16.7.19

ceci n’est plus une geringonça? A gente de Espanha não apanha más influências.

Há algum tempo, decorria uma das muitas crises de governo na Bélgica e  uma colega socióloga belga iniciou uma comunicação num seminário do ISCTE com a fotografia oficial do seu governo em gestão há muitos meses, já não me lembro quantos, e a legenda “ceci n’est pas um gouvernement”. Já vi a frase de Magritte em mais umas quantas situações para definir casos de contradição entre o que se é e o que se diz ser. Recentemente numa conferência num Banco Mundial um especialista sobre os problemas de segurança no Sahel começou a sua comunicação com exatamente a mesma legenda, desta vez sobre uma fotografia  das forças de paz das Nações Unidas e agora com a legenda Ceci n’est pas une armée.
A notícia da ruptura das negociações entre o PSOE e o Podemos surpreende pelo que significa de que as esquerdas em Espanha são incapazes de se entender. Se Pedro Sanchez não aceita que o Podemos faça um referendo interno a um acordo parece, visto de longe, um absurdo. O SPD faz sempre algo parecido antes de se coligar com a CDU na Alemanha, quando não faz também um congresso extraordinário. E parece-me democrático e normal. Até Mário Soares, entre nós, fez em 1983 um referendo interno ao Bloco Central. Só quando a esquerda democrática europeia entrou em alguns países na sua fase de lideranças excessivamente unipessoais é que a coisa começou a parecer errada.
Se Sanchez está apenas a tentar ir para eleições outra vez e melhorar o seu resultado, talvez libertando-se dos incómodos companheiros do Unidos Podemos, Espanha pode estar a viver algo como um ceci n’est pas une negociation.
Já correu mal à esquerda uma  vez e não ajudava nada ao que está a viver a Europa que Espanha não fosse governável. Como não ajudava nada à esquerda europeia que a Espanha não fosse governável à esquerda. Para já, talvez o PS pudesse ajudar o PSOE a refletir sobre a paciência que é necessária para atingir compromissos ou o BE e o PCP pudessem ajudar o Podemos sobre a arte de entender os socialistas.
Mas não sei se nada do que se passa em Portugal é transferível para Espanha. Nem por aqui temos a questão das nacionalidades que a Espanha partilha com a Bélgica, nem tivemos ainda os parceiros de governo do PS a assumir que querem co-governar o país. Talvez continue assim em Outubro - é  o que toda a gente antecipa -  e tudo fique na mesma. Mas se algo mudasse, nomeadamente no cenário em que ao PS bastasse entender-se com uma força de esquerda para formar governo, o meu lado pessimista não excluiria as dificuldades de alguém descobrir na 25a  hora que ceci n’est plus une geringonça. Mas não deve acontecer, que de Espanha a gente não apanha bons ventos, bom casamentos nem más influências.

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