A emergência climática é um tema em que se revelam algumas das maiores dificuldades da política contemporânea.
O largo consenso científico em torno da ideia de que o planeta está a aquecer a um ritmo insustentável, tal como acontece muitas vezes com a ciência, é contra intuitivo para a parte da população que o confunde com o clima do dia. Afinal, não foi fácil convencer o mundo que não é o sol que se move. E isso permite a populistas fazer o discurso negacionista, para, como Trump, proteger o lobby da energia fóssil, ou como Bolsonaro, acelerar a trágica deflorestação da Amazónia.
É certo que o consenso científico passou já para as disciplinas que procuram orientar a humanidade para evitar o desastre. Temos economistas a escrever sobre o modo como incluir as questões ambientais nos preços da atividade económica, urbanistas a desenhar cidades inteligentes com menores consumos energéticos, especialistas em transportes a conceber formas de mobilidade menos dispendiosas em energia.
E, ainda do lado das notícias positivas, temos as decisões de cimeiras internacionais e os planos de ação que vinculam grande parte da humanidade - como no Acordo de Paris - a objetivos que permitirão ainda prevenir o desastre, como a neutralidade carbónica até 2050.
Mais, a percepção de que há um limite ecológico ao que podemos fazer com a terra evoluiu nos últimos 40 anos de um pensamento de franjas académicas e políticos radicais para os autores mais convencionais e os políticos mais institucionais.
Num certo sentido, agora somos todos ecologistas. Mas, então porque não estamos a conseguir evitar o aquecimento global a um ritmo acima do previsto? Porque parecemos caminhar para o desastre que quase todos dizemos que sabemos que vai acontecer e queremos evitar?
Pode bem acontecer que a dificuldade de passar das palavras aos atos tenha a ver com as inércias do capitalismo democrático. Os perdedores da adaptação necessária - produtores de combustíveis fósseis, indústrias de elevado consumo energético, agroindustria e pecuária - ainda não encontraram modelos de negócio alternativos. E só o Estado os pode apressar, para o que precisa de por em prática os incentivos e sanções adequados. Mas os Estados estão a ser muito tímidos nas medidas drásticas necessárias - veja-se a questão do preço do carbono.
Por outro lado, entre os que mais terão que mudar os seus hábitos estão segmentos importantes dos eleitorados que definem quem governa. Pedir às classes médias que abdiquem de um conforto que adquiriram recentemente, do carro de família às férias intercontinentais, ou que se abstenham de consumos insustentáveis mas inerentes ao padrão de vida atual não se faz com determinismos técnicos, em nome de verdades não percepcionáveis e de modo autoritário.
Se não é o negacionismo da emergência climática que conduz o eleitorado europeu e americano para o populismo, não se pode desvalorizar o papel que pode ter como resistência à chegada ao terreno das medidas que tal emergência exige.
Por isso quando vejo todos os nossos planos ambiciosos para 2030 e 2050 e não os vejo ainda acompanhados das medidas com que se vai promover a adesão das pessoas às mudanças necessárias nos modos de vida ou estimular as empresas a investir de modo sustentável, nos novos negócios, fico com a ideia de que tem que ser recalibrada a estratégia. Por agora está toda orientada para decretar mudanças. Terá que ser reorientada para as sugerir, propor, discutir, ganhar adesão, não pressupor e dar como garantida a submissão.
Deixar de ter conforto a mais?? Porra que deixe primeiro o vizinho.
ResponderEliminarO cérebro humano está formatado para optar pelo que dá retorno imediato, pelo que dificilmente optamos por um comportamento que não dê o maior prazer no imediato.
ResponderEliminarNota pessoal: Foi bom reencontrá-lo neste blog!
Abraço