23.2.16

O vento mudou

O impossível aconteceu. Hoje mudou-se de ciclo na vida política portuguesa, com a esquerda junta a impor um rumo de governo. 
Mudou-se também porque há uma nova forma de entender a relação entre governo e Parlamento. O governo nem tem o rolo compressor da maioria pré-definida nem a posição de mendigo do tempo dos orçamentos limianos ou dependentes de uma abstenção desresponsabilizadora. O Governo vai negociar no Parlamento e vai ter, no que tiver, a maioria que resulta da partilha de responsabilidades.
Mudou-se ainda porque a tensão entre obedecer à vontade do eleitorado e corresponder à orientação das políticas na zona euro está a ser resolvida sem complexos de bom aluno nem "superioridade morais" varoufakianas, concordando em discordar e negociando sem pôr em causa a orientação geral de política.
Passos Coelho percebeu - e disse-o - que é a sua acção que une a actual maioria. Mas percebeu mal um ponto importante. Não é o que diz agora que une as esquerdas. É o que fez antes que tornou claro que as diferenças na esquerda, sendo grandes, são muito mais pequenas que a distância que separa a estratégia deste governo da orientação do governo anterior.
E António Costa já pode reclamar da história o mérito de por a esquerda a construir convergências pela positiva em questões tão fundamentais como a política orçamental. A seguir terá que ser capaz de manter essas convergências quando a inevitável (e tão desejada pelo PSD) pressão da direita europeia (alguns socialistas incluídos) voltar a fazer-se sentir. E será mais cedo que tarde.
Nessa altura voltará a ser testada a sua capacidade de liderar uma esquerda que, ao contrário do que ele próprio dizia há uns anos, já não é a esquerda do não, embora ninguém saiba ainda em que é que isso a muda e muda o PS.
Mas confortável é a posição de um político que já está a ser questionado pela capacidade de vencer o desafio seguinte.

4.2.16

Negociação e realismo: as razões pelas quais o círculo do OE 2016 não será quadrado

A avaliar pelo que os media relatam, vai haver orçamento de 2016, em contraciclo com as políticas de austeridade, aceite no contexto da relação com a União Europeia e sem que a base política que sustenta o Governo de desmorone.
Muitos chamam a isto a quadratura do círculo e muitos mais achariam que tal exercício era altamente improvável.
Nos últimos dias vimos o que vale um Governo que sabe para onde quer ir e sabe também não ser obstinado e avaliar as condições reais para dar cada passo que se propõe.
Políticamente, o que houve de novo? Duas coisas. A Comissão Europeia teve pela frente um Governo que aceita negociar mas assume que não tem a agenda da direita europeia que a Comissão incorporou e ficámos a saber que a Comissão é um constrangimento ao desenvolvimento da nossa estratégia. O Governo tem em Portugal uma base política que mais uma vez demonstrou o realismo que todos achavam que não teria. Refiro-me ao BE, ao PCP e ao PEV.
O círculo não foi quadrado porque o Governo reaprendeu o valor da palavra negociação em política. Francamente já estavamos cansados de políticos obstinados! E também, deve salientar-se, porque a esquerda parlamentar reaprendeu o significado da palavra realismo, fundamental para se fazer parte da solução.
Quem ganha? Quem beneficiar da aceleração do crescimento económico e da correcção das desigualdades de rendimento, ainda que mais ligeiras do que gostariamos.
Quem perde? Quem sempre apostou que fora do quadro mental do Partido Popular Europeu não há margem para governar na Europa do Sul.

3.2.16

Arrendamento jovem:Quem deu mandato político à Inspecção-geral de Finanças para ter opinião sobre a idade de acesso?

Leio no Diário Económico que a Inspecção-Geral de Finanças avaliou o Programa de apoio ao arrendamento jovem e recomendou, entre outras coisas, que "deve ser redefinida a população-alvo do programa, tendo em vista a alteração da idade máxima para beneficiar do programa, já que os jovens saem de casa dos pais cada vez mais tarde."
Não tenho o texto da avaliação da IGF e dou como fiel da sua recomendação o extracto do artigo que cito.
A recomendação é puramente política e tem subjacente a adaptação da política de incentivos ao arrendamento a um modelo de sociedade que prolonga a permanência dos jovens em casa dos pais.
Os jovens saírem tarde de casa dos pais pode ser uma tendência cultural, o reflexo de um modelo de transição para a vida adulta que prolonga a dependência, reforça o familismo e no limite a reprodução de valores conservadores. Pode também ser apenas o sinal da propagação da precariedade social dos jovens, que adiam a sua autonomia residencial dadas as perspectivas de incerteza sobre as diversas dimensões da sua vida pessoal. Há-de ser, de facto, uma mistura dos dois factores.
Em ambos os casos, a política pública deve, em minha opinião, reunir esforços em várias áreas para contrariar a tendência, tornando neste caso o custo da habitação mais baixo. Mas é perfeitamente admissível que haja quem tenha a opinião contrária. Em ambos os casos a escolha é política e a IGF não tem legitimidade democrática para se meter no assunto.

As Inspecções-Gerais de Finanças e órgãos análogos têm frequentemente posições puramente políticas em vez de se remeterem a uma prudente neutralidade sobre escolhas que não lhes devem pertencer.
Alguém votou na posição da Inspecção-geral de Finanças sobre o momento da vida em que se deve investir na autonomização dos jovens face às famílias de origem?
Mas, o que mais me surpreende é que um jornal económico de referência noticie os resultados da avaliação sem nenhuma interrogação crítica sobre o conteúdo de qualquer das recomendações feitas, sem nenhuma opinião independente ou sequer uma reacção dos avaliados. Custava muito consultar um especialista em habitação ou um outro em política de juventude? Não seria melhor sabermos como foi recebida a dita avaliação? Se é pacífica ou controversa, aceite ou contestada?

Se é assim no jornalismo de referência, imagina-se como será no outro.