova que permitissem refutar as imputações que me eram feitas.
No fim fez-se justiça. Mas não sei sobre quantas pessoas o mesmo tipo de absurdo que transformou a minha vida numa outra vida, também minha, mas não a mesma, vai triunfar hoje.

No primeiro 21 de maio em que podia ter o privilégio de esquecer senti, pelo contrário, o dever de lembrar.
O dever de lembrar que no modo como agiram os magistrados concretos do Ministério Público que pediram a minha prisão e o juíz específico de instrução criminal que me prendeu houve uma distorção do seu papel face ao que o nosso ordenamento jurídico lhes contempla a que nunca o sistema judicial deu atenção. Acredito até que nenhum deles tivesse à partida nada de pessoal contra mim, o que quer dizer que foi a sua própria identidade pessoal e profissional que os conduziu e não é mais tranquilizador.
O dever de lembrar os que lutaram comigo pela reposição da verdade. Acho que nunca lhes agradeci de modo apropriado a escolha de, nesse dia e nos dias, meses e anos que se lhe seguiram, não olhar para o lado ou esquecer. Penso nelas e neles como exemplo, pergunto-me todos os dias se terei sempre a coragem cívica e a solidariedade humana que elas e eles tiveram e prometo a mim próprio seguir-lhes os passos.
Mas também o dever de lembrar as pessoas que conheci na prisão e que apenas tinham em comum o facto de serem dignos de respeito num contexto em que esse respeito pode facilmente faltar-lhes. Conheci, na experiência de vida que o dia absurdo me proporcionou, a humanidade em condições mais extremas do que em toda a minha vida anterior e posterior, incluindo casos perturbadores de anomia, distorção dos valores e degradação humana. Vi mais de perto do que algum dia julguei ver as causas distantes e as próximas do crime e não apenas os disfunciamentos da justiça. Percebi quanto longe estamos de uma boa sociedade.
Desse dia lembro também que, quando o absurdo reina, a humanidade se lhe contrapõe nos pequenos gestos, como o dos polícias que me permitiram ver com eles parte do jogo do triunfo do Futebol Clube do Porto em Sevilha enquanto esperava a retoma do interrogatório.

É inultrapassavelmente verdade que a justiça é humana e há-de sempre ser vulnerável ao erro. Mas não esqueçamos nunca a parte seguinte da frase de São Agostinho, que acrescenta que persistir no erro já é diabólico.
Gostava de acreditar que a justiça dá hoje em Portugal garantias de que tudo fará para que mais ninguém viva o dia do triunfo do absurdo sobre a sua vida. Poderia então esquecer o dia 21 de maio ou recordá-lo pelo golo do Derlei.

24.4.19

Conferência sobre a ação do Banco Mundial em situações de crise, uma visão pessoal

Na próxima segunda-feira, 29 de abril,  pelas 17 horas, estarei no ISCTE-IUL a partilhar com quem possa e queira estar presente a minha visão da ação do Grupo do Banco Mundial em situações de crise.
O Banco não é uma organização focada na acção comunitária, mas na sua vocação de instituição financeira internacional dedicada ao desenvolvimento actua - cada vez  mais - em contextos marcados por situações de crise que despoletam a necessidade de ação humanitária no quadro de intervenções integradas de reconstrução e desenvolvimento.
O caso da reconstrução de Moçambique, Malawi e Zimbabwe após o ciclone Idai é um exemplo recente deste tipo de intervenção do banco. Mas na última década tem vindo a desenvolver instrumentos para intervenção em situações de crise económica,  emergências de saúde pública e desastres nacionais sobre os quais se pretende refletir e defender a necessidadede uma visão integrada - preventiva e não apenas reativa - da intervenção em contextos de risco e fragilidade.


Veja o convite e registe a sua presença, aqui

23.3.19

Ninguém sabe o que diz o Relatório Mueller

O relatório Mueller sobre a possível interferência russa nas eleições foi entregue ontem ao Procurador-Geral americano.
A investigação demorou três anos, conduziu a vários processos judiciais contra dirigentes da campanha, teve resultados que foram sendo conhecidos na exata medida do que era necessário para esses processos.
As peças processuais surgiram nos media com todas as partes que poderiam interferir na evolução da investigação ocultadas.
A equipa de Mueller entregou o relatório há 24 horas. Uma hora depois de o receber, o Procurador-Geral informou a Câmara dos Representantes que a informaria dos resultados durante o fim-de-semana.
Até agora, ninguém conhece o seu conteúdo e nenhuma televisão o divulgou. E falo do relatório propriamente dito. A ninguém passou pela cabeça que um simples minuto dos provavelmente milhares de horas de entrevistas aparecesse em vídeo nas televisões.
A justiça americana tem terríveis defeitos. Mas dá gosto ver como se leva a sério e como cultiva inteligentemente a separação dos poderes. Não apenas face ao executivo e ao legislativo. Também face ao mediático. E nisso faz prova do seu apego democrático.
Os Democratas, naturalmente, lançaram uma campanha pela divulgação integral do relatório. E provavelmente vão consegui-lo. Se fosse cidadão americano acho que tinha o direito de saber tudo o que Mueller investigou e apurou, já. Mas ninguém esperou que a investigação fizesse ou aceitasse a divulgação seletiva de informação para gerar aceitação das suas teses.