No aeroporto de Istambul o ódio continuou a matar e a história repetiu-se. Um pequeno grupo de pessoas que avançam para morrer, com uma logística relativamente simples, se considerarmos a facilidade de acesso a armas e explosivos, apanha um táxi. No fim da corrida empunha as armas e dispara até achar que a morte está suficientemente próxima para se fazer explodir. Pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar.
Não necessitamos que o atentado seja reivindicado para ver de que linha de pensamento terrorista vem.
Na Turquia há uma convivência já antiga com ataques terroristas. Mas têm um padrão distinto. São ataques no contexto de uma guerra nacionalista, perpetrados nas zonas predominantemente curdas e, mesmo quando fora delas, dirigidos ao Estado e aos símbolos do seu poder e a forças militares ou de segurança.
O ataque de Istambul faz parte de outra linha terrorista, daquela que o ISIL cultiva ao limite, a do ataque indiscriminado em locais públicos de grande afluência.
No aeroporto Ataturk, tanto quanto se pode perceber, a tragédia só não foi muitíssimo maior porque o dispositivo de segurança dos aeroportos turcos é muito mais apertado do que o habitual na Europa Ocidental e porque os agentes policiais turcos não hesitaram em caminhar também para a morte no exercício do seu dever. Como já li hoje, podemos pensar o que quisermos do aparelho securitário turco, mas devemos à sua eficiência a contenção do número de vítimas.
Na Europa, nós, os civis, estamos a reaprender que a paz é um resultado e não um dado. E a reaprender a verdade terrível que temos que conviver com a existência de um inimigo que quer destruir o nosso modo de vida.
Esse inimigo vai ter a evolução aparentemente paradoxal das forças que chegam a um beco sem saída. Mais fraco onde predomina, tornar-se-á mais mortífero onde estão as suas forças residuais e os seus inimigos mais indefesos e, nesses bastiões, pode reproduzir-se quase só com propaganda e recursos muito escassos.
Ontem foi num aeroporto de Istambul. Amanhã onde será?
Aqui na Turquia toda a gente recebe todos os dias uma indicação real ou imaginária de uma embaixada ou de um organismo internacional que desaconselha ir a uma ou várias zonas de uma ou mais cidades, que, se levada à letra, nos conduziria a sair já e todo o dia do espaço público. E, se não todos, pelo menos muitos continuam a ignorar essas mensagens porque o medo não pode vencer.
Mas a minha percepção é a de que os ataques não podem deixar de continuar e se intensificar. O ISIL imagina-se rodeado de inimigos que tem que atacar por todo o lado. Politicamente, é todo o Ocidente, Rússia incluída. Culturalmente, é o cosmopolitismo em toda a parte, sem qualquer exceção de religião predominante ou território. Religiosamente é também tudo o que possa ser catalogado de uma fé islâmica que não obedece à sua interpretação. Na lógica de um militante do ISIL tudo à sua volta devia deixar de existir. O nosso inimigo não é nenhum dos chefes da rede por ´si só. è a mundivisão que os cria.
Combater o ISIL tem que combinar as ações militares com a eliminação das suas fontes de recrutamento. Para deixar de haver os sucessivos três jovens dispostos a vestir-se de preto e um colete explosivo, em qualquer cidade do mundo, é necessário que mudemos também nós de concepção sobre o mundo que estamos a gerir e a gerar.
É necessário que o que se passa na Síria seja melhor conhecido e os sírios que sofrem os horrores da guerra sejam vistos com simpatia e não como invasores.
É urgente que os milhões de crianças e jovens islâmicas que vivem na pobreza em todo o mundo, muitos destinados à exploração e a condições de vida sub-humanas nos seus próprios países ou como emigrantes sem direitos em países islâmicos, encontrem outros horizontes de vida.
É necessário que as centenas de milhares de crianças refugiadas tenham acesso a educação e condições de vida digna antes de crescerem vulneráveis.
É necessário que a integração dos imigrantes e o combate à pobreza em países ricos volte a ser uma prioridade política.
Há muita coisa para mudar no mundo e na Europa em particular para combater o ISIL. Mas não é deixar de sair à rua.
O ISIL é uma mutação genética de uma Al Qaeda que parecia personificar o pior dos ódios à modernidade. Se o alimento de que estas seitas político-militares com legitimação teológica vivem não escassear, podemos esperar pela sua próxima mutação genética. Se continuarmos de olhos fechados, podemos esperar pela próxima geração de suicidas. Os que estão a reinterpretar a radicalização agora, enquanto escrevo.
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