1.7.17

A garantia de um rendimento para uma vida digna vinte anos depois do RMG

Há vinte anos, no dia de hoje, entrava em vigor em todo o território nacional, após um ano a funcionar em projectos-piloto de base municipal, um novo direito, o direito a um mínimo de rendimento para uma vida digna. 
O então designado rendimento mínimo garantido perdeu o nome, porque a ideia de garantia arranhava os ouvidos da direita e por mais que uma vez foi vítima de tentativas de asfixia burocrática, bem como de reduções de valor, a que, contudo sobreviveu.
A medida, que é um rendimento mínimo de participação e não um rendimento básico incondicional, foi criada com a intenção de assentar em dois pilares: o da prestação monetária e o do programa de inserção. Contudo, o Estado e a sociedade civil nunca chegaram a conseguir tornar o segundo pilar tão efectivo quanto necessário. Mas para o desenvolver criaram-se comissões locais participadas que foram embriões de uma territorializacao da política social que frutificou também em outras medidas.
Olhando para trás percebe-se que a enorme politicização inicial, com o PS a torná-la num símbolo da sua sensibilidade social e a direita a usá-la para estigmatizar os pobres, fez mal ao seu desenvolvimento equilibrado. Nessa politicização até o austero Tribunal de Contas se prestou ao episódio lamentável de uma das tecnicamente mais mal feitas e politicamente enviesadas auditorias da sua história, demonstradora, aliás, das suas limitações na compreensão das políticas sociais.
No calvário da vida política da prestação, até a crise financeira internacional serviu para um dia PEC misturar a já então discreta política pelos pobres com as reformas necessárias para combater o mítico estado social gordo.
Mas, finalmente, o rendimento social de inserção, como a direita o rebaptizou, é uma prestação com a qual os governos e a sociedade estão em paz. Saiu da boca de cena dos discursos políticos.Já não se fala dos "ciganos do rendimento mínimo" nem dos depósitos bancários dos milionários que requerem a prestação. Isso é bom. Contudo, esse silêncio pode estar também a permitir-nos esquecer quantas vidas a medida mudou, quantas novas oportunidades se criaram, quantos destinos se alteraram.
E, o que mais me preocupa não é a prestação, é que o problema que ela visa ajudar a resolver, o da pobreza extrema das pessoas de todas as idades, está aí, arriscando-se também a voltar a ser invisível.
Portugal precisa de um novo fôlego na política contra a pobreza e de um novo investimento, nomeadamente no apoio às famílias jovens, que seja muito mais abrangente que o que o RSI pode dar, tal como existe hoje.
Era essa atenção renovada ao combate à pobreza que, vinte anos depois, poderia continuar a dar sentido às preocupações sociais de que o RSI nasceu, não a glorificação de uma medida que entrou, felizmente, no nosso edifício das políticas sociais de cidadania.
É apelando a que se debata as formas de combater a pobreza e, em especial, aquela a que o Estado dá hoje menos atenção, como a das famílias jovens, marcadas pelo desemprego e a precariedade, a dos pais das crianças e jovens pobres que nos aparecem nas estatísticas, que acho que se pode honrar hoje, vinte anos depois, o espírito que um dia conduziu a esta medida.
Portugal continua muito desigual,  a ter muita pobreza e uma política social tímida na hora de a combater. Que a luta contra a pobreza volte à boca de cena e poderemos todos festejar o RSI, deixando-o em paz, no papel que já assumiu, até circunscrevendo-o, na interacção com as medidas que faltam. Quais? Para começar, apoios decisivos à redução da pobreza das famílias com filhos em idade escolar.

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