15.1.17

Partiu a mãe do Rendimento Mínimo Garantido

Do seu punho saíram as soluções jurídicas para quase todas as conclusões dos longos debates em que um pequeno mas diversificado grupo de funcionários públicos, assessores ministeriais e peritos ia produzindo a medida que não podia falhar nem esperar.
O meu encontro com a mãe do RMG, a Dra Leonor Guimarães ensinou-me muitas coisas mais importantes para a vida do que algum dia conseguirei sintetizar.
Conhecê-la foi uma lição para muitas outras dimensões da minha vida.
Ela era parte de um grupo de pessoas fulcrais para o bom desempenho do Estado, invisíveis mas detentores de sólidos saberes, com ideias próprias mas leais às decisões democráticas, capazes de suportar muitos ignorantes arrogantes que chegam a posições de alguma importância sem currículo nem saber que justifique o poder que julgam ter.
Leonor Guimarães foi para mim um símbolo do profissionalismo dos funcionários públicos, de um profissionalismo insuficientemente valorizado e respeitado.
Não posso esquecer o que me disse quando finalmente ganhámos reciprocamente confiança no grupo que preparava o RMG: "na primeira reunião pensei que lá vinha mais um assessor de Ministro ignorante e atrevido".
Muitas vezes senti que a sua intransigência prendia ao chão a minha vontade de voar na inovação em vários pontos necessários. Nem sempre ela tinha razão. Mas os nossos enfrentamentos ajudaram a que a medida que a direita jurara destruir ainda ande por aí.
Poucas vezes a vi depois de sair do Governo, mas muitas vezes penso no que aprendi com ela e com toda a geração de grandes profissionais da segurança social a que pertencia. 
A melhor homenagem que posso
hoje prestar-lhe é a expressão do meu agradecimento. É dar-lhe ainda a notícia de que tem seguidores de grande nível na casa e na causa a que dedicou a vida, que eu também já tive o prazer de encontrar em outras leis e noutros projectos, a aplicar noutros países. É dizer-vos, para que saibam: morreu a mãe do Rendimento Mínimo Garantido.

7.1.17

Liberdade, sempre.

"Já todos os portugueses estiveram uma vez comigo e outra contra mim", respondeu-me Mário Soares, então candidato presidencial, numa das poucas conversas pessoais que alguma vez tivemos e em que lhe procurava carregar a tintas negras as hipóteses da sua candidatura.
Hoje é um dos momentos em que todos estão com ele. 
O que fazia de "o Mário" como lhe chamavam os socialistas um ser político único era a forma como combinava a total flexibilidade em relação a tudo o que era conjuntural com o rigor total em relação a tudo o que era fundamental e, acima de tudo, a liberdade, incluindo a sua liberdade de interpretar o mundo e agir, desobedecendo se necessário a todas as conveniências e proximidades.
Estando muito longe de lhe ser pessoa próxima, sinto como português a gratidão por Mário Soares herói da liberdade, sempre e em toda a parte. 
E sinto em relação a ele como pessoa, não posso deixar de o testemunhar, a gratidão devida a quem nunca se calou quando lhe podia ter sido confortável fazê-lo quando a injustiça me bateu à porta.
Não era seu amigo porque não tinha proximidade para isso. Era seu admirador. E estive em relação a ele como todos os portugueses. Sou dos que acham que os heróis são os que são seres humanos com erros e contradições. Soares é um dos meus pouquíssimos heróis.