É muito difícil assinar um acordo de paz. Muito mais difícil é cumpri-lo. A paz assinada em Moçambique é promissora. O país enfrenta diversas ameaças e necessita de entendimento para conseguir afirmar-se como sociedade pluralista e segura numa região do mundo em que o perigo espreita.
Há um grande compromisso da comunidade internacional com a reconstrução e o retorno ao desenvolvimento das zonas do país afetadas pelos dois ciclones deste ano. Voltou a haver confiança em que as instituições moçambicanas conseguirão tratar adequadamente alguns dos problemas estruturais que afetam a sua credibilidade, um assunto em que o tratamento a dar à questão ainda não plenamente esclarecida das dívidas ocultas do Estado e instituições públicas não é uma questão menor.
Ao contrário de outros países da África lusófona, Moçambique beneficia há bastante tempo de um esforço continuado de instituições de ajuda ao desenvolvimento de diversos países, em que avultam a cooperação britânica e a cooperação alemã.
Mas há ameaças a este processo de paz que não são pequenas.
O desequilíbrio de desenvolvimento e de investimento entre territórios é gritante e, apesar dos esforços de correção que se devem creditar ao atual Presidente da República, deixaram marcas que não desaparecem de um dia para o outro.
O banditismo social que atualmente se liga em certas zonas de África à emergência de extremismos com legitimação islâmica pode contaminar o país, em particular a partir das suas fronteiras do Norte.
A unidade nacional em países em que a diferença de territórios se cristalizou em diferença de partidos predominantes no apoio popular nunca é fácil de gerir. Por um segundo não pensem sequer em África a propósito do que digo, pensem só na Bélgica, por exemplo.
Os partidos políticos moçambicanos, como em outros países que viveram a sua transição para a independência quando a África do Sul era ainda o país do apartheid, a guerra fria estava ainda viva e as ideologias importadas se sobrepunham à busca de apoio popular, vivem ainda as feridas dessa transição.
A geração que liderou a independência e que com ela ganhou mais, em poder e em dinheiro, habituou-se a um rentismo que não tem lugar no futuro e terá que aceitar a perda de estatuto, de riqueza e de poder para que o país possa desenvolver-se.
Como se tudo isto não bastasse, Moçambique, como todos os outros países pós-conflito vai voltar a ter que gerir na execução deste acordo de paz uma integração de forças armadas que se combateram e a desmobilização de pessoas que não têm modo de vida alternativo ao que tiveram enquanto combatentes. Muitos destes desmobilizados não têm visão do Estado nem ideologia, apenas a alternativa entre um modo de vida atual em que a subsistência era garantida por alguém e um futuro em que podem ser abandonados à pobreza. Outra vez, não pensem só em África, a Colômbia não é muito diferente. Alguns, como sempre acontece, voltarão às armas, sabe-se lá como e com quem e serão tantos mais quanto menos sucesso tiver o processo de criação de paz real para os homens da guerra.
Mas também há sinais encorajadores. Na cerimónia do acordo de paz viam-se os representantes das instituições sempre presentes na paz moçambicana, como os mediadores católicos, a África do Sul, a União Europeia, Portugal. Mas também estes terão que saber passar das palmas que bateram agora aos actos que terão que fazer ainda.
A paz é possível em Moçambique, mas não se constrói só com assinaturas e palmas. Vai custar dinheiro a quem a queira apoiar e partilha do poder a quem a queira viver. Vai exigir apoios concretos às populações do centro e norte e criação de infra-estruturas e de um Estado eficiente, credível e disposto a lutar contra a corrupção e os privilégios de quem está há muito instalado do poder. Vai exigir ouvir as novas gerações e dar oportunidades Aos que estão à espera de poder ser presente e futuro do país.
Há razões para otimismo. Mas não se pode esquecer que a África oriental é uma zona vulnerável. Hoje é dia de comemorar. Mas amanhã é necessário começar a pagar o preço que torne a paz realmente possível.
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